quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

O grave dano social darwineano

Se me perguntarem qual é a minha convicção mais íntima o nome que será dado a este século, se será o 'século de ferro', 'do vapor' ouda 'eletricidade', responderei sem hesitar que será chamado o século da visão mecânica da natureza, o século de Darwin. Ludwig Boltzmann (1)
A analogia sobre a crise financeira serve para mostrar que as teorias de Darwin - agrupadas no que se convencionou chamar de "darwinismo" - foram mais longe ainda: extrapolaram os limites da biologia e colonizaram outras áreas da ciência, influenciando várias esferas do pensamento humano. Mais até do que uma analogia, a evolução por seleção natural é um elemento crucial da teoria econômica moderna, segundo o economista José Eli da Veiga. "A ideia é que qualquer sistema evolutivo obedece às leis do darwinismo. E a economia é certamente um sistema evolutivo", afirma Veiga, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.  Estadão, 8/2/2009.
Este "sistema evolutivo" propicia formidável atraso ao ser humano, reduzido e assumido primata.
Que é o macaco para o homem? Uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Pois é o mesmo que deve ser para o Super-homem: uma irrisão ou uma dolorosa vergonha. Percorreste o caminho que medeia do verme ao homem, e ainda em vós resta muito do verme. Noutro tempo fostes macaco, e hoje é ainda mais macaco do que todos os macacos. NIETZSCHE, Assim falou Zaratustra , 1961: 7):
AS CONSTATAÇÕES político-científicas, previamente colocados no fogo antagônico de Hegel, diante da escassez de recursos anunciada por David Ricardo, tendo a teoria da superpopulação alardeada por Malthus, bem como suas predições para salvar (?) a humanidade somados ao arsenal teórico justificante dos embates pela sobrevivência, de Darwin no âmbito biológico, e de Marx, no âmbito "social", compuseram generosa munição a todos os sentimentos bélicos, de Bismarck a Lênin, de Mussolini a Hitler.
Herbert Spencer (1820-1903) e Albert Schäffle (2) enriqueceram o comboio da insensatez. Principles of Sociology (1. vol, 1876) desenvolve um paralelo entre a organização e a evolução dos organismos vivos e das sociedades; Social Statics fora publicado nove anos antes da Origem das Espécies, e The Man versus State veio em 1884. Spencer mesclava a tradição racionalista dos economistas clássicos com a versão moderna da natureza - a evolução(3). Tal como Mill e Hegel, carreou ao liberalismo uma “inteligível confusão.” (4) O extraordinário professor polonês Ludwig von Gumplovicz, para completar, utilizou esses conceitos em Die Sociologische Staatsidee (1892). O próprio Estado seria um produto social desse tipo de evolução, aperfeiçoado pela competição e pela luta nos embates tribais, firmando a hegemonia dos mais aptos, prisma igualmente aferido por Schäffle. (5) Em The Growth of Biological Thought, o grande biólogo Ernst Mayr critica esse essencialismo platônico, germe do idealismo de sua Alemanha. Não interessava. As relações sociais passaram a ser observadas pela “tal” lei de sobrevivência, entendida “lei do mais forte”, ou se preferir, "mais adaptável":
Depois de ter sido incorporada por Charles Darwin como uma metáfora para ilustrar o mecanismo evolutivo das espécies biológicas, foi reincorporada por sociólogos como uma confirmação oferecida pela história natural dos processos que atravessam a história humana'. (6)
Os ameríndios, os polinésios e os aborígenes australianos, como descritos na etnografia, estariam em estágios anteriores de civilização. O diálogo dessas concepções com várias formas de darwinismo social deu continuidade à tendência ideológica da justificativa da conquista e da submissão dos chamados povos primitivos ao projeto civilizador europeu.
ALBERGARIA, DANILO, Entre o universal e o relativo, www.comciencia.br, 10/5/2009
R.Wallace denuncia e, com R.Young, demonstra a “curiosa” simultaneidade, para não dizer vício de origem do trabalho de Darwin. Críticam o aspecto “sociológico” oferecida pela armação:
Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus. (7)
O entendimento de que “da guerra da natureza, da fome, da morte, forma-se o mais nobre objeto que somos capazes de conceber: a produção de animais superiores” (8), o menos avisado pensaria ser discurso nazista; porém, assim não o é. Esta eloqüente frase foi proferida pelo parente símio, nosso Charles. Acima dos conflitos, além do “bem” e do “mal”, pois, a teoria darwineana incitou a presença decisiva e protetora do paladino despótico. Paul Johnson descreve-nos a "meritosa contribuição": “A noção de Darwin relativa a sobrevivência do mais adaptável foi elemento chave tanto para o conceito marxista da luta de classes quanto para as filosofias raciais que deram forma ao hitlerismo”. (9)
Robert Downs confirma: “Consciente ou inconscientemente o Mein Kampf, de Hitler, deve muito a Maquiavel, Darwin, Marx, Mahan, Mackinder e Freud.” (10)
Downs ainda esqueceu de Mussolini, mentor da hipócrita Carta del Lavoro, disseminada pela metade do globo; mais ainda, do grande precursor, o primeiro a adotar a cartilha darwinista. O Gen. Von Bernhardi (1849-1930- cit. CHALLITA, Mansour, Os Mais Belos Pensamentos de Todos os Tempos, 3. Vol.: 94), já embalado no comboio Ricardo-Malthus-Darwin-Nietzsche, assim justificou as ações bélicas de Bismarck: “A guerra é uma necessidade biológica de suma importância, o elemento regulador da vida da humanidade, a qual não a pode dispensar. Não é, contudo, apenas uma obrigação moral; e é, como tal, um fator indispensável da civilização”.

Em Os erros do socialismo - arrogância fatal, F. Hayek condena a corruptela levado à cabo pelos insanos: “O darwinismo social está errado, mas a intensa aversão que provoca hoje é também de vida em parte a seu conflito com a arrogância fatal de que o homem seria capaz de moldar o mundo ao seu redor de acordo com seus desejos”. (11)
Ken Wilber corrobora: “A teoria científica ortodoxa da evolução parece correta quanto ao 'quê' da evolução, mas é profundamente reducionista e/ou contraditória quanto ao 'como' (e porquê) da evolução.” (12)  "Nenhum dos dois pontos de partida de Darwin – a origem da vida e a origem da visão – foi explicado por sua teoria. Darwin nunca imaginou a complexidade estranhamente profunda que existe até nos pontos mais básicos da vida ."(SMITH, Andrew P., Mutiny on The Beagle; cit. LEMKOW, A.: 167)

A seguir a visão da evolução como uma crônica competição sangrenta entre indivíduos e as espécies, um desvirtuamento popular da noção de Darwin da 'sobrevivência dos mais aptos', dissolve-se diante de uma nova visão de cooperação contínua, forte interação e dependência mútua entre as formas de vida. A vida não conquistou o globo pelo combate, mas por um entrelaçamento. As formas de vida multiplicaram-se e tornaram-se complexas cooptando outras, e não apenas matando-as. (13)
É nisso que aqueles que se empenham em melhorar a sorte do homem podem fundar suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, em razão de sua constituição biológica, a aniquilar uns aos outros ou ficar a mercê de um destino cruel que eles mesmos se afligem. EINSTEIN, A., Escritos da maturidade: artigos sobre ciência, educação, relações sociais, racismo, ciências sociais e religião: 1
Quando você compreende a requintada coexistência de opostos, entra em alinhamento com o mundo da energia, o caldo quântico**, a substância imaterial, que é a fonte do mundo material. O mundo da energia é fluente, dinâmico, elástico, mutável, eterno movimento. Ao mesmo tempo é imutável, quieto, tranqüilo, silencioso, eterno repouso.
CHOPRA, Deepak
, As sete leis espirituais do sucesso: 23
A idéia cerne de Darwin, Lamarck e Malthus é furada. Que dirá seu transplante à sociologia:
Não é a adaptação bem sucedida a um dado ambiente que constitui o mais notável formador da vida, mas a teia de processos ecológicos em um sistema ambiental que forma os padrões psicológicos e comportamentais, os quais podem apoiar-se na genética. A evolução acontece não como resposta às exigências da sobrevivência, mas como um jogo criativo e necessidade cooperativa de um universo todo ele evolutivo. (14)

Continue:
O crepúsculo da hipótese darwinista
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Notas
1. Populare Schriften Essay 1, theorethical physics and philosophical problems, p. 15; cit. Coveney, P. e Highfield, R., p. 135. Boltzmann defendeu o mesmo ponto de vista na palestra sobre a Segunda Lei da Termodinâmica, proferida em 1886, num festival da Academia Austríaca de Ciências.
2. Spencer, Herbert e Schäffle, Albert, cits. Carvalho, E.M.M., p. 63.
3. Spencer, Herbert, cit. Schwartzenberg, R.-G., p. 143.
4. Spencer, Herbert, cit. Sabine, G., p. 699.
5. Schäffle, Albert, Bau und Leben des sozialen Körpers (1875-1878), cit. Miranda, P., p. 200.
6. Schwartz, J., p. 57.
7. Wallace, A.R. e Young, R., Sciences studies, 1971, p. 184; cit. Japiassú, H. 1978, p. 56.
8. Darwin, C., cit. Carvalho, E.M.M., p. 21.
9. Johnson, P., p. 4.
10. Downs, R. B., p. 8.
11. Hayek, F. A., p. 46/47.
12. Wilber, Ken, Up From Eden: A transpersonal view of human evolution, p. 304/305; cit. Lemkow, p. 178.
13. Sagan, D., cit. Dawkins, R., p. 288.
14. Lemkow, A. F., p. 183/185.

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