sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Além da esquerda e da direita

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-A MOROSIDADE das parcas comunicações outrora disponíveis - sinais e palavras diretas, mensagens por cavalos, camelos, trens e navios, também com fumaça e tambor - relegou o ser a viver sem saber para o quê, muito menos a serviço de quê, limitado à sobrevivência. Agora, mesmo com rádios, televisões, computadores, telefones, fax, telex, cds, tapes, livros, filmes, jornais, revistas, Internet, e-mails, correspondências, escolas de toda sorte, diversas e infinitas provas alcançadas na vida quotidiana, ainda assim tropeçamos em freqüentes barreiras, sutis relevos de tantas minas socadas. Estamos acostumados, desde a infância, a raciocinar sobre a idéia de um ambiente mecânico, puro e estéril, determinista e, por isto, consumado. Felizmente não precisa ser assim. O futuro é composto por cada ser, na unidade cósmica. Impossível determiná-lo, sequer conduzi-lo. Destino e horário o que tem é trem. Navegar é preciso, mas viver, não.

Nas ciências, em particular nas políticas, que a tudo envolve, é flagrante o fio-de-Ariadne:
Independentemente do que vier a ocorrer, direita e esquerda têm hoje uma vida autônoma com respeito à matriz em cujo interior foram originariamente desenvolvidas. Conquistaram o planeta. Tornaram-se categorias universais da política. Fazem parte das noções de base que informam genericamente o funcionamento das sociedades contemporâneas.
(Gauchet, M., Storia di una dicotomia. La destra e la sinistra, Milão: Anabasi, 1994, orig. La droite e la gauche, Paris: Gallimard, 1990; cit. Bobbio, 1995: 14/5 )
Vero. Ambas, de envergonhadas, se imiscuem travestidas, ora de neoliberal, ora de social. Tudo mentira, fantasia de pirata. Não adianta. Suas bases não são nem ideológicas. Ambas se apresentam calcadas num mecanicismo científico, flagrado obsoleto, cujo único alvo é o cofre. Não há como sobreviver. Não é só a Terra, nem os planetas, tampouco o Sol, que estão a girar. Nem o universo é estático, como pensavam os corifeus da bestialidade.
Longe de ridicularizar os aspectos irracionais do comunismo e do fascismo, devemos antes criticar estes credos políticos pela sua falta de conteúdo sensível e estético, pela pobreza de seu ritual e sobretudo pelo fato de que nenhum deles chegou a entender o papel que a poesia e a imaginação desempenham na vida da comunidade.
(Read, Herbert, O anarquismo e o impulso religioso, 1940, cit. Woodcock, 1971: 68)
A ciência (técnica) e o interesse político (ideológico) produziram os arquétipos coincidentes:
O que chamamos ‘democracia’ consiste tão somente numa enquete de opinião pública na qual se pede a uma amostra ‘causual’ que diga sim ou balance a cauda em resposta a um conjunto de alternativas pré-fabricadas, geralmente relacionadas aos fatos consumados dos governantes, que sempre podem dirigir as enquetes em seu próprio beneficio.
(Roszac: 29)
"A tendência natural das ideologias racionalistas é, desde esse momento, crer que o mundo é previsível, 'em princípio', em todos os seus aspectos e elas são hostis à idéia de 'criatividade' (no sentido bergsoniano). O determinismo é aliado natural do racionalismo. " (Kolakowski: 50)
Não são poucos os que reconhecem, até se penitenciam.
Sir James Lightill (cit. Coveney, e Highfield: 242) foi dos mais célebres:
Hoje em dia todos nós estamos profundamente cônscios de que o entusiasmo que nossos precursores tinham em relação aos feitos maravilhosos da mecânica newtoniana levou-os a fazer generalizações nesta área de previsibilidade, na qual de modo geral talvez tenhamos tendido a acreditar, antes de 1960, mas que hoje reconhecemos que era falsa. Queremos nos desculpar coletivamente por haver confundido o público instruído em geral, fazendo-os acreditar em idéias sobre o determinismo de sistemas que satisfazem as leis de movimento de Newton, as quais, a partir de 1960, foi provado serem incorretas.
A assertiva de Gauchet só porta sua própria vontade:
“A política dos blocos acabou. Não há mais nem direita nem esquerda na Suécia.” (Ingvar Carlsson, chefe dos social-democratas, cit. O Estado de São Paulo, 25 /9/1995., A13)
Alvin Toffler (Toffler, Previsões e premissas: 96) e Francis Fukuyama (Fukuyama, F., O fim da história e o último homem.) consideraram os efeitos iminentes daqueles feitos imprudentes, e definiram:
E o mesmo pode ser dito da maioria dos ‘direitistas’. Na verdade, quase todas as pessoas, não importando seus credos políticos, vêem o futuro como uma simples linha, reta, um prolongamento do presente. Acho que a eles está reservada uma grande surpresa. Chegamos ao fim de uma era - e nesse ponto todas as apostas são suspensas.
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A época moderna pode ser considerada como fim da história, se tomarmos ‘fim’ no sentido de ‘telos’ coletivo da humanidade. Cumprindo esse ‘telos’, não haveria outros fins universais e sim individuais ou particulares. Isso representaria a possibilidade da multiplicação indefinível dos fins.
Ainda que não faltem críticas, especialmente à Fukuyama, Japiassú (Um desafio à Filosofia : pensar-se nos dias de hoje: 10/11) os compreende, com facilidade:
Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação. Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade.

A falha de Einstein

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