sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Newton e o paradigma* da fatalidade

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Newton, perdoa-me; descobriste o único caminho que na tua época era possível para um homem com os mais elevados padrões de pensamento e criatividade. Os conceitos que criaste guiam ainda hoje o nosso pensamento em física. Sabemos, no entanto, que tem de ser substituído por outros, mais afastados da esfera da experiência imediata, se aspiramos a uma compreensão mais profunda das relações. Albert Einstein-
O ONIRISMO PLATÔNICO varou o canal surfando no axioma de Copérnico:
E no meio repousa o Sol. Com efeito, quem poderia no templo esplêndido colocar essa luminária num melhor lugar do que aquele donde pode iluminar tudo ao mesmo tempo? Em verdade, não foi impropriamente que alguns lhe chamaram a pupila do mundo, outros o Espírito, outros ainda o seu reitor.
Châtelet: 49
Um dos atentos acadêmicos da afamada Cambridge aprimorou a quilha de encalço a tal Espírito. "Apoiado no ombro dos gigantes" (1) entre os quais o carrasco da natureza Francis Bacon, e o esquartejador Descartes, o “incomparável Newton” (2) catapultou o cientificismo em voga. A mecânica prometia um poder de previsão vastíssimo, todas as informações possíveis sobre o passado e o futuro do Universo.
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O primeiro chôro de Isaac ocorreu em Woolsthorpe, 25 de dezembro de 1642, ano da morte de Galileu. A vida nos campos lhe rendeu longa jornada. Seu último suspiro foi em 1727.
No ambiente rural-puritano do Condado de Lincoln, o juvenil Newton presenciava de longe as dramáticas lutas, desmandos e crueldades da república ditatorial de Cromwell. Guindado à neoplatônica Cambridge (Anes:54), aplicou a sintética, coerente, convincente e brilhante lógica capaz de carrear- lhe fama e conseqüente status, além de fortificar a ciência.
Muitos historiadores dão conta de uma personalidade voltada à alquimia, mas esta tradição, absolutamente, não pode ser impingida ao notável pragmático. Aliás, houve quem lhe outorgasse o título de “soprador”, ou um “queimador de carvão”, como o depreciavam alquimistas, eis que a exclusiva preocupação de Isaac voltava-se a resultados materiais, especialmente a propalada busca pelo ouro. (idem: 56) Hypoteses non fingo,(3) oração que per se o exclui do rol, retumbou solene, contaminando todas gerações:
"Tudo que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese; e as hipóteses, sejam as metafísicas ou físicas, digam respeito às qualidades ocultas ou às mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental.”
Koyré detona:
"Mas a suposição da existência nos corpos de uma certa força que lhes permita atuar sobre outros corpos e atraí-los não é uma hipótese. Não é sequer uma hipótese que faça uso de qualidades ocultas. É um absurdo puro e simples."
Embora negasse, Newton chegou estribado naquela mesma filosofia metafísica, à pressuposição exclusivista:

Para construir esse sistema com todos seus movimentos, foi necessário uma Causa que compreendeu e comparou as quantidades de matéria dos vários corpos diferentes; essa causa não pode ser uma simples conseqüência cega do acaso, mas sim uma especialista em mecânica e geometria.
Essaa ‘prisca sapiência’ – uma revelação primordial e secreta – era um tema de que Newton estava profundamente convencido; para ele, Deus teria, no começo da história, comunicado a alguns privilegiados os segredos da filosofia natural e da religião, conhecimento que teria se perdido e que importaria reencontrar.
O Grande Arquiteto do Universo montara tudo em menos de uma semana, para entregar a grande obra ao inquilino Adão. Cumprida tarefa, foi descansar.
Newton, como os gigantes, pressupôs que todo o sistema seria originário do impulso inicial deste Alguém que tendo elaborado ponto a ponto o colossal relógio, apenas necessitasse lhe dar corda. Agora Ele assistia o caminhar da espécie criada à sua imagem e semelhança. O mundo funcionaria de modo automático. O pensamento exato levaria à Lei perfeita, a verdade buscada por todos. Este é o exemplo mais clássico, evoluído desde Bacon - a previsão do tempo discorrendo num eterno linear, em tique-taque.
Para montar tamanho relógio, atividade delicada e trabalhosa, a engenharia divina montara tudo à semelhança. A roda do cronômetro, suas coroas e pinhões parecem imitar as órbitas celestes ou o movimento contínuo e ordenado do pulso dos animais.
A idéia coisificada, a “coisificação” entusiasmava teólogos no cúmulo do arranjo. William Paley, em 1802, jurava que o Arquiteto, por perfeição e lógica, era o mais preciso relojoeiro. Dada a corda para mover o grande projeto, contudo, não teria mais porque o Relojoeiro atuar. Era a chance que Ele dava ao homem sob dois ângulos, pelo menos: descobrir, com o suor de seu rosto, no trabalho, no estudo, pela matemática, o que Ele queria. Cumprir. Em troca, a natureza trabalharia para seu deleite e dominação.
Nosso habitat não se apresenta, todavia, desse modo tão rudimentar, simplório, ingênuo:

Chegamos a uma situação que envolve uma imagem diferente da natureza e, portanto, também da ciência. Não acreditamos mais na imagem do mundo como uma imensa peça de relojoaria. Chegamos ao fim das certezas. Estava implícita na visão clássica da natureza a idéia de que, sob condições bem definidas, um sistema seguiria um curso único e de que uma pequena mudança nos parâmetros produziria igualmente uma pequena mudança nos resultados. Hoje sabemos que isso só é verdade no caso de situações simplificadas e idealizadas.
Mayor: 12
O TriPulante Prigogine concorda:
A natureza não tem um nível simples. Quanto mais tentamos nos aprofundar, maior a complexidade com que nos defrontamos. Nesse universo rico e criativo, as supostas leis de estrita casualidade são quase caricaturas da verdadeira natureza da mudança. Há uma forma mais sutil de realidade, uma forma que envolve leis e jogos, tempo e eternidade. Em lugar da clássica descrição do mundo como um autômato, retornamos ao antigo paradigma grego do mundo como uma obra de arte.
A natureza  agradadece. No fito de evitar reincidências, não convém acelerar a retirada do entulho cientístico?
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* Do grego paradeigma; significa “modêlo” ou “padrão”; Thomas Kuhn (1922-1996) o resgatou, no fim dos anos sessenta, em The structure of scientific revolutions.Conforme Capra, trata-se de "uma constelação de realizações - concepções, valores, técnicas, etc. - compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por essa comunidade para definir problemas e soluções."
Pelo reintrodutor:
“Considero paradigmas as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.” (Kuhn, T.: 13)
1- Cit. Pais, Sutil é o Senhor.
2 -Célebre oração de Newton: "Se fui tão longe foi porque estava apoiado no ombro de gigantes." Arthur Koestler analisa os “gigantes”: primeiro, Johannes Kepler: "uma mente para a qual toda a realidade última, a essência da religião, da verdade e da beleza estava contida na linguagem dos números." Depois, Galileu Galilei e René Descartes: "prometeu reconstruir o universo inteiro a partir apenas de matéria e extensão e que inventou a mais bela ferramenta de raciocínio matemático, a geometria analítica". (The Sleepwalkers)
3- Como John Locke o chamava.
4. Cébre oração de Newton: "Não invento hipóteses."

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