terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Vilãsofia

"A ciência contém no seu método os germes que levaram as maiores aberrações como atividade social."
George H. Sabine

ROUSSEAU VIDROU em Locke (Contrato Social, preâmbulo).
Tentou desmoralizá-lo, a partir da concepção fundamental. O mecanizado espírito, repleto de preconceitos, empirismos e metas pessoais, diluído no maniqueísmo, lógica que não vacila relegar o indivíduo à esterilidade criativa, quando não danosa, este que se dizia enojado da humanidade é que agora se punha a decretar:
"O estado de natureza, o puro e verdadeiro estado de natureza, é, pois, o estado selvagem, no qual os homens foram criados e viveram durante milhares de anos. Implica o isolamento vagabundo, a ausência de toda a linguagem, de toda a relação regular, o sono da razão e o desconhecimento da moralidade. O homem no estado de natureza é robusto, são e ágil."
Este estado estúpido confundido como selvagem; esta natureza, vista, tal qual Bacon, indomável mas aproveitável; a descrença nos semelhantes, desprezo e desrespeito com o ser, o indivíduo, o cidadão, compõe a mesma aquarela que serviu à badalação de Hobbes e seus trancados. Não requeria a menor criatividade:
“Mas a admiração pelo legislador - por aquele que, ‘assumindo a iniciativa de fundar uma nação, deve sentir-se capaz de mudar a natureza humana’ chega até Rousseau.” (cit. Bobbio, 1992:56)
Segundo Schwartzenberg, (1978: 13) Rousseau acompanha de perto a Maquiavel ao “tolerar” o indivíduo quando extraordinário, mitológico, restrito às duas funções: “legislador”, para fundar o Estado e lhe fornecer suas leis e “ditador” para garantir sua sobrevivência. “Puro Platão, estendido à Maquiavel!" O homem "capaz de mudar a natureza humana" via no Secretário um “grande republicano obrigado pelos tempos a desdenhar seu amor pela liberdade. Fingia dar lições aos reis, mas educava des grandes aux peuples.”
Para Fillipo Burzio esta interpretação de Rousseau, em vez de justificar moralmente o maquiavelismo, na realidade projeta um “maquiavelismo ao quadrado: o autor do Príncipe não só daria conselhos sobre fraudes mas também com fraudes” (cit. Gramsci: 133), à desgraça daqueles que o seguiram!
No “Plano Para a Constituição da Córsega” Rousseau reivindica para o Estado o patrimônio da Nação, tributando à propriedade privada todo infortúnio, motivo pelo qual dever-se-ia extingui-la. (Evidentemente ele só não foi marxista-leninista porque não pode alcançar a realização do seu sonho, para todos pesadelo.)
A falsidade do argumento se espatifa no insólito: os ingleses haviam tomado e abandonado a Córsega por duas vezes: dava mais trabalho conservá-la do que dela obter valia. (Johnson, 2002: 14)
Por lá não havia propriedade, nem privada, nem pública; só impropriedades, mas Rousseau apostava que a ilhota “assombraria a Europa.” De fato, ela assombrou, não por sua constituição, nem pelo diminuto povo, mas por um filho dali fugitivo.
* * *
O arsenal de Rousseau resplandece no Discurso. No abre-alas já saltita a obssessão da “Vontade Geral”, embora não se saiba, com certeza, se foi ele ou Diderot quem cunhou a expressão; de qualquer modo, Rousseau dela se apropriou. Muitos perceberam a chicana implícita, nada mais do que uma manobra descrita em códigos penais:
"Jouvenel inspira-se na intuição de Tocqueville no sentido de que o movimento revolucionário democrático, ao derrubar o feudalismo e o absolutismo monárquico, gerara, sem o saber, um verdadeiro Frankstein: uma nova classe de democratas. Na verdade, nosso autor é, talvez, o primeiro analista moderno a usar essa expressão ‘Nova Classe Dirigente’ - aquilo que os russos chamam a Nomenklatura - a classe político-burocrática que, sustentada na retórica da Justiça Social e da Redistribuição, apodera-se do Estado para dele se locupletar. Ninguém melhor para julgar o fenômeno do que o próprio Trotsky que observava: ‘aquele a quem esta afeta a redistribuição jamais se esquecerá de si próprio.’ (Penna, O.M., prefácio de Jouvenel: 15)
Pois enquanto a Inglaterra partira, há séculos, (desde 1215) às soluções verdadeiramente democráticas; e quando os EUA proporcionavam ao mundo verdadeiras lições de cidadania e civilidade, graças à competência dos compatriotas Rousseau e Descartes, franceses e vizinhos, incluindo-se a Rússia e a África, Cuba, China, Alemanha, Itália, Brasil, Espanha, etc., etc, mergulharam no desespero e no desalento, prelúdio dos perversos domínios:
“Embora Rousseau nunca tenha previsto algo como revolução, muito do terrorismo jacobino revolucionário de 1793-1794 foi executado em seu nome.” (Merquior : 28)
Burke (p. 92) estava por perto. Testemunhou:
"Diferentemente de seus vizinhos do outro lado do Canal, os franceses foram privados - ou se privaram - de um conjunto básico de circunstâncias que são necessárias para a experiência da liberdade política, isto é, a cooperação e a participação nos assuntos públicos. Primeiramente as idéias dos filósofos, particularmente Rousseau, foram adotadas pelos líderes da Revolução e transmitidas as massas, na linguagem mais simples e sugestiva, com o propósito de criar apoio para suas políticas. Nesse estágio, o papel dos intelectuais era totalmente correlacionado com o dos políticos, cuja tarefa central era de mobilizar as massas, ou, em outras palavras, definir o papel das massas no contexto político em questão."
Resultado: aquele povo, participativo e aspirante democrata, não conheceu nem democracia, nem liberdade, muito menos igualdade e, menos ainda, fraternidade - exceto se encararmos “fraternidade”, o terrorismo, praticado durante e depois da Revolução:
"Vamos confrontar por um instante a história constitucional francesa, a partir da Revolução, com a inglesa durante o mesmo período, e a metáfora da máquina e do organismo parecerá muito clara: a história constitucional francesa é a história de sucessivas adaptações de máquinas sempre estragadas; a inglesa, pelo contrário, é o desenvolvimento normal de um organismo sempre saudável. Mas afastemos estes resquícios e perceberemos um poder central imenso que atraiu e engoliu em sua unidade todas as parcelas de autoridade e influência antes disseminadas numa porção de poderes secundários, de ordens, classes, profissões, famílias e indivíduos, por assim dizer espalhados pelo corpo social. Não se tinha visto no mundo um poder semelhante desde a queda do império romano." (Bobbio, N. : 59)

Nenhum comentário:

Postar um comentário