segunda-feira, 18 de agosto de 2008

O desvirtuamento da democracia pelos partidos políticos


PT e PSDB não compartilham apenas a política econômica. Suas campanhas presidenciais compartilharam também os financiadores, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral. Dezenove empresas, a maioria delas com interesses no governo, investiram R$ 54,1 milhões na disputa eleitoral. O Banco Itaú, por exemplo, apostou igual em ambos os “cavalos”. www.claudiohumberto.com.br
Partidos políticos existem no Brasil há mais de cento e sessenta anos. Nenhum dos quase trezentos que surgiram nesse tempo todo, durou muito. Não existem partidos centenários no país, como é comum, por exemplo, nos Estados Unidos, onde democratas (desde 1790) e republicanos (desde 1837) alternam-se no poder. E o motivo disso, dessa precariedade partidária, da falta de enraizamento histórico dos programas nas camadas sociais é a inconstância da vida política brasileira. www.educaterra.terra.com.br
O MAIOR COMUNICADOR usava o bordão: "No Brasil nada se cria, tudo se copia."
Pode ser. Mas também tudo se altera, em função de uma quimera. Como essa, de "Estados Unidos", ou mesmo a mais nova, República Federativa do Brasil: 
"Declaro inaugurada a cidade de Brasília, Capital dos Estados Unidos do Brasil." Presidente Juscelino Kubitschek, (PSD-PTB), 21 de abril de 60.
* * *De plano, invoco: não é propriamente a fragilidade dos partidos que ocasiona o despotismo, ou a instabilidade política. Pode, e costuma ser, até ao contrário. O que garante a democracia é justamente a despersonalização, a descontração, a descentralização do sistema político:
A separação de poderes foi uma fórmula encontrada
para
passar do Estado Absolutista para o Estado Liberal.
Ninguém poderia mais ter em suas mãos todo
o poder do Estado.
Scaff: 28
Montesquieu, contudo, cuidou de asseverar: a democracia e a divisão de poderes que propôs só teriam eficácia em países de pequena extensão territorial.

Nos EUA
A imaginação anglo-saxã contornou o problema, e o nome quase anônimo indica:

o vasto país norteamericano é retalhado em diversos pequenos estados.

(A Cientificidade Federalista)
Mably (cit. Bobbio, 1987: 103) o retrata, nas Observações sobre o governo
e as leis dos Estados Unidos da América
(1784):

Somente através da união federativa a república, que durante séculos após
o fim da república romana foi considerada uma forma de governo adequada
aos pequenos Estados, pode tornar-se a forma de governo de um grande

Estado como os Estados Unidos da América.
Marquês de Condorcet (1743-1794) (cit. Chevallier, tomo II: 198) também compreendeu e valorizou a alternativa:
Sua posição geográfica e seu antigo estado político obrigavam-no a formar
uma República Federativa; assiste-se a preparação simultânea, em seu seio,
de treze constituições republicanas, tendo por base um reconhecimento solene
dos direitos naturais do homem e, como primeiro objetivo, a conservação destes direitos.
O estupendo desenvolvimento da ex-colônia britânica não se deve à presença daqueles partidos, senão que pelo impedimento deles exercerem o domínio absoluto:
Os prolongados atritos com as autoridades régias haviam convencido os
norte-americanos de que a principal ameaça à liberdade era um executivo
sequioso de poder e, desse modo, o papel do executivo foi grandemente reduzido.
(Heale: 53
)
(Mercado & Economia Federativa)
-
No Brasil

O País soube da novidade e até tentou implementá-la, sob a égide imperial.
Curiosamente se sucedeu o inverso: a República enfeixou o poder. O pavilhão, desenhado de modo semelhante ao norteamericano, com as linhas horizontais, passou à geometria que remete o gado ao centro, não sem antes adverti-lo: ordem e progresso!:Nem meio século após, Getúlio Vargas, o "pai dos pobres" e "mãe dos ricos", criador do céu e da terra, quero dizer, do PSD e do PTB, mandou queimar em praça pública todas as bandeiras dos estados, inclusive a do seu, dando provas, com isso, que sequer seus conterrâneos mereciam algum apreço. (O feriado de 9 de julho)
Passadas algumas décadas, a Revolução que varreria a corrupção varreu também qualquer tentativa de retorno ao que nunca houve: o regime federativo, a divisão do poder.
Para completar, a Constituição aclamada cidadã, na verdade vilã, retira qualquer resquício de poder não dos estados, que nunca tiveram, mas dos outros componentes, primordiais, da democracia. Desse modo, o poder se concentra todo no Executivo da República. O presidente legisla à vontade, por decretos alcunhados medidas, e escolhe os membros do Judiciário, a comprometer qualquer julgado que venha se ver envolto. Tudo isso foi levado à cabo graças aos integrantes do partido alcunhado de Movimento Democrático, depois identificados como Estelionatários do Plano Cruzado.
* * *
-
Na Inglaterra
Na introdução da moderna democracia, foi fundamental a participação da grande parcela dissidente, cognominada whigs. Os tories protegiam a Coroa, isto é, seus privilégios. A Revolução Gloriosa levou a termo ambas reivindicações: o poder passou ao povo, que o exerce pelo Parliament, mas o caráter de reino foi preservado. De lá, informava Voltaire (cit. McNall,, e Standish: 461):
A Nação inglêsa é a única da terra que chegou a regulamentar o poder dos reis resistindo-lhes e que de esforço em esforço, chegou, enfim, a estabelecer um governo sábio, onde o príncipe, todo-poderoso para fazer o bem, tem as mãos atadas para fazer o mal; onde os senhores são grandes sem insolência e sem vassalos, e onde o povo participa do governo sem confusão.
Nem é bem assim. Isso é desvirtuado justamente pela presença subversiva:
Uma das peculiaridades do mundo de língua inglesa é seu imenso interesse e crença nos partidos políticos. Uma grande percentagem de seus habitantes acredita realmente que todos os males dos quais padecem seriam curados se um determinado partido político estivesse no poder. Esta é a razão do balanço do pêndulo. Um homem vota em um partido e permanece infeliz; ele conclui que era o outro partido que traria um período de felicidade e prosperidade. No momento em que estivesse desencantado com todos os partidos, já seria idoso à beira da morte. Seus filhos teriam a mesma crença na juventude e a oscilação contínua.
RUSSELL, Bertrand, Ensaios céticos: 121
Na França
Entre os homens que ocuparam o poder na França nos últimos quarenta anos, vários foram acusados de ter feito fortuna à custa do Estado e de seus aliados, crítica que raramente foi dirigida aos homens públicos da antiga monarquia.
(Tocqueville, A., A Democracia na América, p. 256.)
O famoso embate tomou trágico destino. Ouso afirmar: ele desencadeou a estupidez e o barbarismo internacionalizado, por todos os tempos, desde então. (Sobre a "Vaca Leiteira")
De um lado, à esquerda, se postaram os que tentavam as soluções britânicas, no côro da descentralização do poder. Foram denominados gerondinos. Do outro, à direita, os que propugnavam pela extinção completa do Ancien Règime, os jacobinos. A Coroa, coitada, ficou desprovida de Mosqueteiros.
Aqueles partidos sentados à esquerda e à direita, desse modo contrapostos, poderiam assegurar a democracia, como na exitosa Inglaterra? E como adjetivá-la composta de liberdade, igualdade e fraternidade? Responde-nos um arguto observador presente naquela época:
Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa.(Tocqueville, A., 1997, cap. XII, p. 139)
Para os dantons e robespierres foi fácil inflamar a população contra uma corte. sem nenhuma defesa Os francos haveriam de suplantar os comedores de beaf. Rousseau e Descartes seriam mais inteligentes do que Locke e Shaftesbury. (Os paradigmas e as revoluções do XVIII)
A "vontade geral", mito estimulado pela vontade do petit comitè jacobino tornou Napoleão hegemônico. O nanico jockey do cavalo branco espalhou o terror alhures.
A Alemanha, espraiada em comunidades autônomas, logo viu suas famílias serem vítimas do vandalismo e barbarismo francês.
Hegel nasceu a tempo de propugnar pela retaliação: para remédio de cobra, o próprio veneno é a solução. Os alemães custaram gerações, mas haveriam de se vingar - primeiro com a reunião em torno do poder central, com Bismarck; depois, um pequeno ensaio, na primeira guerra. Finalmente a consagração, no esplendor do partido nazista. Tolstói pode antecipadamente explicar:
Mas a verdade é que não só nos países autocráticos, como naqueles
supostamente mais livres - como a Inglaterra, a América, a França
e outros - as leis não foram feitas para atender a vontade da maioria,
mas sim a vontade daqueles que detêm o poder.
(A Escravidão de nosso tempo, (1900), cit. Woodcock, G., p. 106.)
A rica França, a tonta Alemanha, a hibernada Rússia, a folclórica Itália, e los valientes espanholes todos devidamente "partidarizados", passaram a vivenciar, desde então, inúmeras perturbações, guerras civis e internacionais, ditaduras e constituições de toda índole:
Faça a conta dos regimes que nos levam a codificar com um gesto nossas paixões do momento. Compensamos nossa inconstância através de visões eternas logo gravadas no mármore. Nossas revoluções passam primeiro pelo tabelião. Conseqüência: quinze Constituições em cento e oitenta se sucederam na França depois da Convenção: Diretório, Consulado, Primeiro Império, Restauração, Cem Dias, Restauração, Monarquia de Julho, II República, Segundo Império, III República, Vichy, de Gaulle, IV República, V República, ufa! "
(Mitterrand, François,
Aqui e Agora, p. 90.
)
Na U.R.S.S.
A
trapaça vara o EspaçoTempo:
“O homem no estado natural de Rousseau se tornou, no século XIX, o ‘povo’ de Mazzini e o ‘proletariado’ de Marx. “ (Rosselli: 118)
Em vista desse "estado natural", a URSS resolveu apagar toda a história, mas não o telos central. Novamente a solução britânica esteve prestes a ser implementada. Seria derrotada, desta vez num radicalismo sem precedentes, mas de novo no mito da vontade geral, conduzida pelo petit comitè. O partido bolchevista (maioria) esmagou o menchevista (minoria) e massacrou a civilização.
.
Na América do Sul
Nosotros, macaquitos, apenas exercitamos o que nos é compatível:

Em muitos Estados do Terceiro Mundo, o assim chamado povo soberano não é nada. Ou quase nada. Fica à margem ou ausente do jogo político, limitado a um círculo restrito. Chamam-no somente para ratificar, plebiscitar e aplaudir. [...] Sobretudo por ocasião das eleições presidenciais.
(Schwartzenberg: 320)
A razão do Terceiro se deve ao Primeiro: de Napoleão, que a resgatou, de Cavour, que liquidou com a diversidade italiana, de Bismarck, que efetivou a primeira vingança, de Lenin que elevou à potência máxima, de Hitler, que a reimplementou de modo magistral, e do partner Mussolini.Todos galgaram o poder de destruição nos ombros dos respectivos partidos. (O Triunfo da Doilética)
Seriam esses arranjos expressões da vox populi, da vox dei, ou apenas de Maquiavel?
A fórmula da concentração do poder

Os partidos políticos têm três funções essenciais, embora possam assumir outras,
o que os torna, modernamente,
“multifuncionais”. As três principais funções são:
- formação da opinião pública;
- seleção de candidatos;

- enquadramento dos eleitos.
Barboza, Martim Saraiva, http://www.eadpmdb-rs.org.br/def/arquivos/partidos_politicos.pps.
Os partidos surgiram para atender o objetivo do povo - fracionar o poder, evitar concentrá-lo em centralizações, tão ao gosto dos tiranos e ditadores - mas a troupe mais ou menos safada, mais ou menos corrupta, utiliza exatamente desses trilhos para colocar o povo no trem da ilusão. Se repararmos as atuações dos jacobinos, bolcheviques, fascistas, nazistas, comunistas, socialistas, e seus arremêdos, mais ou menos fiéis, entre os quais os partidos trabalhistas e os sociais, é trivial concluir que tais prerrogativas são propícias aos descalabros totalitaristas:
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. O totalitarismo aspira ao extremo oposto da democracia: ele luta para pulverizar a sociedade e estabelecer um controle completo sobre esta [...] O objetivo último do totalitarismo é a concentração de toda a autoridade ns mãos de um corpo autodesignado e autoperpetuado de eleitos que se denominavam 'partido', mas parece uma ordem, cujos membros devem lealdade a seus líderes e uns aos outros. Esse objetivo pressupõe controle, direto ou indireto, conforme as circunstâncias, dos recursos econômicos do país.
PIPES, R., 2001:251
Atualmente, a essência da democracia reside em dois princípios fundamentais: o voto e a existência dos partidos políticos. Os partidos servem para exprimir e para formar a opinião pública. São um foco permanente de difusão do pensamento político, além de estimular os indivíduos a manter, exprimir e defender suas opiniões.
(http://www.politicavoz.com.br/partidospoliticos/artigo_01.asp)
Tres cruzes, nenhum dos dois é "essência"! Os partidos são meras reprentações, instrumentos pelos quais os candidatos se apresentam; Eo voto, apenas método, que pode e deve variar, conforme o país. Ambos tem a finalidade de espelhar a vontade popular. Portanto, não cabe aos partidos, nem aos políticos formar opiniões, mas expressá-las. Ademais, nas democracias, segundo a "essência", quem deveria escolher os governantes é quem detém o poder, ou seja, o próprio povo. No entanto, quem escolhe os concorrentes é o partido. Depois sim, dentre os tres ou quatro apresentados, no caso Executivo, aí sim, o povo que defina a cor preferida. Delegar a escolha a partidos, é a confissão da alienação, por incapacidade ou desinteresse.

O alfa e o ômega da teoria política é a questão
do poder: como conquistá-lo, como conservá-lo
e perdê-lo, como exercê-lo, como defendê-lo
e como dele se defender.
Norberto Bobbio,
Teoria geral da política: a filosofia
política e as lições dos clássicos:
252
Por democracia ou à mão-armada, o que se tem praticado, aqui e alhures, em nada difere do autoritarismo , às raias corporativistas, em seu mais alto grau.
Particracias - I - intróito

__________
Nota
* A Novacap estimou em 250 mil as pessoas que estavam em Brasília quando ela se tornou a Capital do Brasil. 60 mil eram candangos, 1.000 jornalistas; mais de 1.000 funcionários do Executivo; 1.641 policiais; dezenas de médicos e 40 enfermeiros, que estiveram em plantão permanente. Alguns aviões da Esquadrilha da Fumaça tornaram a festa mais bonita.
Os festejos demandaram 38 toneladas de fogos de artifício, corrida de barcos e automóveis, concêrto sinfônico (Maestro Eleazar de Carvalho), show gigante seguido de 30 mil m2 de dança popular, parada militar com desfile de candangos e máquinas, baile de casaca com champanha e milhares de caixas de uísque, torneio infantil, festival de encerramento, com quadros da história pátria, alegorias de mudanças da nossa Capital, intervalados de Tiradentes, José Bonifácio e outros detalhes risonhos e patéticos.

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