quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O mundo em maus lençóis

-

Nossos contemporâneos imaginaram um poder único, tutelar, onipotente, mas eleito pelos cidadãos. Combinam centralização e soberania popular; isso lhes dá um pouco de alívio. Consolam-se do fato de estarem sob a tutela pensando que eles mesmo escolheram os tutores. Num sistema desse gênero, os cidadãos saem por um momento da dependência, para designar o seu patrão, e depois nela reingressam. Benjamin Constant 1767-1830, cit. Bobbio, N., 1993: 59
Por longo período a democracia permaneceu letárgica, em pergaminhos. O rei personificava todo o poder, inclusive o “divino”, por designação da Matriz. Antes de completar os XVIII, um país logou resgatá-la; e seu vizinho anunciou a Vox Populi Vox Dei. Mas será mesmo que esta voz, vibrante com os gladiadores, histérica na queima das bruxas e aguda na praça da guilhotina, pode ser originária ou expressão celestial? Conteria uma manada mais sabedoria do que a unidade, porquanto soma; e portanto presumidamente multiplicadas as razões? Malgrado tamanha obviedade, pela reverência e obediência irrestrita a essa "voz" do Senhor reverenciado, seja da esquerda ou da direita, intrépidas e dóceis nações permanecem no esteio da servidão.
* * *
A Revolução Bolchevique justificou a guinada totalitarista da Europa Imediatamente  Itália, Portugal, Polônia, Hungria, Áustria, Turquia, Grécia, e Romênia, subiram ao trem do desatino. O  A Revolução Boschevique justificou a imediata guinada totalitaristas de Itália, Portugal, Polônia, Hungria, Áustria, Grécia e Romênia. À Espanha estava reservada ao fratricismo Calcula-se que o herói Franco ensejou a morte de um milhão, revelando, assim, seu incomensurável amor pela Nação. Madrid o acolheu. Como Vox Populi Vox Dei, o franco atirador se deitou consagrado por longo período de pacífico usufruto, exemplar.
A Ásia embarcou fácil na quimera. Já no início da década fatídica, o Japão trocava seu direito consuetudinário por uma “amarelação” hegeliana, cruel hitlerização levada à cabo pelo Ministro Sadão Araki. Na Indonésia a Terra recebera a maldição Sukarno. Das Filipinas ocupou-se o não menos corrupto Ferdinand Marcos. E a China caiu no Mao.
Da Sibéria ao Alaska bastava apenas uma ponte; convinha a barragem:
"O Führer era idolatrado não somente em sua terra natal; tinha adeptos em número considerável de americanos barulhentos e vociferantes." (Brian, Einstein, a ciência da vida, p. 329)
A depressão foi provocada para atemorizar ainda mais o povo, torná-lo inerte ao absurdo:
A capital do país, Washington, tinha trezentos bares licenciados antes da Lei Seca: agora havia setecentos bares clandestinos, supridos por quatro mil fornecedores. Tudo isso era possível em função da corrupção total em todos os níveis. Assim, em Detroit, havia vinte mil bares clandestinos. (Johnson,: 174)
1929 coroou os maquiavélicos mentores. Ao Current History Magazine (cit. Rothbart: 41) a manobra era flagrante, e culminaria, de todo modo, na ascendência do Estado:
A nova América não será capitalista no velho sentido, e tampouco será socialista. Se a tendência atual é para o fascismo, será um fascismo americano, que incorporara a experiência, as traições e as aspirações de uma grande nação de classe média. Quando o New Deal é despido de sua camuflagem progressista, social reformista, o que fica é a realidade do novo modelo fascista de sistema de capitalismo de Estado concentrado e servidão industrial, envolvendo um implícito ‘avanço rumo à guerra’
Nosotros, macaquitos brasileños, consagraríamos a predileção:
O país ficou entregue, como não é segredo para ninguém, a uma quadrilha de assassinos e torturadores e de gatunos profissionais, que tinham carta branca para a consumação dos crimes mais hediondos contra os adversários do regime. (Silva, Hélio, A Crise do Tenentismo, p. 112/119; cit. Andrade, Manoel Correia de, A Revolução de 30 - Da República Velha ao Estado Novo, p. 86.)
Por fim, o macaco-camaleão cumpriria o vaticínio do mais venerado herói latinoamericano:
Não podemos governar a América. Ela cairá país cairá infalivelmente nas mãos da multidão desenfreada, para passar em seguida às mãos de pequenos tiranos, quase imperceptíveis, de todas as cores e de todas as raças.
(Simon Bolivar, cit. Minguet, Charles, Myrthes fondateurs chez Bolivar, 'Simon Bolivar', Cahiers de l'Herne, 1986, p. 117; também em Gusdorf, G, p. 259)
O filme ora em cartaz na Venezuela no original era em preto-e-branco, na protagonização do tarado general Marcos Evangelista Pérez Jiménez:
Acabo de voltar da Venezuela. Lé o grosso da economia é dirigida pelo governo. Nacionalizou as companhias de petróleo. O maior banco é dirigido pelos sindicatos e subsidiado pelo governo. Numerosas outras indústrias são empresas públicas. E o que foi que aconteceu? Depois de ajudar a OPEP e de ganhar bilhões de dólares, a Venezuela está atolada em dívidas.
(
Toffler, Alvin, Previsões e Premissa, p. 105.)
Equador e Bolívia destacaram-se com nove golpes cada um; Paraguai e Argentina. Na Colômbia, o general larápio Rojas Pinilla se refastelou à vontade. No Perú, um de seus artífices, de novo General, chamava-se Velasco Alvarado. Também agarrado no Perú veio a figura “heróica” do “asiático de coração americano”, a fraudar eleições e a demolir qualquer manifestação ou determinação jurídico-legislativa que não lhe atendesse, no que foi saudado, acompanhado e até endeusado pelo campeão da perfídia macunaímica, o desocupado FHC.
Todos esses regimes só se mantiveram porque ungidos na vontade geral, sendo que vários ascenderam de uma forma legitimada democrática, seja por essas eleições fraudulentas, ou não, mas com o inequívoco beneplácido, e até aclamação popular, como recomendava a pouco original "democracia" da vontade geral interpretada por Rousseau .
Maquiavel, o diretor da peça, não deu margem a grandes variações.
Porque a subida ao poder é trivial diante de um povo atônito, esquece o incauto que o ardiloso renascentista programou um final melancólico, de preferência trágico, ao seu astro principal, justamente para deleite da platéia, a qual, em última análise, é quem lhe garante o sucesso.
Inicialmente a guilhotina vibrou com Danton e Robespierre, e Santa Helena, com Napoleão. O colosso alemão se suicidou no Bunker. O italiano foi pendurado, feito carneiro, numa viga de Milão.
O japonês tomou duas atômicas para se corrigir. O baixinho tupiniquim por muito menos seguiu o primordial. O horóscopo aconselha a aguardar seus clones, mais o menos fiéis.Mas ainda restava o siberiano. N
o abrir da Cortina de Ferro fulgurou o palco da atrocidade.
* * *
Por cansada dos velhos filmes, a juventude de 1968 exigiu que a imaginação chegasse ao poder. O eco precisou duas décadas para penetrar na blindagem soviética, mas infelizmente ela não se concretiza, seja na Rússia ou nos EUA, na Espanha, na Itália, Alemanha ou em França, até no Japão, também mergulhado na propina, que dirá na Argentina ou no Brasil. E o quê esperar das fraturadas Bolívia e Venezuela? Até o Uruguai, outrora Suíça Sulamericana, encontra-se sob a égide da mediocridade.
Desmantelado o comunismo, o fascismo retorna à cena travestido, à frustrar a platéia presente, mas não a futura: o circuito histórico lhe reserva estupendo buraco-negro, a cova dos farsantes.
Estamos em maus lençóis, mas o verão há de vir.
Essas vacas de presépio que se fingem de pastores de rebanhos repetem a geração de eunucos que permitiu o avanço de Hitler e Mussolini no período entre as guerras. Em pleno século 21, o mundo está a precisar que surja um novo Winston Churchill, um líder no sentido verdadeiro da palavra (condutor), temerário a ponto de prometer “sangue, suor e lágrimas” a seu povo para, contrariando-o e provocando-lhe dor, fazê-lo emergir sobrevivente e orgulhoso da devastação de uma guerra mundial.
PINTO, José Nêumanne, Vacas de presépio que se fazem de pastores -
24/12/2009
Esperamos dispensá-las a tempo. Ao que parece, o mais saliente chipanza já tomou conhecimento:
"Chávez relatou que teve diarréia e suava frio... 'O suor me fechava os olhos (...)'." (Estadão, 6/8/2008)

Nenhum comentário:

Postar um comentário