Um político, tornando a ver aquele corpo, acharia nele a mesma alma dos seus correligionários extintos, e um historiador colheria elementos para a História.
Machado de Assis
Jânio Quadros presidiu o país por meio ano, apenas. Alegou ser vítima de "terríveis forças ocultas", e renunciou. Fora eleito com a UDN (União Democrata Nacional), em mandato de 1961 a 1966. Obteve 5,6 milhões de votos - a maior votação até então conhecida. Suplantou o Mal. Henrique Lott (PTB-PSD) de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos; porém, não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). À suplência, quem se elegeu foi João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro, da chapa de Lott.Jânio detinha formidável conhecimento da língua pátria. Suas palavras eram precisas. Por que motivo utilizaria um termo tão vago, tal qual forças ocultas? E o que poderia denotar serem elas terríveis? De terror, obviamente, mas de que tipo? De que modo um Presidente, eleito com tamanho furor popular, poderia alegar que forças ainda maiores o impediriam de governar? Seriam terroristas? As comunistas? Sindicais? Remanescentes fascistas? Empresariais? Talvez estrangeiras? Ah, esses imperialistas yankees... Ou seriam forças místicas? Quem sabe a Maçonaria? Investidores de campanha? Haveria inimigos na trincheira? Quiçá ainda aquelas forças internacionais, pretensamente responsáveis pela tragédia do Catete? Segundo a professia do inspirador de nosso pavilhão o mundo seria governado cada vez mais pelos mortos! Almas penadas teriam assustado o homem da vassoura? Por qual razão o emérito professor usou o termo "ocultas", se tão bem pode identificá-las, a ponto de sair correndo ? Por que não quis divulgá-las? Chantagem? Negócio? Haveria algum dinheiro em jogo? Teria sido ameaçado? Quem sabe? Com mensalão se alterou até a Constituição! Teria Jânio negado os tradicionais pedidos de propinas dos parlamentares republicanos?
Na época (e até hoje), nada disso interessou, nem à imprensa, tampouco para algum arquiperipatético, e não seria a politicalha prestes a novamente se agadanhar do poder que mexeria na ferida. Na corda-bamba estendida, exceto os tontos, todos torciam pela queda do artista. No anonimato da platéia, tudo estava ao belprazer dos artistas recentemente desbancados. Desse modo, passado meio século, o buraco-negro que engolfou a tênue democracia permanece incógnito. Malgrado S. Exa. retornar à ribalta na geração posterior para varrer a Prefeitura de São Paulo, sequer neste momento lhe foi exigido esclarecer aquele dantesco ato, e tudo ficou por isso mesmo. À Nav's ALL, contudo, não. Seu comandante nasceu sob o império da perfídia, e até agora sofre os estilhaços desse monstruoso big-bang.O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos, diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os fios que os ligam e que fazem com que se engendrem, uns a partir dos outros. Michel Foucault, Microfísica do Poder: 5.-Da estratosfera do EspaçoTempo obtém-se uma visão panorâmica. Ainda que fugaz, diviso a silhueta desta intrincada armadilha pela qual nossos pais quedaram envoltos; e, por conseguinte, nós mesmos.
Façamos a escala a partir da geração de nossos avós, da derrocada fascista de modo simultâneo em inúmeros países, e da tentativa da democracia para ocupar o Universo.
Getúlio Vargas, como os ídolos Mussolini, Lenin, e Salazar, (Vargas & Sal azar) soube se fazer idolatrado pelo povo. (A introdução do fascismo no Brasil) Porém, diferentemente daquelas raças estanques, o estilo caboclo continha o elemento lusco-fusco: variava a intensidade da luz de acordo com a abertura da retina dos eleitores. (Getúlio & Perón)
“Burgueses burros, não entenderam que eu estou querendo salvar a vida deles.” (VARGAS, Getúlio, cit. CAMPOS, Humberto, Crítica; Jorge, F: 296). Assim é que ao se desmascararem as ditaduras fascistas, em lustro o caudilho ressurgiria travestido de democrata. Como não havia nenhum distintivo capaz de caracterizá-lo com tal despreendimento, e na total ausência da tradição partidária, o pai dos pobres e a mãe dos ricos logo preenchera a lacuna com a dubiedade correspondente: pariu o PTB e o PSD.
Semanas antes de sua retirada ao calculado ostracismo em sua fazenda, o povo se reunira para exumar o cadáver da ditadura: a União Democrática Nacional (UDN) fora fundada em 7 de abril de 1945, e o intento já ameaçava o futuro suicida. O surpreendente destino dos patronos Hitler e Mussolini era por demais tenebroso.
Com a estratégia democrata, Gegê não só permaneceria impune, como ainda ofereceria a salvaguarda aos milhares de pelêgos e asseclas que introduziu no sistema sócio-econômico brasileiro, mercê, principalmente, da adoção da carta fascista à regulação e manipulação operária. (A sordidez das leis de trabalho) A sagaz artimanha não só manteve os antigos parceiros intactos, como lhe ampliou a original ascendência. (O fim do Duce, mas não do fascismo)
O PTB, filho pobre, gerou extensa prole, que culminaria em João Goulart, o Jango, não o Django, como se ouve alhures. E do ventre da filha rica, nasceria a extensa lista dos presidentes. O primeiro deles veio com a força das armas. Gaspar Dutra, garantiu a pisada. Com a pista aplainada, o aventureiro logrou novo pouso, desta feita pelo voto popular. No exercicio sua rede de corrupção veio à tona, e o farsante tomou o destino de seus ídolos: "Desgastado diante da opinião pública, Vargas escapa de uma nova deposição apelando para o suicídio. (www.cpdoc.fgv.br) Suas crias, contudo, permaneceram, e até se agigantaram, mercê do espólio, da carta-testamento apresentada*, única manifestação pré-suicida que se tem notícia completada com letra de máquina de escrever: "As circunstâncias que envolveram a morte de Vargas modificaram o quadro político e a UDN acabou sendo a principal derrotada no pleito, perdendo dez das 84 cadeiras que detinha no Parlamento.(www.cpdoc.fgv.br)
O conteúdo daquela carta-testamento seria imediatamente incorporado ao programa do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A dobradinha com o PSD não só logrou infestar o Congresso, como manteve azeitada a indústria de presidentes:
Carlos Luz
Nereu Ramos
Juscelino Kubitschek
(JK, O Amigo da Onça?)
Como não se pode enganar a todos, por todo o tempo, pelo menos parte da maquiavélica manobra novamente veio à tona. De modo avassalador, Jânio foi aclamado apoiado pela sempre relegada UDN. As forças eclipsadas teriam que novamente trabalhar, para se safarem. Assim tão bem o fizeram que num primeiro instante, de novo, ampliariam sua ascendência, mercê da confusão outra vez reinante. O herói Jânio não quis contribuir com mensalão ao congresso dominado pela dupla. Montou em sua vassoura, e sumiu no espaço sideral. As forças ocultas tinham vencido, mais uma vez. Elas somente ficaram expostas graças à incompetência do sobrinho pobre, o PT, dono de portá-las pelas cuecas.
Até amanhã.
_________
* A cogitação da autoria da emenda recai sobre o jornalista José Soares Maciel Filho, o redator favorito dos discursos de Getúlio. Datado antecipado e escrito a lápis, muito tempo depois se encontraram três linhas, presumivelmente de autoria verídica:
"À sanha dos meus inimigos, deixo o legado na minha morte.
Levo o pesar de não ter feito pelos humildes tudo o que desejava."
"No dia seguinte, Alzira interpelou o pai sobre o significado daquelas palavras, mas Vargas lhe assegurou que não pretendia suicidar-se. Na realidade, o conteúdo do bilhete foi aproveitado no texto do documento final de Getúlio. O impacto provocado pelo suicídio e pela imediata divulgação da CartaTestamento foi imenso. Manifestações populares sucederam-se em todo o país, sobretudo nas grandes cidades. No centro do Rio de Janeiro ocorreram numerosos comícios denunciando o envolvimento norte-americano na morte de Vargas, bem como as responsabilidades da UDN e de toda a oposição. Grupos de centenas de pessoas, armadas de pedaços de madeira e dando vivas ao ex-presidente, percorreram as ruas da cidade rasgando cartazes de propaganda eleitoral dos canditatos antigetulistas. No plano político, as conseqüências do suicídio e da Carta-Testamento não foram menores. Após meses de pressão sobre Getúlio, a oposição - tornada governo com a posse de João Café Filho na presidência da República - viu-se obrigada a recuar frente às dimensões da reação popular. Na opinião de Thomas Skidmore, 'durante a sua campanha, os antigetulistas tinham concentrado o fogo do ataque na pessoa de Getúlio. Através do seu ato final de sacrifício, Getúlio neutralizou as vantagens políticas e psicológicas que seus oponentes haviam acumulado'."
(www.cpdoc.fgv.br)
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