quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

As atochadas de Darwin

Tome-se por exemplo Charles Darwin antes da publicação de The Origin of Species (A Origem das Espécies). Mesmo depois dessa publicação ele foi o que se poderia descrever como um "revolucionário relutante", para usarmos a bela descrição de Max Planck feita pelo Professor Pearce Williams; antes dela, Darwin não tinha nada de revolucionário. Nada se assemelha a uma atitude revolucionária consciente em sua descrição de The Voyage of the Beagle (A Viagem do Beagle). Mas ela está cheia de problemas; problemas autênticos, novos e fundamentais, e engenhosas conjeturas — conjeturas que competem freqüentemente umas com as outras — a respeito de possíveis soluções. POPPER, Karl, A CIÊNCIA NORMAL E SEUS PERIGOS
Haeckel percebia Darwin tal qual "der Kopernikus der organishen Welt”. (1) O Copérnico da ciência biológica, entretanto, apresentou falso marketing. O original foi um completo revolucionário; e sua teoria não se apoiava em prenúncios. Darwin, entretanto, foi copiador compulsivo, “contumaz colador”, como se diz no primário.*
O predecessor carrasco da natureza Bacon já sentenciara - a variedade dos indivíduos seria produto de obstáculos e desvios promovidos pela natureza. Darwin colheu o ensejo, e lascou: “Trabalhei sobre verdadeiros princípios baconianos e, sem nenhuma teoria, comecei a registrar dados em grandes quantidades.” (2)
A atenção, centrada em si próprio, só produzia autoelogios:“Quando vejo a lista dos livros de todo o gênero que li e resumi, inclusive coleções inteiras de Revistas e Atas, fico surpreso com a minha diligência.” (3)
Tal "diligência" era para "inglês ver." O conteúdo foi pigmentado de preconceitos, mormente aqueles oriundos das “ciências exatas”, que mal arrastava: “Um professor particular me explicou Euclides, e recordo claramente a intensa satisfação que me proporcionaram as claras demonstrações geométricas.” (4)-
Gazeteiro
Charles era cuidadoso colecionador de selos de lacre, timbres, conchas e minerais. Quanto aos estudos formais, não mostrava o mesmo pendor. Levado à Universidade de Edimburg em 1825 para fazer medicina, sua experiência fora um fracasso: “Achava monótonas as palestras e sentia repulsa em ver as operações feitas sem anestésicos.” (5)
A notável negligência estudantil foi apontada até por seu pai, Robert Darwin, para quem Charles era “a vergonha da família.” (6)
Voltado à ciência natural, Darwin não se detinha sequer em examinar a formação da Terra, muito menos alguma hipótese de evolução geológica, como se fosse possível ou mesmo desejável a dissociação. Da mínima referência não restava sequer pudor: “Incrivelmente sem graça, o único efeito que produziam em mim era a determinação de jamais ler um livro de geologia enquanto vivesse.” (7)
Tampouco agradava a Charles conhecer línguas estrangeiras. A julgar pela oração, nem a própria: “Durante toda minha vida tenho sido regularmente incapaz de dominar nenhum idioma.” (8)
Vida conjugal
Com relação ao sexo oposto, em que pese posterior tentativa de correção, foi claro:
“O casamento acarreta uma terrível perda de tempo!” (9)
O jornalista José Reis entende, e comenta:
A vida de Darwin, como se sabe, foi um contínuo sofrimento, excluído talvez o tempo que passou em sua excursão. Onze meses após o casamento e três dias antes do nascimento do primeiro filho, entrou em depressão, sem ânimo para trabalhar. A prematura morte da mãe aos cinco anos, fato que Darwin nunca lamentou e as más relações que ele tinha com o pai na infância e na juventude. (10)
Crueldades
Muitos historiadores qualificam Darwin como hipocondríaco, e citam doenças psicossomáticas advindas principalmente pelo uso excessivo de arsênico, durante toda a vida, para curar um mal de juventude. Algumas de suas práticas, como a caça indiscriminada, desmanche de ninhos e surrupio de ovos, na época eram perfeitamente aceitos; Darwin não receou mostrar esta outra faceta, pouco recomendável, de indisfarçável sadismo, incompatível com quem se arvora capaz de interpretar a natureza:
Era muito aficcionado em colecionar ovos, mas nunca colhia mais de um de cada ninho de pássaros, exceto em uma só ocasião em que os colhi todos, não por seu valor, mas por uma espécie de bravata. Uma vez, quando pequeno, na época da escola diurna, ou antes, atuei cruelmente: golpeei um cãozinho, creio que simplesmente por desfrutar a sensação de força. (11)
Será que ele não poderia ter tido essa torpe sensação simplesmente indo aos pés?
Antipoeta
Ainda na juventude, o forçudo Charles ingressou no sacerdócio, em Cambridge, mas voltou a não se empenhar, ao contrário: investiu contrariamente aos ditames católicos dos quais se aproximara. Diante dos desígneos mecanicistas que já haviam implodido dogmas eclesiásticos, adotou o refrão: “Darwin repetiu muitas vezes: seu objetivo era demolir a teoria das 'criações especiais', segundo a qual diversas espécies haviam sido criadas separadamente.” (12)
Para enriquecer seu intelecto, ou quiçá para torná-lo um pouco mais humilde, ofereceram-lhe Shakespeare, mas o marujo recusou: “Tentei ultimamente ler Shakespeare, mas achei tão intoleravelmente enfadonho que tive náuseas”. (13)-
Foi uma lástima, à ciência e à humanidade, que tanto ele como Newton não tivessem, em alguma noite enluarada, assimilado a mais popular frase de Shakespeare - “Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que pode conceber a nossa vã filosofia.”
Por peça dessa vã filosofia, um economista daquele reino, que também não gastara seu tempo com leituras eruditas, havia alarmado o povo usando mirabolantes mas escassos cálculos. Thomas Malthus assim demonstrava: as populações cresceriam geometricamente, enquanto a produção de alimentos poderia aumentar apenas aritmeticamente. Só restrições, como guerras, epidemias, etc, evitariam a extinção da humanidade pela fome.**
A formulação econômica de David Ricardo considerou o mesmo dilema, mas ressaltou que a equação valia apenas às limitações da Grã-Bretanha. Por Darwin, que tomou conhecimento do assunto, só “o mais apto”, doravante, poderia sobreviver: “Foi o Ensaio de Malthus que o eletrizou. Eis aí o mecanismo que procurava - a luta pela sobrevivência.” (14)
As palavras são do “profeta” do passado:“Enquanto pensava vagamente em como isto poderia afetar qualquer espécie, de repente me surgiu a idéia da sobrevivência dos mais aptos.” (15)
“Tive a imediata revelação que, em tais circunstâncias, as variáveis favoráveis tenderiam a conservar-se, e as desfavoráveis a ser destruídas! Resultaria daí a formação de uma nova espécie. Tinha eu encontrado afinal uma teoria com que trabalhar.” (16)
Colocando o fenômeno como único lógico, o empenhado convenceu-se de que os mecanismos de evolução seriam tão acessíveis e precisos quanto tinham sido as descobertas de Galileu, Kepler, Bacon, Descartes e Newton. Fazendo parcas contas, Darwin foi capaz de descarregar risíveis projeções: “Se todos os elefantes alcançassem a maturidade e se reproduzissem naturalmente, após um período de 740 a 750 anos, haveria cerca de dezenove milhões de elefantes vivos, descendentes do primeiro casal.” (17)
Darwin não possuia nem noção do que propunha; ou quiçá o soubesse muito bem:
“Todas as etapas e estruturas anatômicas que Darwin julgou tão simples implicam, na verdade, processos biológicos imensamente complicados que não podem ser disfarçados por retórica.” (18) -
Quadros negros em brancos mentais
À despeito das impropriedades, apresentava tamanha convicção que não titubeou em desenhar a horripilante transformação do urso preto:
Não consigo ver nenhuma dificuldade no fato de que uma raça de ursos, graças à seleção natural, se torne cada vez mais aquática em sua estrutura e hábitos, com uma goela cada vez maior, até que se produza uma criatura tão monstruosa como a baleia. (19)
Quanto às girafas, é bem possível que seu pescoço e suas longas pernas se expliquem pelo uso prolongado, mas que mecanismo poderia ter interferido? Qual o peso do hábito, per se? E porque as zebras ou os gnus, ou qualquer outro colega de habitat, não desenvolveram o mesmo membro? Ou, como fulmina Thuillier, “em termos mais explícitos, como acreditar que a seleção possa “perceber” e conservar inovações que, em seu “começo” só podem ser mínimas e pouco vantajosas para o organismo”? (20)
Na verdade há uma incidência enorme de informações, endógenas e exógenas, no ritmo das cordas cósmicas. Esta efetividade apenas se dá dentro da ética, não da dialética. Não há confronto, mas interação. Os DNAs tem ligação direta com os cérebros que lhes compuseram.  Mas isso é para outra ocasião. Voltemos ao raid.
Chegada no Brasil
A exploração empreendida por Darwin no Brasil, de 28 de fevereiro a 5 de julho de 1832, foi uma das experiências mais felizes de sua viagem. Após seu primeiro dia na Bahia, em 29 de fevereiro, registrou suas impressões da seguinte forma: "prazer em si só, porém, é um termo fraco para expressar os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, vagueia sozinho numa floresta brasileira." Charles Darwin, resumo, biografia, seleção natural e evolucionismo
Ocorre um detalhe: em Salvador, como de resto no nordeste inteiro não havia, como não há,  nenhuma floresta! O que Darwin apreciou foi o carnaval, o primeiro da Bahia.
Adaptações
Darwin e seus seguidores redirecionavam e adaptavam a teoria na medida das objeções, mesmo ardil aplicado por Newton, anteriormente, e por Freud subsequentemente:
Quando a seleção natural não funcionava, era só referir-se à ação direta das condições; quando esta não dava conta, ele podia ainda evocar o uso e o não-uso das partes; e assim por diante. Em outras palavras, a teoria darwiniana era irrefutável (ou quase irrefutável). (21)
Quanto a Darwin, ele se arranjou por meio de laboriosas ‘negociações’ teóricas, manipulando como podia as definições e os conceitos. O essencial é ver essas manobras como elas eram, em seu contexto, com seus lados bons e seus lados maus; e, depois disso, não procurar dissimulá-las com elogios superficiais ao 'gênio' darwineano'. (22)
Cabem, enfim, as questões adicionais:
Qual a relação exata entre a noção de 'luta pela vida' e a noção de 'seleção natural'? Ou, ainda: a 'persistência do mais apto' não constituirá um círculo vicioso? De fato, um indivíduo adaptado é um indivíduo que consegue sobreviver nas condições dadas. Mas, então, afirmar que 'os indivíduos adaptados sobrevivem' é o mesmo que proferir uma tautologia: 'os indivíduos que sobrevivem, sobrevivem'. Fórmula absolutamente irrefutável, mas de poder explicativo duvidoso. (23)
Stuart Kaffman, do Santa Fé Institute, vai ao fulcro: “Darwin e a evolução nos dominam, quaisquer que sejam as queixas dos cientistas criacionistas. Mas será correta essa tese? Melhor, ainda, será adequada? Acredito que não. Não é que Darwin tenha errado, mas sim, compreendido apenas parte da verdade.” (24)
Servindo-se da parcial verdade tomada de Wallace* e da preconceituosa teoria mecanicista, oportunistas intelectuais redirecionaram os trilhos, sutilmente, a seus particularismos: “Da Origem das Espécies apresenta uma modalidade de pensamento que, no fim das contas, estava destinada a transformar a lógica do conhecimento e, posteriormente, o tratamento da moral, da política e da religião.” (25)
As conseqüências do mau exemplo
Somos obrigados, contudo, a reconhecer: a doutrina dialético-evolucionista extrapolou seu campo de abrangência, tornando-se ainda maior do que a matriz da física exatamente por carregarem explicação às condutas humanas, com isso atingindo os cumes da Psicologia, Psicanálise, Sociologia, Economia, do Direito, da Ciência Política, da ética, do moral, enfim, tornadas oficinas de mitos científico-filosóficos por tratarem-se de premissas impossíveis de verificações; ou, como lembra Lucáks, “porque a natureza da CONSCIÊNCIA humana envolve vontade e escolha.” (26)

Veja:

O erro metodológico de Darwin

___________

* Constam inúmeras “suspeitas” quanto ao plágio a Alfred Russell Wallace.
“Para evitar que Alfred Russell Wallace tivesse a 'prioridade' que podia pretender, Darwin e seus amigos realizaram manobras que os historiadores nem sempre consideram muito 'honestas'. Além disso, parece que Darwin utilizou as idéias de certos autores (em particular de Blyth) sem reconhecer sua dívida. O debate permanece em aberto”. (Thuiller, p. 223)
Outros autores que estabeleceram fortes críticas: H.L. McKinney, A C. Brackman, L. Eiseley, J. Novicow, R. Hofstadter, R.C. Banniester, G.E. Simpson, J.A Rogers, J.E. Greene, L.L. Clark.
Ora em 2008 David Quammen, (O Canto do Dodô) coloca Wallace como pioneiro da Evolução.
)

** Malthus, Thomas Robert, An essay on the principle of population, as it affects the future improvement of society, with remarks on the speculations of Mr. Godwin, Mr. Condorcet and others writers; London J. Johnson, 1798. ( Um ensaio sobre o princípio da população e seus efeitos no futuro desenvolvimento da sociedade, com contestação às especulações do senhor Godwin, senhor Condorcet e outros autorers.)
Notas
1. Haeckel, cit. Miranda, P.,p. 188.
2. Idem, p. 40/41.
3. Darwin, C., Autobiografia, p. 7.
4. Darwin, C., idem, p. 12.
5. Darwin, C., cit. Ronan, C. A., Volume IV, p. 12.
6. Darwin, C. e Darwin, R., cit. Thuillier, P., p. 194.
7. Darwin, C., cit. Coveney, P. e Highfield, R., p. 221.
8. Darwin, C., Autobiografia, p. 11.
9. Darwin, C., cit. Thuillier, P. p. 199.
10. Darwin, C. cit. Reis, José, A doença de Darwin, especial para Folha de São Paulo, 2 /3/2000, caderno Mais!, p. 33.

11. Darwin, C., p. 8/9.
12. Darwin, C., cit. Thuillier, P., p. 191.
13. Darwin, C., cit. Challita, M., p. 156.
14. Malthus, T., Ensaio sobre o princípio da população.
15. Darwin, C., cit. Croft, L. The life and death of Charles Darwin, p. 65; Darwin, Charles, cit. Coveney, P. e Highfield, p. 222. Darwin, C.; Malthus T., cits. Carvalho, E. M., p. 34.
16. Idem, ibidem.
17. Idem, p. 35.
18. Behe, M., P. 31.
19. Darwin, C., cit. Downs, R. B., p. 200.
20. Darwin, C., cit. Thuillier, P., p. 210.
21. idem, p. 214.
22. Idem, p. 216.
23. Idem, p. 196.
24. Darwin, C.; Kauffman, S.; cits. Behe, M., p. 38.
25. Dewey, John, The influence of Darwin on Philosophy, 1910; cit. Rohmann, C., p. 149.
26. Lucáks, Georges (1885-1971) cit. idem, p. 251.

Um comentário:

  1. Caro AllMirante,

    Interessante este pensamento. Uma postura bastante crítica do pensamento Darwinista. Isso é uma contraposição ao pensamento do Clemente Nobrega de variação-seleção-retenção ("Somos obrigados, contudo, a reconhecer: a doutrina dialético-evolucionista extrapolou seu campo de abrangência (...)").

    Um ponto a salientar é que para se tar a alta variabilidade de espécies que altualmente existe (e que já existiram) seria necessário um mecanismo de "variação" ("evolução") muito intenso (acho também que tenha como calculá-lo em função do tempo, contanto com as grandes catástrofes que causaram extinções em massa) e não é o que pode ser visto habitualmente (uma forma de contornar este "viés" [de enxergar somente o médio, não o muito pequeno e nem o muito grande] é utilizar a matemática e ver se é realmente possível). Se a vida por si só não tiver mecanismos de evolução que se adeqüem, cai a Teoria, se não, não!

    Sem mais e admirando a sua postura crítica,
    Abraços do TriPulante De' Carli

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