"A ciência contém no seu método os germes que levaram as maiores aberrações como atividade social."
George H. Sabine
ROUSSEAU VIDROU em Locke (Contrato Social, preâmbulo).
Tentou desmoralizá-lo, a partir da concepção fundamental. O mecanizado espírito, repleto de preconceitos, empirismos e metas pessoais, diluído no maniqueísmo, lógica que não vacila relegar o indivíduo à esterilidade criativa, quando não danosa, este que se dizia enojado da humanidade é que agora se punha a decretar:
"O estado de natureza, o puro e verdadeiro estado de natureza, é, pois, o estado selvagem, no qual os homens foram criados e viveram durante milhares de anos. Implica o isolamento vagabundo, a ausência de toda a linguagem, de toda a relação regular, o sono da razão e o desconhecimento da moralidade. O homem no estado de natureza é robusto, são e ágil."
Este estado estúpido confundido como selvagem; esta natureza, vista, tal qual Bacon, indomável mas aproveitável; a descrença nos semelhantes, desprezo e desrespeito com o ser, o indivíduo, o cidadão, compõe a mesma aquarela que serviu à badalação de Hobbes e seus trancados. Não requeria a menor criatividade:
“Mas a admiração pelo legislador - por aquele que, ‘assumindo a iniciativa de fundar uma nação, deve sentir-se capaz de mudar a natureza humana’ chega até Rousseau.” (cit. Bobbio, 1992:56)
Segundo Schwartzenberg, (1978: 13) Rousseau acompanha de perto a Maquiavel ao “tolerar” o indivíduo quando extraordinário, mitológico, restrito às duas funções: “legislador”, para fundar o Estado e lhe fornecer suas leis e “ditador” para garantir sua sobrevivência. “Puro Platão, estendido à Maquiavel!" O homem "capaz de mudar a natureza humana" via no Secretário um “grande republicano obrigado pelos tempos a desdenhar seu amor pela liberdade. Fingia dar lições aos reis, mas educava des grandes aux peuples.”
Para Fillipo Burzio esta interpretação de Rousseau, em vez de justificar moralmente o maquiavelismo, na realidade projeta um “maquiavelismo ao quadrado: o autor do Príncipe não só daria conselhos sobre fraudes mas também com fraudes” (cit. Gramsci: 133), à desgraça daqueles que o seguiram!
No “Plano Para a Constituição da Córsega” Rousseau reivindica para o Estado o patrimônio da Nação, tributando à propriedade privada todo infortúnio, motivo pelo qual dever-se-ia extingui-la. (Evidentemente ele só não foi marxista-leninista porque não pode alcançar a realização do seu sonho, para todos pesadelo.)
A falsidade do argumento se espatifa no insólito: os ingleses haviam tomado e abandonado a Córsega por duas vezes: dava mais trabalho conservá-la do que dela obter valia. (Johnson, 2002: 14)
Por lá não havia propriedade, nem privada, nem pública; só impropriedades, mas Rousseau apostava que a ilhota “assombraria a Europa.” De fato, ela assombrou, não por sua constituição, nem pelo diminuto povo, mas por um filho dali fugitivo.
* * *
O arsenal de Rousseau resplandece no Discurso. No abre-alas já saltita a obssessão da “Vontade Geral”, embora não se saiba, com certeza, se foi ele ou Diderot quem cunhou a expressão; de qualquer modo, Rousseau dela se apropriou. Muitos perceberam a chicana implícita, nada mais do que uma manobra descrita em códigos penais:
"Jouvenel inspira-se na intuição de Tocqueville no sentido de que o movimento revolucionário democrático, ao derrubar o feudalismo e o absolutismo monárquico, gerara, sem o saber, um verdadeiro Frankstein: uma nova classe de democratas. Na verdade, nosso autor é, talvez, o primeiro analista moderno a usar essa expressão ‘Nova Classe Dirigente’ - aquilo que os russos chamam a Nomenklatura - a classe político-burocrática que, sustentada na retórica da Justiça Social e da Redistribuição, apodera-se do Estado para dele se locupletar. Ninguém melhor para julgar o fenômeno do que o próprio Trotsky que observava: ‘aquele a quem esta afeta a redistribuição jamais se esquecerá de si próprio.’ (Penna, O.M., prefácio de Jouvenel: 15)
Pois enquanto a Inglaterra partira, há séculos, (desde 1215) às soluções verdadeiramente democráticas; e quando os EUA proporcionavam ao mundo verdadeiras lições de cidadania e civilidade, graças à competência dos compatriotas Rousseau e Descartes, franceses e vizinhos, incluindo-se a Rússia e a África, Cuba, China, Alemanha, Itália, Brasil, Espanha, etc., etc, mergulharam no desespero e no desalento, prelúdio dos perversos domínios:
“Embora Rousseau nunca tenha previsto algo como revolução, muito do terrorismo jacobino revolucionário de 1793-1794 foi executado em seu nome.” (Merquior : 28)
Burke (p. 92) estava por perto. Testemunhou:
"Diferentemente de seus vizinhos do outro lado do Canal, os franceses foram privados - ou se privaram - de um conjunto básico de circunstâncias que são necessárias para a experiência da liberdade política, isto é, a cooperação e a participação nos assuntos públicos. Primeiramente as idéias dos filósofos, particularmente Rousseau, foram adotadas pelos líderes da Revolução e transmitidas as massas, na linguagem mais simples e sugestiva, com o propósito de criar apoio para suas políticas. Nesse estágio, o papel dos intelectuais era totalmente correlacionado com o dos políticos, cuja tarefa central era de mobilizar as massas, ou, em outras palavras, definir o papel das massas no contexto político em questão."
Resultado: aquele povo, participativo e aspirante democrata, não conheceu nem democracia, nem liberdade, muito menos igualdade e, menos ainda, fraternidade - exceto se encararmos “fraternidade”, o terrorismo, praticado durante e depois da Revolução:
"Vamos confrontar por um instante a história constitucional francesa, a partir da Revolução, com a inglesa durante o mesmo período, e a metáfora da máquina e do organismo parecerá muito clara: a história constitucional francesa é a história de sucessivas adaptações de máquinas sempre estragadas; a inglesa, pelo contrário, é o desenvolvimento normal de um organismo sempre saudável. Mas afastemos estes resquícios e perceberemos um poder central imenso que atraiu e engoliu em sua unidade todas as parcelas de autoridade e influência antes disseminadas numa porção de poderes secundários, de ordens, classes, profissões, famílias e indivíduos, por assim dizer espalhados pelo corpo social. Não se tinha visto no mundo um poder semelhante desde a queda do império romano." (Bobbio, N. : 59)
terça-feira, 19 de fevereiro de 2008
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