domingo, 9 de março de 2008

A (tétrica) mão visível de Lenin



O grande papel com que sonham os monstros sagrados da política é o do grande homem. O Salvador. O chefe providencial, genial,  médium do espírito nacional. O profeta de sua raça. Roger-Gérard Schwartzenberg 1
Antes fosse apenas isso.
 A mão-boba
O azar do Czar
A I GRANDE GUERRA encerrou duas estupendas catástrofes, dentre tantas: junto com a mortandade jamais vista tão massificada, por gentileza da pauta marxiana recaiu o terrorismo de Estado no preparo à falsa esperança, justamente onde engatinhava o liberalismo:
A via capitalista permitiu aos países da Europa ocidental, à América do Norte, à Austrália, à Nova Zelândia, etc., realizarem notável crescimento econômico. Igualmente de 1890 a 1914, foi a solução capitalista que 'iniciou' o arranque da Rússia. Trata-se, portanto, de uma técnica provada, cujos resultados positivos são facilmente verificáveis. (2)
O ultra-nacionalista Plínio Salgado, estudioso de estratagemas, confirma o intuito:
“Quando surgiu o bolchevismo na Rússia, ele se apresentava como a 'antítese' do sistema liberal capitalista. A 'antítese' fundiu-se com a 'tese', produzindo a 'síntese' que se intitulou 'Ditadura do Proletariado'.” (3)
A esplêndida ciência subjugou os cossacos. A grande herança havia sido legada pelos alemães, fórmula pronta ao uso:
Hegel, Nietzsche, Marx e todos os seus asseclas são, no fundo, apóstolos da violência e apóstatas do espírito. Cresce o perigo e surgem proporções catastróficas quando essas filosofias essencialmente materialistas se revestem de roupagens de espiritualidade e defendem as suas teorias anti-espirituais sob a bandeira espiritualista. Poucos são os homens capazes de distinguir do erro a verdade, acabando por ser arrastados a funestas conclusões por essas premissas materialistas camufladas de espiritualidade. (4)
Sherer e Schopenhauer se debatiam em tentar apagar o fogo hegeliano que se espalhava pelo rincão. Heraldo Barbuy detonou:
“O sistema de Hegel está cheio de disparates; é uma mistura inconseqüente de poder e de fraqueza. A obra é estéril porque é contraditória.” (5)
Schopenhauer se manifestou:
“O bom senso não se aprende: tratando duma vez por todas como ela merece, após provocação de sua parte, a Hegelianada - esta peste da literatura alemã - estou certo do reconhecimento dos homens sinceros e inteligentes, se é que ainda existem.” (6)
Existia; mas, enquanto Einstein oferecia suas maravilhas para um mundo estupefato, a Rússia assombrava ainda mais. O Czar obrigava a Nação à guerra (contra o Japão), a fim de aplicar o tradicional método de união do povo em torno da sobrevivência. Tarde demais, mesmo para emergência - o terrorismo soviético lavrava o primeiro ato na insurreição, através dos marinheiros do Encouraçado Potemkim. O célebre filme de S. Eisenstein mostra a coleção de barbáries que se abateu sobre a desgraçada população. Para completar o desastre, o Czar, exclusivamente movido pelo medo, promoveu o Domingo Sangrento de 1905, dia do fuzilamento em massa sobre os marinheiros comunistas, mas também sobre a inocente, queixosa e sofrida população daquele pós-guerra com Japão. Em vez de união, o governante conseguiu um rastro de pólvora contra si mesmo, contra o poder constituído. No embalo, pôs-se acelerada a marcha do criminoso comboio e nem sequer aquela nova e ainda mais dantesca guerra internacional elidiu sua trajetória; pelo contrário, aproveitando-se da confusão reinante e da exaustão do conflito, em 1917 Lênin perfez o golpe.
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A "maravilha" da Guerra
A carnificina do Domingo Sangrento somada a do front da I Guerra tornava tudo banal. De maneira incrível, o terror e a mortandade eram adjetivados como “líricos”, “emocionantes”, “gloriosos”, “patrióticos”:
“Incontestavelmente, uma parte dessa geração se reconhecia na descrição da guerra feita por Erns Junger em Laranjas de Aço, de 1919, e Nossa mãe guerra, de 1920: prova comum exaltante, fonte de heroísmo, a sorte mais magnífica era morrer pela pátria.” (7)
Este romantismo mórbido, en passant, não se restringiu àquela década: na apreciação da guerra civil espanhola, Eric Hobsbawn a retrata como a realização de “um sonho maravilhoso, uma epopéia de heroísmo, a Ilíada dos que eram jovens nos anos 30.” (8)
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A tétrica
Nunca a lei do mais forte, do único mais forte, o Estado, tinha sido tão acionada. Von Mises mostrou a razão:
O Marxismo introduziu dois axiomas: o de que a sociedade está dividida em classes cujos interesses estão em eterno conflito; e o de que os interesses do proletariado - só realizáveis através das lutas de classes - exigem a nacionalização dos meios de produção, de acordo com seus próprios interesses e em oposição aos interesses das outras classes. (9)
Embora Marx e Engels não fossem juristas, suas teorias almejavam uma concepção legalista; e tal qual estava implícito no determinismo cientístico de Rousseau, e em que pese requerer a universalidade, também para ambos o regime político deveria ser uno, indivisível, completo e absoluto; por tudo, ultracentrista, acima de pluralismos institucionais e sem espaço para regionalismos federativos, ou sequer à clássica separação dos poderes. Direitos humanos, taxados meras especulações, não requeriam observância. Os cidadãos foram obrigados a se despirem dos parcos fundamentos da democracia, para vestirem as obrigações (e quantas) aos soviets.
O "regime jurídico” isolou o jusnaturalismo com diversas ambigüidades dissimulatórias, choques traduzidos por Sartre:
“Marx explica que a força revolucionária do operário nas sociedades burguesas 'nasce da contradição entre sua natureza humana e sua existência vital que é a negação manifesta, decisiva e total dessa natureza'.” (10)
Para a “tal síntese”, a Revolução Bolchevique levou cenas de indescritíveis atrocidades.
O eliminar da moeda e da propriedade pelo método forçado de repartição geral das coisas - imprescindível via de acesso à engenharia sociológica marxista - exigia, de plano, que o disparate só se impusesse por lutas fratricidas, porque praticadas no interior da comunidade.
A propaganda da Revolução Francesa, sempre intensa, servia para tornar a causa bolchevique semelhantemente justa, a pilhagem legalizada e a morte necessária, mas a campeã de sangue e saque foi a versão.
Como sempre, uma enxurrada de “intelectuais” internacionais cobriram os desmandos.
Da Itália, Antônio Gramsci tocava lenha na caldeira do trem dos infortúnios:
A Revolução Francesa abateu muitos privilégios, despertou muitos oprimidos; não fez mais, porém, do que substituir uma classe por outra no domínio. Deixou, contudo, uma grande lição: que os privilégios sociais, sendo produto da sociedade e não da natureza, podem ser superados. A humanidade necessita de um outro banho de sangue para cancelar muitas dessas injustiças. (11)
O "pastor do pasto-verde"
O pesadelo denominado Vladimir Ilianov (1870/1924) (12) retornara daquela Zurique formado em “organizador profissional da política totalitária”, pronto a organizar as “justiceiras” baionetas para os "banhos de sangue".
Nenhuma outra atividade ou vocação conseguiu arrebatar o interesse deste carrasco marginal. Na agricultura, Lênin dispensou as solicitações da mãe, preferindo ater-se as leis, porém advogando pelo tempo de algumas semanas. Seu negócio mesmo foi servir-se de incautos e oportunistas. Parcos anos após consumada a tragédia, ele próprio morreu, infetado por doença cerebral. Quem seriam heróis para o infantil Lênin? O que aspirava durante a fase adulta?
“O agitador Lênin desde criança entusiasmou-se com as proezas do cossaco Stenka Razin, o bárbaro das estepes que despojava os ricos em benefício dos pobres, que prendeu um governador no alto da torre de Astrakan e que tinha o costume de chicotear os cobradores de impostos e submeter os aristocratas ao suplício da roda. Inspirado neste Robin Hood eslavo, Lênin quis tornar-se um grande herói popular.” (13)
Lênin deixava longe os “belos trabalhos” de Cesar Bórgia e de Robespierre, embora Trótski comparasse o trio já em 1904 (14). E não titubeou expor o seu caráter:
“Mesmo se para cada cem atos justos cometermos dez mil injustos, nossa Revolução não será menos grande.” (15)
A outrora esperançosa Emma Goldmann (16) bem que alertou para o desvirtuamento:
Os métodos revolucionários devem estar em harmonia com os fins revolucionários.
Os meios utilizados para promover a revolução devem estar em harmonia com seus propósitos. Em resumo, é preciso que os valores éticos que a revolução pretende estabelecer na nova sociedade sejam aplicados desde o início das atividades revolucionárias do assim chamado 'período de transição', pois eles só poderão servir como uma verdadeira e segura ponte para a nova vida se forem construídos com os mesmo materiais da vida que se quer alcançar. A revolução é o espelho dos dias futuros.
Esta foi a ponte inglesa de 1688. Com o mesmo material foi contruído o movimento de 1968, e isto rememoraremos. Na União Soviética, entretanto, o artefato foi destruidor. Milhões foram simplesmente fuzilados ou saqueados à mão armada, na realidade mais criminosa prevista nos códigos penais, repartindo-se entre os assaltantes os bens deste jeito havidos, obviamente sem a menor responsabilidade ou pudor. A imolação do Czar Nicolau II e de sua família, retratados e depois executados sob a égide da inveja e do recalque, ditou o tom da marcha, fúnebre, repetida por milhões de assassinatos anônimos, na Rússia, e pela metade do globo.
Aprecie:

O Socialismo de Adam Smith

O efeito social da Economia Neoliberal

O Neoliberalismo de Einstein

Marxismo Neoliberal

__________
Notas
1. O Estado Espetáculo, p. 11.
2. Schwartzenberg, Roger-Gérard, Sociologia Política, p. 293.
3. Salgado, Plinio, Doutrina e Tática Comunistas (Noções elementares), p. 27.
4. Rohden, Huberto, Filosofia Contemporânea, p. 235.
5. Prefácio de Schopenhauer, Arthur, O Mundo como Vontade e Representação, p. VI.
6. Idem, p. VII.
7. Richard, Lionel, A República de Weimar (1919-1933), p. 250.
8. Hobsbawn, Eric, cit. Revista Manchete, Rio de Janeiro, 12/10/1996, p. 57.
9. Von Mises, Ludwig, Uma Crítica ao Intervencionismo, p. 139.
10. Sartre, Jean-Paul, O Fantasma de Stálin, p. 32.
11. Gramsci, Antônio, cit. por Coutinho, C. N., Gramsci - Um Estudo sobre Seu Pensamento Político, p. 1.
12. Verdadeiro nome de Lênin.
13. Lênin, cit. Jorge, Fernando, p. 391.
14. Trotski, L., cit. Johnson, Paul, p. 42.
15. Lênin, W., cit. Challita, Mansour, Os Mais Belos Pensamentos de Todos os Tempos, 3. Vol. p. 157/158.
16. Goldman, Emma, My Further Disillusionmet with Russia, 1924, cit. Woodcock, p. 140.


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