sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

A dialética da Coruja de Minerva






A HISTÓRIA EUROPÉIA, que tinha no Príncipe italiano sua revelação, no inglês Leviathan seu mito, e na perversa vontade francesa de Rousseau a solução ideal, requeria pujante organizador alemão. Mister, pois, este “Maquiavel” de olhos azuis, modernizado, o “patriota unificador”, de sobrenome Hegel. Por completo, Georg Wilhelm Friederich Hegel (1770-1831). Maquiavel (1) lhe ensinara:
"Na opinião pública, tudo é a um tempo falso e verdadeiro, mas cabe ao Grande Homem descobrir nela a verdade. E quem não compreende como desprezar a opinião pública, esse nunca realizará qualquer coisa grande."
Hegel (2) levou a sério:
A isto pode-se chamar astúcia da razão - o fato de por as paixões a trabalhar por si mesmas, embora aquilo que lhe desenvolva a existência através dessa compulsão pague o preço e sofra a perda.O particular é, na maior parte, demasiadamente insignificante quando comparado com o geral: os indivíduos são sacrificados e abandonados.
Não é difícil divisar a escada estendida: “O nacionalismo era o único sentimento que encerrava capacidade de atração geral.” (3)
A atração visava a subtração:
“O Estado exige impostos e esta exigência de que cada um dê alguma coisa de sua propriedade, com o Estado tomando deste modo aos cidadãos, abarcando toda a existência: o direito à vida é sagrado, mas a ele se deve renunciar”.(4)
“Os impostos não são, em absoluto lesões do direito de propriedade, a ponto de se considerar que reclamá-los seja algo ilícito. O direito do Estado, é algo mais alto do que o direito do indivíduo a sua propriedade e a sua própria pessoa.” (5)
Antes a Pátria do que a própria vida. Kamikases e talibãs agradecem a compreensão, mas pode alguém chamar filosofia o convite à morte?
A Revolução Francesa, mais do que devaneios, mostrara a potencialidade do povo reunido, massa que amassa a um simples comando. Além do mais, de nada adiantava ao cidadão possuir direitos em relação ao Estado, como acontecia na Inglaterra, mas não ser respeitado por periódicos invasores, como acontecia na Prússia:
“Hegel influiu nos negócios na Alemanha ao fim das guerras Napoleônicas, diante a profunda humilhação nacional perante a França e as aspirações de unificação política e criação de um estado nacional que correspondesse a unidade e grandeza da cultura germânica. (6)
A humilhação e o desejo de vingança sobrevieram à dura experiência pessoal:
“Em 1806, o exército napoleônico invade a cidade, e Hegel, cuja casa é saqueada, foge, salvando alguns pertences, entre os quais Fenomenologia do Espírito, publidada no ano seguinte.” (7)
O fenomenal espírito quis e conseguiu influir em tudo:
Ao correr do desenvolvimento de seu pensamento, iria Hegel colocar-se do lado da realidade da força, da violência, da prepotência; iria salientar o desabrochar das sociedades e do Estado como grupo hegemônico, em concorrência vital com outros Estados. O que ele de certo modo antecipou, e se converteu uns vinte anos depois de sua morte na idéia central da biologia evolucionista de Darwin, com conseqüências filosóficas que repercutiram de vários modos sobre a Concepção de Mundo moderna. (8)
Seu discurso era enfático, convincente: “Uma multidão que, devido a dissolução da força militar e a falta de uma organização financeira, não soube formar um poder estatal, não está em condições de defender sua independência contra inimigos externos.” (9)

Quando publicou sua versão Enciclopédia, Hegel era professor em Heidelberg, aprazível recanto entre Munich e Frankfurt. Sua Filosofia da História o levou a Berlim, onde “recebeu a comenda” de "ditador" da filosofia política e, por extensão, jurídica. Seu lema desfraldava a mais sublime perfeição:
“Somente a Idéia Absoluta é ser, perene vida, verdade que se sabe a si mesma, e é toda a verdade.” (10)
Rohmann comenta:
“Hegel percebia uma relação complicada entre a família, a sociedade civil e o Estado, e concebia o Estado, também, como manifestação do Absoluto, ao qual o indivíduo é, paradoxalmente, obrigado a se sujeitar espontaneamente.” (12)
Os germânicos se enrolariam cada vez mais:
O desenvolvimento do espírito na história é missão precípua dos alemães, os únicos que compreenderam o alcance universal da liberdade mas não se pode deduzir que onde exista lei exista liberdade, como Hegel de fato parece pensar. Se assim fosse, 'liberdade' seria sinônimo de 'obediência à lei', o que é um pouco diferente da opinião de um leigo. (11)
A personalidade e a obra foram ironizadas por alguns TriPulantes:
Houve Hegel. Certamente foi um pensador profundo; suas obras são um rico acervo de idéias estimulantes. Não obstante, escreveu sempre dominado pela ilusão de que Geist, o Absoluto, revelava-se por seu intermédio. Não havia nada no universo que não estivesse ao alcance da sabedoria de Hegel. Pena que sua linguagem fosse tão ambígua, a ponto de ensejar múltiplas interpretações.(13)A estratégia do lôbo, altamente interessante aos profissionais da política, não escapou da aguda crítica do contemporâneo Artur Schopenhauer (1788-1860):
Pelos poderes vigentes como o Grande Filósofo oficializado, era um charlatão de cérebro estreito, insípido, nauseante, ignorante, que alcançou o pináculo da audácia por garatujar e fortificar as mais malucas e mistificantes tolices. Essas tolices foram barulhentamente proclamadas como uma sabedoria imortal, por seguidores mercenários, e prontamente aceitas como tal por todos os tolos, que assim se juntaram num coro perfeito de admiração, como nunca antes se ouvira. O extenso campo de influência espiritual que assim foi fornecido a Hegel por aqueles que se achavam no poder capacitou-o a realizar a corrupção intelectual de toda uma geração. (14)
Bem, é só o começo. A carga é imensa; vamos no ritmo do Danúbio Azul.
Enquanto isso, aprecie:
A lambança dialética
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Notas



1.Maquiavel, N., cit. Popper, K., 1998, p. 81.
2.Hegel, G.W., The philosophy of history; Introdução; Bohn Library, p. 34, cit. Sabine, G. p. 62.
3.Sabine, G., p. 848.
4.Hegel, G.W., Princípios de filosofia do direito, parágrafo 258; cit. Pereira, J.C.R., p. 124.
5.Hegel, G.W. , cit. Bobbio, N., Estudos sobre Hegel : direito, sociedade civil e Estado, p. 119.
6.Hegel, G.W., cit. idem, p. 647.
7.Hegel, G.W., cit. Abrão, B., p. 347.
8.Hegel, G.W., cit. Penna, J. O. M., p. 94.
9.Hegel, G.W., cit. Bobbio, N., p. 135.
10. Hegel, G.W., Ed. Lasson, Vol. II, p. 484; cit. Heidegger, M., A constituição onto-teológica da metafísica, p. 190.
11.Hegel, G.W., cit. Russell, B., p. 357.
12. Hegel, G.W., cit. Rohmann, C., p. 188.
13 Mises, L., Ação humana - Um tratado de economia, p. 72.
14. Schopenhauer, A., cit. Popper, K., 1998, p. 255

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