sexta-feira, 14 de março de 2008

A influência de Malthus

Em seu conhecidíssimo Ensaio sobre a população, publicado em 1798, Malthus afirmava que a natureza prescreveu limites inflexíveis ao progresso humano no que toca à felicidade e à riqueza. Burns: 542
O reverendo Thomas Robert Malthus (1766-1834) “discordava das idéias filantrópicas de seu pai”. (Strathern: 107) Os recursos seriam escassos, por limitados. A população aumentaria muito mais do que a oferta de alimentos. Bem cabiam “virtudes” compensatórias. A guerra, a fome e a peste eram até queridas*.
Bonar, o principal biógrafo, enaltece os pendores de Malthus, 'indivíduo que defendia a varíola, a escravidão e o infanticídio, que atacava a sopa econômica, os casamentos precoces e a assistência paroquial; que teve o descaramento de casar-se depois de pregar contra os inconvenientes de uma família; que achava o mundo tão mal governado que as melhores ações causavam o maior dano; que, enfim, tirou toda a poesia da existência'. (Downs: 63)
Ao tomar conhecimento daqueles Princípios de Economia Política (1820), David Ricardo (cit. Strathern: 112) teceu forte crítica: : "Imediatamente o astuto Ricardo fez 220 páginas de anotações corrigindo os erros econômicos da obra, declarando que ‘mal havia uma página [livre de] alguma falácia." Fora da Bolsa de Valores, contudo, quem poderia coinhecer Ricardo? A “situação”, provável pela aritmética de Galileu, Descartes, Hobbes, Newton, Rousseau e ora equacionada por Malthus (Fadiman: 197) mostrava-se fatal e indiscutível. Nasceu vesga e improcedente:
Porém, desde a época em que Malthus publicou seu célebre ensaio sobre a população, no ano de 1798, a população mundial aumentou quase seis vezes, mas ainda assim a produção e o consumo de alimentos per capita são hoje consideravelmente maiores do que no tempo de Malthus, e isso ocorreu junto com uma elevação sem precedentes nos padrões gerais de vida. Sen, A. : 237
A questão assumiu a maior gravidade quando Darwin (cits. Carvalho, E. M.:34) tomou conhecimento do assunto,  As palavras são do “profeta” do passado: “Enquanto pensava vagamente em como isto poderia afetar qualquer espécie, de repente me surgiu a idéia da sobrevivência dos mais aptos.”

A partida de Malthus foi um alívio. Buchholz (Strathern: 114) informa o insólito: “Quando Malthus morreu, alguns foram ao funeral para prantear, outros para se certificar de que ele realmente estava morto.”
Conseqüências
A escassez prenunciada por Malthus e depois por Bentham a todos alarmava. Arrisco a mencionar que ambos foram prioritários em todos os estudos da época, até porque presentes nas cercanias. A biografia de Mill, (cit. em Clemens, John K. e Mayer, Douglas F.,: 191) elaborada já em 1873, foi enfática - ele não ficou imune:
“O princípio da população de Malthus era tão forte como uma bandeira e como ponto de união entre nos utilitaristas quanto a proposta associada a Bentham.”
A “justa” distribuição dos “escassos” bens, essencialmente primários, por sua pena virava produção legislativa, “positivismo balanceado” capaz de reformular as relações econômicas, esteio a formulação que seria encaminhada quase concomitantemente por Marx (cit. HAYEK, F.A., Os erros do socialismo - arrogância fatal: 127) :
Stuart Mill aproximou-se de modo muito nítido das correntes de pensamento socialista e intervencionista. Essa evolução se processou paralelamente no plano filosófico e no econômico. Ao passar da filosofia utilitarista à filosofia de Augusto Comte e de Saint Simon, passara também do liberalismo ao intervencionismo e ao socialismo.
Ao se deixar contaminar, a grande ilha sofreu o tal Movimento Cartista, liderança do irlandês Feargus O’Connor, acompanhado de “barbudos vestidos com jaquetas de fustão”.
O pano de fundo, amplo e “democrático”, à la Rousseau, projetava agitação pela Carta do Povo, a fim de macular a Carta Magna com artifícios semânticos para reparação dos males apontados pela contabilidade social. A lei maior deveria se adequada positivamente; e, diante da popularização, encaminhada por demandas sindicais. “As letras de ouro bordadas sobre o veludo” (14) deveriam sofrer adição social, trabalhista.
Não precisamos lembrar o quanto rendia (ainda é o que mais rende) aos aspirantes do poder acenarem com a utopia ao ingênuo eleitorado, mas vale a inusitada descrição do Prof. George Rude (p.196):
Era uma questão tanto de sobrevivência quanto de política: uma panacéia que, pelo voto do trabalhador e pela transformação radical do Parlamento, proporcionaria ao trabalhador muitos assados, muito pudim de ameixas e cerveja forte, com três horas de trabalho diário.
O falso sentido dialético se prestou a extenso aplicativo. A cada avanço, contudo, correspondia considerável atraso ao homem, reduzido e assumido primata. As constatações político-científicas, colocados no fogo antagônico de Hegel, diante da escassez de recursos anunciada por David Ricardo, tendo a teoria da superpopulação alardeada por Malthus, bem como suas predições para salvar (?) a humanidade somados ao arsenal teórico justificante dos embates pela sobrevivência, de Marx, compuseram generosa munição a todos os sentimentos bélicos, de Bismarck a Lênin, de Mussolini a Hitler.
Herbert Spencer (1820-1903) e Albert Schäffle (2) enriqueceram o comboio. Principles of Sociology (1. vol, 1876) desenvolve um paralelo entre a organização e a evolução dos organismos vivos e das sociedades; Social Statics fora publicado nove anos antes da Origem das Espécies, e The Man versus State veio em 1884. Eis a conseqüência legada:
A idéia errada de que vivemos num mundo de recursos escassos tem feito mais que impedir a maioria das pessoas a atingir o sucesso econômico. Ao longo dos séculos esta visão negativa de escassez do mundo tem sido responsável por guerras, revoluções, estratégias políticas e sofrimento humano de imensas proporções.
(Pilzer: 14)
Com tão renomados “padrinhos” intelectuais e a conturbação instalada, Karl Henrich Marx (1818-1883) e Friederich Engels (1820-1895) foram acolhidos com hospitalidade ou indiferença, jamais com hostilidade. O Reino Unido, no respeito ao direito de expressão, permite que até estrangeiros se arvorem em palpites, mesmo sendo eles incisivos na conclamação direta à luta de classes, à aniquilação da propriedade, na tentativa de tornar o País anfitrião um “reboliço”.
Restou à Rússia cair no canto-da-sereia, para se afogar no mar da ilusão, arrastando milhões à sucumbência:
"Por outro lado, o princípio da população de Malthus continua tendo uma aflitiva relevância no mundo além dos confins da Europa ocidental e da América do Norte." (Strathern: 111)
A idéia cerne de Malthus, almpliada por Lamarck e Darwin. Que dirá seu transplante à sociologia:
Não é a adaptação bem sucedida a um dado ambiente que constitui o mais notável formador da vida, mas a teia de processos ecológicos em um sistema ambiental que forma os padrões psicológicos e comportamentais, os quais podem apoiar-se na genética. A evolução acontece não como resposta às exigências da sobrevivência, mas como um jogo criativo e necessidade cooperativa de um universo todo ele evolutivo.
Lemkow, A. F.: 183
Curiosidade
Em 1750, os ingleses supunham que seis milhões de pessoas constituíam uma população excessiva para as Ilhas Britânicas: todos estariam fadados à fome e à peste. No entanto, nas vésperas da última Guerra Mundial, em 1939, cinquenta milhões de pessoas viviam nas Ilhas Britânicas com um padrão de vida incomparavelmente superior ao padrão com que se vivia em 1750.
A relevância pode ser aferida noutro cenário: enquanto a produção de automóveis cresce assustadoramente, de modo geométrico, para usar o termo dos medidores, embora a quantidade e diversidade de seus "alimentos" até lhes acompanhe, as vias que necessitam não aumentam, sequer, aritmeticamente. Esta sim é a grande equação que caberá à próxima geração resolver. A ficha começa a cair:
Muitos carros, pouco espaço 14 de maio de 2012
NOTA
*An essay on the principle of population, as it affects the future improvement of society, with remarks on the speculations of Mr. Godwin, Mr. Condorcet and others writers; (Um ensaio sobre o princípio da população e seus efeitos no futuro desenvolvimento da sociedade, com contestação às especulações do senhor Godwin, senhor Condorcet e outros autores. (London: J. Johnson, 1798.)


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Aprecie, ainda:
O grave dano social cartesiano
O dano social darwiniano
Breve intróito sobre Engels & Marx
Mill e o hocus pocus* utilitarista
Um link epistemológico

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