quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Teoria da Relatividade & Economia Socializante


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Abandonar a busca da realidade e do valor absoluto e imutável pode parecer um sacrifício. Mas esta renúncia é a condição requerida para se empenhar numa vocação mais vital - a procura dos valores que podem ser assegurados e compartilhados por todos, porque estão vinculados aos fundamentos da vida social. É uma busca em que a filosofia não encontrará rivais mas sim colaboradores em todos os homens de boa vontade. JOHN DEWEY
.A liberdade é uma necessidade fundamental para o desenvolvimento dos verdadeiros valores. ALBERT EINSTEIN
DESDE as priscas eras espartanas sóem aparecer mosqueteiros empunhando a tocha do coletivismo. É a maior atochada. Ela ilumina apenas o exibicionista.. O socialismo só pode vingar com a participação, por isso a responsabilização de cada ser componente do tecido social.
Todo homem possui sua finalidade particular, de modo que mil direções correm, umas ao lado das outras, em linhas curvas e retas; elas se entrecruzam, se favorecem ou se entravam, avançam ou recuam e assumem desse modo, umas com relação às outras, o caráter do acaso, tornando assim impossível, abstração feita das influências dos fenômenos da natureza, a demonstração de uma finalidade decisiva que abrangeria nos acontecimentos a humanidade inteira. NIETZSCHE, F., Da utilidade e do inconveniente da História para a vida: 74
Vale apreciar a antecipação do aristocrata TOCQUEVILLE (Oeuvres, I . Org.. André Jardin; colaboração de F. Mélonio e L. Queffélec. Paris: Gallimard. Pléiade, 1991):
Assim, pois, não é a pobreza a que torna o agricultor imprevidente e desorganizado. (...), (mas) a ausência total de qualquer propriedade, a dependência absoluta do azar. Considero que entre os meios de dar aos homens os sentimentos da ordem, da atividade e da economia, não conheço um mais poderoso que o de lhes facilitar o acesso à propriedade fundiária (...). O meio mais eficaz de prevenir a pobreza nas classes agrícolas é, pois, com certeza, a divisão da propriedade fundiária. Essa divisão existe entre nós, na França, e não devemos temer, pois, que se instalem, aqui, grandes e permanentes misérias. Mas pode-se ainda melhorar muito o conforto dessas classes e tornar os males individuais menos cruéis e mais raros. É dever do governo e das gentes de bem trabalhar para que isso aconteça. A meu modo de ver, o problema a ser resolvido é este: como encontrar um meio de dar ao operário industrial, bem como ao pequeno agricultor, o espírito e os hábitos da propriedade. Dois meios principais apresentam-se: o primeiro e o que a primeira vista parece mais eficaz, consistiria em dar ao operário um interesse na sua fábrica. Isso produziria, nas classes industriais, efeitos semelhantes aos que enseja a divisão da propriedade fundiária na classe agrícola.
Assim como é o átomo que forma a molécula, é o indivíduo que dispõe a sociedade. Tal qual encerra o excepcional francês, a articulação faz-se per se: 
Onde quer que vejamos vida, de bactérias a ecossistemas de grande escala, observamos redes com componentes que interagem uns com os outros de maneira tal que toda a rede regula e organiza a si mesma.  CAPRA, F. 1996: 176
Se por ética, interesse, justiça, eficácia ou ventura ainda desejamos algum socialismo, mister ele vir por free-way.
O caminho da floresta
O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral. GLEISER, M.: 164.
"O que impulsionou o autor de O Capital a decretar ‘uma verdadeira capitulação da liberdade face à necessidade foi a ambição de erguer a sua ‘ciência’ ao nível da ciência natural, cuja categoria fundamental era ainda a necessidade." (ARENDT, A., On Revolution, 1963, cit. GIORELLO: 243)
BERTRAND RUSSELL (cit. FADIMAN, C.: 266) condena a possibilidade, tantas vezes tornada realidade:

Surge um grave perigo quando esse hábito de manipulação com base em leis matemáticas é estendido ao nosso trato com seres humanos, uma vez que estes, diferentemente do cabo telefônico, são suscetíveis de felicidade e infortúnio, de desejo e aversão. Seria, portanto, lamentável que se permitisse que hábitos mentais apropriados e corretos para o trato com mecanismos materiais dominassem os esforços do administrador no plano da construção social.
Se lograsse alcançar a ciência natural, o marxismo despencaria de imediato:
A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte. PRIGOGINE, I., cit. FERGUNSON, M.: 164
"Um universo físico requer diversidade. A matéria não pode se formar sem diferenças." (SHELTON: 170)"Aplicado aos outros domínios da vida em sociedade, o formalismo igualitário das regras coexiste mal com a exatidão das diferenças naturais." (GUÉHENNO: 37)
“Aparentemente a desigualdade – não a igualdade – é uma condição natural da humanidade.” (DAHL: 77)
"A idéia de igualdade é contrariada por diversidades de dois tipos distintos: 1) a heterogeneidade básica dos seres humanos e 2) a multiplicidade de variáveis em cujos termos a igualdade pode ser julgada." (Prêmio Nobel de Economia AMARTYA SEN, 2001: 29)
Não há igualdade entre os homens, tampouco nos reinos animal, vegetal, e até no mineral. Se a procurarmos na teia cósmica, sequer nos anéis de Saturno. Não existe igualdade na natureza, nem entre os átomos que a compõem. O EspaçoTempo de cada partícula diverge da vizinha, seja por variações das órbitas dos elétrons pelos saltos quânticos, seja por deformar o espaço à sua volta pela simples passagem, ou por que o Universo, desde o Big-Bang, se expande, tornando-nos, ainda, peculiarmente complexos, originais, evolutivos, por tudo mutantes: “Uma das conseqüências da ‘diversidade humana’ é que a igualdade num espaço tende a andar, de fato, junto com a desigualdade noutro." (SEN: 51) Malgrado ainda campear certa ignorância espraiada, não há escapatória. A microequação E=MC2 simplesmente arrasa o mico marxista, e muito mais: posto a matéria intrínseca ser energia, porque atômica, o materialismo não possui, sequer, objeto: "O núcleo do novo paradigma é o reconhecimento de que a ciência moderna confirma uma idéia antiga - a idéia de que consciência, e não matéria, é o substrato de tudo que existe." (GOSWAMI, Amit )
O ultrapositivista PONTES DE MIRANDA (cit. MOREIRA: 103) superou os próprios preconceitos, e conclamou:
O princípio da relatividade deve ser mais geral ainda - devemos procurar a diferença de tempo nas realizações biológicas e sociais, - o tempo local das espécies e dos grupos humanos. Isto nos poderá explicar muitos fenômenos que resistem às explicações atuais. Mas para conseguir tais fórmulas muito terá que lutar o espírito humano contra os preconceitos que o rodeiam e contra as obscuridades da matéria que irá estudar.
Quase século se passou para haver o reconhecimento: "Como o valor do trabalho depende cada vez mais do conhecimento, não podemos mais vender ou padronizar o tempo de trabalho como se ele fosse igual para todos."(TOFFLER, A.: 86)
Socialismo Neoliberal
ACEITARIAM Dewey, Quesnay, Smith e Locke o timbre socialista? A resposta é afirmativa, e não somos os primeiros a levantar a (para muitos) bizarra hipótese: “Por exemplo, os defensores de filosofias de livre mercado eram vistos no século XIX como na esquerda, mas hoje são normalmente situados na direita." (Bobbio, 1997: 197)
Adam Smith só não se qualificou como anticapitalista porque o século XVIII venerava apenas o capital. Sua posição a respeito da ideologia e da prática capitalista, entretanto, era marcada por boa dose de ceticismo. Smith e Von Humbolt se relacionavam com a tradição socialista-anarquista - a crítica libertária de esquerda ao capitalismo. Tudo isso foi pervertido de forma grosseira, ou simplesmente esquecido, na vida intelectual moderna; no entanto, penso que todas essas idéias derivam diretamente do liberalismo clássico do século XVIII. SEN, 2000: 19
O agraciado Nobel 1998 não cansa de anunciar: "Eu acho que o Adam Smith é um economista de esquerda; os líderes da Revolução Francesa eram grandes discípulos de Adam Smith." (Entrevista a O Estado de São Paulo, 23/7/2000,: B9)
Giddens (2000: 48) endossa: "Precisamos começar observando que Smith era profundamente cético quanto aos princípios dos ricos - nenhum autor (nem mesmo Karl Marx) criticou com tanta veemência as motivações dos economicamente privilegiados contra os interesses dos pobres."
Rosseli (p. 128) concordava com o aparente paradoxo:
O socialismo nada mais é do que o desdobramento lógico do princípio de liberdade, levado às suas conseqüências extremas. Compreendido na acepção mais substancial, e julgado pelos resultados, o socialismo - movimento de emancipação concreta do proletariado - é o liberalismo em ação, a liberdade que se apresenta aos pobres.
Pelo fato de contemplar o cidadão, não o absolutismo; pelo fato da incidência da Mão Invisível, que nada mais é do que uma espécie de ação gravitacional; pelo fato de premiar a ação individual como mais forte do que a soma das partes, com isso a encarando de modo atômico, o liberalismo, enfim, nada mais foi do que a aplicação da Teoria da Relatividade, e até da teoria quântica, no âmbito das ciências humanas, há séculos antes dela ser provada no reino daquelas ainda chamadas exatas. “Sem homens livres não há possibilidade de um Estado livre.” (ROSSELLI: 149)
Esquerdistas de vanguarda, finalmente, recebem a luz do novo milênio, por sinal a mesma de 1689:
Ao destacar os limites de um liberalismo que tangencia, mas nunca incorpora devidamente, o socialismo, Perry Anderson deposita suas esperanças em um marxismo renovado, capaz de aprofundar, em seu projeto de socialismo, os valores e as instituições da democracia liberal. (Afinidades seletivas; Seleção e apresentação, Emir Sader; tradução, Paulo Cesar Castanheira. - São Paulo : Boitempo, 2002; cit. Musse, Ricardo, Um marxismo renovado; Folha de São Paulo. 9/11/2002.)
Hoje o que vemos nos países com desenvolvimento mais acelerado, como vários asiáticos, é o trickledown, e a bootstrap, fenômeno provocado por Reagan e Tatcher. Como almejava Marx, é pelo esteio liberal que se alcança o meio social:
A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir- se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios. RUSSELL, B.: 24-
Liberalismo marxista 
O próprio Marx se iniciou liberal. Russel (2001: 312) informa: “O marxismo também deve seu sabor científico à influência de Locke.” Quando Locke e Smith admitem que, ao fixar o preço da mercadoria, o mercado considera o valor da mão de obra empenhada, e não o tempo gasto para compô-la, não mostram preocupação mais socialista do que os totalitaristas que do termo se apropriaram? A comparação pode ser considerada abusiva, ou fora de propósito? Vejamos, então, o lado maniqueísta, mesmo que não conclua a ligação direta:
Marx percebeu isso muito bem. Se ele vivesse hoje, entenderia que o que derrotou o marxismo ideologicamente foi a possibilidade de o trabalhador realmente participar do seu trabalho, coisa que ele, Marx, não achava possível. Se ainda existe algum marxista é porque ele não entende que a era da complexidade superou a lógica marxista. Nobrega,1996:338/9

A possibilidade da participação de todos fora levantada cento e cinqüenta anos antes de Marx, sem necessitar nenhuma morte. Morador da mesma Inglaterra, o judeu-alemão bem poderia tê-la entendido. Preferiu o caminho da fama, na louca obssessão. Parafraseando Kepler e percorrendo a picada de Descartes, Hobbes, Newton, Rousseau, Comte, Hegel e Darwin, Karl transplantou-os a seu tempo e lugar, já no prefácio de O Capital: “O alvo final desta obra é expor claramente a lei do movimento na sociedade moderna.”
As provas trazidas pela Seleção Natural emprestavam credibilidade à elucubração, embora nem mesmo o criador entendesse, e até advertisse: sua tese “nada tinha a ver com Economia.” (E muito menos com o Direito.) O secundino da Triste Figura se encarregou de elucidar: “Assim como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, do mesmo modo Marx descobriu a lei da evolução na história humana.” (Engels, A sagrada família: 126; cit. Bobbio, 1987: 38)
Nessa “evolução” não há espaço para a menor complementariedade, ou remanescente ato criativo; apenas luta incessante. Trata-se, pois, da mais completa alienação, desprovida do menor sentido.
Embora Marx tivesse aberto as obras de Smith & Locke, não soube acatá-las. A de Einstein, obviamente, não conheceu, mas seus correligionários tiveram a preciosa oportunidade. Apreciaram-na muito mal. Assim noticiou o
Pravda (cit. Pais, 1997: 272):
O Sr. Zhandov denunciou como os maiores exemplos de tendências reacionárias burguesas na ciência os físicos Albert Einstein e Niels Bohr, e o falecido astrônomo britânico Sir Arthur Eddington. Ele disse que os cientistas soviéticos que haviam aceitado suas idéias e que as circulavam dentro da Rússia eram culpados por permitir que violentos inimigos do marxismo circulassem suas opiniões pela sociedade soviética.
O ápice platônico iniciava o longo declínio:
Na União Soviética, do tempo de Lenine, se fez grande silêncio sobre a teoria de Einstein, porque os pontífices do Governo haviam declarado que o átomo não podia ser dividido, por ser a base da matéria, e sem matéria não haveria materialismo, um dos pilares do comunismo. JOHNSON, 1990: 381
“Moscou, o quartel-general do ateísmo, viu na Teoria da Relatividade incompatibilidade entre ela e o materialismo soviético fundamentado no marxismo.” (Rohden, H., Einstein, O enigma do Universo: 56)

A Teoria da Relatividade foi condenada, não porque (como na Alemanha Nazista) Einstein fosse judeu, mas por razões igualmente irrelevantes: Marx havia dito que o Universo era infinito e Einstein havia tirado certas idéias de Mach, este igualmente proscrito por Lenin. Por trás de tudo estava a desconfiança de Stálin de qualquer idéia remota associada a valores burgueses. Ele estava levando adiante aquilo que os comunistas chineses mais tarde chamariam de Revolução Cultural - uma tentativa de mudar, por decreto e uso da polícia, as atitudes humanas fundamentais em relação a uma gama de conhecimentos. RUSSELL, B., As consequências filosóficas da Relatividade; cit. Fadiman: 265
Einstein chegou a confessar a predileção socialista, compatível com seu método de trabalho, seu desdém pelo dinheiro, e a camaradagem, a interatividade com seus pares. O nazismo se mostrava ainda mais devastador e o liberalismo jazia inerte desde o século anterior. Todavia, sua obra, por ampla, aberta, sem preconceito e compartilhada, era exatamente contrária ao “hermético socialismo” da Nomenklatura. Ele colheu o ensejo: "É claro que ninguém fora da Rússia considera Lênin e Engels pensadores científicos. O mesmo talvez aconteça na Rússia, só que ninguém tem coragem de dizer." (Einstein, A. Carta para K.R.Leistner, de 8 de setembro de 1932 ; Arquivo Einstein; Calaprice: 89)
A relatividade demolia o cientismo materialista, e isto jamais poderia ser ensinado na Cortina de Ferro, pelas óbvias razões:
"A asserção de que o marxismo-leninismo, ideologia basilar da União Soviética, tinha alguma coisa a ver com a verdadeira ciência foi um puro artifício retórico, um dos maiores logros deste século, embora propaganda deste tipo fosse ensinada a todas as crianças dos países comunistas. DESCAMPS: 139
Einstein condenava, explícitamente, as pretensões marxistas e fascistas:  “Todos devemos montar guarda contra tiranias de esquerda e direita.” (LEVENSON: 363/4)  Se E=Mc², o materialismo não tem, sequer objeto.

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