terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

O preparo do Reich

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A Grã-Bretanha usufruia de seu peculiar regime aristocrata-liberal,
e a França se livrou do barbarismo para experimentar
o laissez-faire.
Os vizinhos, contudo, preferiram a estratégia abandonada:

Quando a Prússia e os outros estados germânicos ingressaram no
século XIX, encontraram a onda de nacionalismo e as demandas por participação popular estimuladas pela Revolução Francesa. (1)
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AS POSTURAS anti-nacionalistas e pacífistas dos notáveis Kant e Goethe não redimiam a confusa realidade, efervescente desde o Renascimento. A recente invasão exigia reação, só viável em alinhamento nacionalista-belicista. Antes, o respaldo legalista:
“O movimento ideológico tem, enfim, uma importância notável junto aos juspositivistas alemães da segunda metade do século transcorrido, que sofreram a influência hegeliana do Estado” (2)
Abundavam justificativas:
A convicção de que a Alemanha esteve até agora enferma de muitas moléstias graves, de que pode e deve melhorar, é universal. O precedente domínio francês muito contribuiu para isso. Ninguém que queira ser imparcial pode negar que as instituições francesas estão encerradas muitas coisas boas e que o Código e as discussões e os discursos a respeito dele, assim como o código prussiano e o austríaco, trouxeram para nossa filosofia mais vitalidade e arte civilista que as acaloradas discussões dos nossos tratados sobre direito natural. (3)
A frenética busca por justiça, entendida como resposta à injustiça, foi o ícone que juntou os bosches:
“O organicismo ético e idealista cultivou-o a escola histórica, sobretudo a concepção de Savigny acerca do espírito popular - o Volksgeist - tomado como fonte histórica, costumeira, tradicional, geradora de regras e valores sociais e jurídicos” (4)
As pacíficas e liberais fundamentações político-jurídicas eram neutralizadas pelos projetos positiva e paulatinamente combinados, advindos da prestigiada escola, fonte torrencial de inspiração a Herder, Fichte, Hegel, Schelling, Ihering, Kelsen, ele, Karl Savigny, Thibaut, Dilthey, Wundt, Gobineau, Engels, Marx, Freud, mesmo o dissidente Jung, Max Weber, Franz Oppenheimer, Friederich Wieser e Carl Schmitt.
Russell traz as fichas:
Shelling (1775-1854), assim como Hegel e o poeta romântico Hölderlin, era de origem suábia e os três se tornaram amigos quando Schelling entrou para a Universidade de Tübingen, aos quinze anos. Kant e Fichte foram as principais influências filosóficas que absorveu.Tanto em Fichte como em Schelling, encontramos formas que Hegel mais tarde utilizou como método dialético. Com Hegel, a filosofia idealista alemã recebeu a sua forma final e sistemática. (5)
O resultado não poderia ser mais nefasto:
“A filosofia do direito de Hegel foi capaz de funcionar como apologia do Estado prussiano. ‘Assim como não se passeia impunemente por entre palmeiras tampouco se vive impunemente em Berlim,’ diz Karl Rosenkranz.” (6)
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Ela, como sempre
Os germânicos até conheceram a centelha de Leibniz e sua doutrina dos nômades - todas as substâncias possuiriam mesma natureza - mas Newton o derrotara em todos os campos, por todos os séculos:
“No decorrer do século XIX, a orientação mecanicista tomou raízes mais profundas - na física, química, biologia, psicologia e nas ciências sociais.” (7)
O raciocínio quantitativo tornou-se sinônimo de ciência, e com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política, histórica, social e até moral. (8)
A novel e vistosa Psicologia almejava obter a carteira de identidade da comunidade científica. O rigorismo quantificado passou a ter a única importância à aferição da inteligência. A geometria analítica poderia traduzir as operações de pensamento. E as ciências humanas, agora “mentais”, ficavam mais uma vez privadas de seu sujeito e de seu objeto. Em nome do racionalismo, apelos simétricos.
Explica-nos Japiassu, em trecho que corresponde ao mote de sua obra:
A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à inteligência matemática. (9)
De biológica por necessidade, a psicologia virou “política positivista-sociológica”:
“A influência de Comte no desenvolvimento posterior da psicologia é indiscutível. Ela se revela na própria obra de Wundt, obviamente enfatizado aqui o caráter científico da psicologia.” (10)
Bobbio levanta as coincidências:
Minha opinião é a seguinte: com respeito à exigência, o jusnaturalismo não pode renascer, pela simples razão de que nunca morreu; no que concerne à teoria propriamente dita, temo que tenha morrido no fim do século XVIII, quando todas as novas correntes filosófica – o utilitarismo na Inglaterra, o positivismo na França, o historicismo na Alemanha – convergiram, sem o saber, na crítica ao direito natural. (11)
O Direito passou envergado; e a ciência, desvirtuada:
Nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, por em dúvida verdades adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois o pesquisador aborda muitas vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe fecham, de antemão, o caminho da compreensão objetiva. (12)
Não convém acordar?
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Notas
1. Almond, G. e Powell Jr., G., p. 197.
2. Bobbio, N., 1997, p. 24.
3. Thibaut, Antonio Frederico Justo (1772-1840), cit. Bobbio, N., 1995, p. 57-8
4. Savigny, cit. Bonavides, P., p. 57.
5. Russell, B., 2001, p. 352/3
6. Rosenkranz , Karl; Hegel, G.W., cits. Cicero, A., p. 134.
7. Lemkow, A., p. 86.
8. Gleiser, M., p. 164.
9. Japiassú, H., 1978, p. 97.
10. Bobbio, N., 1995, p. 224.
11. Comte, Augusto, cit. Penna, A.G., p. 118.
12. Durkheim, E., cit. Goldman, L., p. 33.

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