domingo, 13 de abril de 2008

A sordidez das leis de trabalho

E nada confere tanta honra a um príncipe novo quanto as novas leis e as novas instituições que estabeleça. MAQUIAVEL
Em todo o período da influência que o caudilho* missioneiro exerceu sobre o nosso povo, não há um traço nobre, um laivo de idealismo, uma sincera atitude de humanidade. Há, simplesmente, mentira, mistificação e o ópio de um paternalismo apodrecido na manipulação das negociatas e das facilidades corruptoras. OLIVEIRA, R. C. cit. JORGE, F.:15
Com efeito, quase todos os vícios, quase todos os erros, quase todos ospreconceitos funestos que acabo de pintar deveram seu aparecimento,ou sua duração, ou seu desenvolvimento à arte da maioria de nossos reis de dividir os homens para governá-los mais absolutamente. TOCQUEVILLE, A., O antigo regime e a revolução, Livro II, cap. XII:139
DE TODAS AS INVESTIDAS governamentais que se abatem sobre a economia e, por conseqüência, à sociedade, a mais perversa recai sobre uma especial relação civil: o contrato de trabalho.
No caso brasileiro, há um consenso generalizado quanto ao pleno e eficaz desempenho do Estado como criador de identidades coletivas, em especial dos trabalhadores.
COSTA, Vanda
A incidência compõe o exemplo mais fulgurante, a ação mais nefasta que o artificialismo positivista pode proporcionar a todos que nele se emaranham. A intromissão é proveniente de um quadro tão estúpido quanto paradoxal.
Guerras perfazem, de longe, o meio mais adequado à miséria humana. Aqueles governantes de 1930, todavia, não titubearam condenar milhões aos campos talados de minas e canhões,
às trincheiras, as quais já serviam de sepultura. Pois foram esses senhores da guerra que criaram o chamado direito do trabalho!
Ora, bem sabemos: saúde, bem-estar, condições financeiras e até familiares dos trabalhadores, como de resto de todos, foi o que menos importou a Mussolini, Hitler, Lenin e seus derivados, que dirá qualquer direito.
De fato não havia novidade, sequer na aparição desses horripilantes demagogos:
Nas décadas de 1830 e 1840, na Grã-Bretanha, certos parlamentares da aristocracia e da classe média tomaram a seu cargo a articulação de interesses das classes trabalhadoras. Nesse caso, eles não estavam respondendo a pressões e demandas encaminhadas de baixo, e sim agindo como guardiães independentes e voluntários desse interesses negligenciados ou suprimidos.
(Almond, G. e Powell Jr, G, p. 60)
Operário era, (e ainda é) objeto da dialética, meio de atingir o comando total:
A novidade das teorias de ação coletiva era mostrar que, ao contrário do que supunha o pluralismo clássico, um interesse comum não basta para produzir a ação conjunta. A novidade da lógica dual é introduzir o conflito como impulso à ação conjunta.
(Idem, p. 91)
Proletários são numerosos, fáceis de serem reunidos e manipulados tanto quanto gado:
A ética dominante na História da Humanidade foi uma variante da doutrina altruísta-coletivista, que subordinava o indivíduo a alguma autoridade superior, mística ou social. Conseqüentemente, a maioria dos sistemas políticos era uma variante da mesma tirania estatista, diferindo apenas em grau, não em princípio básico, limitada apenas pelos acidentes da tradição, do caos, da disputa sangrenta e colapso periódico.
(Rand, A.:118)
Tal "ética" requeria, apenas, a aplicação do já velho estratagema:
O baluarte populista do Ministério do Trabalho, o peleguismo e os partidos políticos populistas eram responsáveis pela incorporação ao Estado das forças sociais que haviam se desenvolvido. Eles eram simultaneamente responsáveis pela desagregação e conformismo das classes trabalhadoras e pela legitimação da 'sociedade capitalista'.
(Dreifuss, Rene Armand, 1964: A Conquista do Estado - Ação Política, Poder e Golpe de Classe, p. 30.)
Para Oliveira Vianna (cit. French. J. D.: 83) igualmente, o instrumental não passava de "uma iniciativa do Estado, uma outorga generosa dos dirigentes políticos - e não uma conquista realizada pelas nossas massas de trabalhadores'."
O esquema era de fato muito ladino:

No Brasil, os interesses do capital se organizaram sob um formato corporativo, enquanto a representação dos interesses do trabalho foi organizada sob a forma de um sindicalismo tutelado. Essa diferença se expressa na combinação do corporativismo societal com o corporativismo estatal, que Oliveira Vianna tratou de distinguir, antecipando em quase meio século a literatura contemporânea sobre o corporativismo nas democracias.
(Costa, V., p. 22)
A tática percorre o longo trilho, a partir de Platão, com escalas em Maquiavel, Descartes, Hobbes e Hegel:
Arranjos corporativos são fórmulas de institucionalização do conflito de classes, levando-as ao diálogo ou a regras mínimas deconvivência com a arbitragem do Estado. Entre nós este arranjo produziu o completo distanciamento das classes que supostamente deveria aproximar.
(Idem: 49)
Enquanto "protegiam" a classe trabalhadora da “famigerada exploração”, os mentores e amigos resolviam suas vidas:
O Ministério do Trabalho começava a substituir as lideranças sindicais. Os 'pelegos', isto é, operários de confiança do Governo, tornam-se os representantes oficiais do proletariado. Este processo, que é tênue entre 35/37, acaba sendo total durante o Estado Novo.
(Oliveira, Jaime A. de Araújo e Teixeira, Sônia M. Fleury: 110)
Marcos Andreotti, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1932-37 e 1958-64) não estava sozinho ao denunciar a lei trabalhista brasileira como uma piada e uma tapeação perpetrada contra os trabalhadores. Mesmo o suposto representante dos trabalhadores na Junta de Conciliação e Julgamento local podia não ser confiável, ele enfatizava, porque somente os mais submissos membros da minoria menos militante dos sindicalistas eram escolhidos para o posto pelo Ministério do Trabalho.
French, J. D.: 19
"São 100 mil advogados trabalhistas, mais 15 mil que vivem ligados à Justiça do Trabalho, no total chegam à cerca de 150 mil. Um lobby de 150 mil é maior que o desejo do restante da sociedade." (Evangelinos, Pedro, diretor da FIESP in Jornal O Estado de São Paulo, 25/11/2001, p.B6)
-
O aliciamento

Proudhom zombava dessa distinção entre capital e trabalho. Ele acreditava que capital e trabalho não são dois tipos diferentes de riqueza; que toda a riqueza sofre um processo contínuo, passando de capital a trabalho e de trabalho a capital, ininterruptamente e que as mesmas leis de justiça que regulam a posse de um, deveriam regular a posse de outro.
(Tucker, Benjamin, Socialismo Estatal e Anarquismo, 1888; cit. Woodcock, p. 135)
Os disputados operários, potencialmente comunistas, mostram-se satisfeitos com os bombons de Mussolini, servido à bordo do trem da fantasia: o ano, aumentado para treze meses de direitos; obrigações, reduzidas a onze; ínfimos auxílios para nascimentos e mortes, folgas para estas efemérides, licenças prolongadas de acordo com o parto, noite mais curta, tantas horas semanais, menos trabalho, mais descanso, mais gozo ( só não se sabe de quê!), tudo oficializado pelo sempre ávido ao desfrute do poder:
“A massa operária, anestesiada pela legislação trabalhista, apoiou o ditador ou manteve-se indiferente aos acontecimentos.” (Andrade, Manoel Correia de, A Revolução de 30 - Da República Velha ao Estado Novo, p. 13)

Entrevistado nos anos 80, o idealizador da CLT, Segadas Vianna, expressou com clareza o cinismo da cultura política das elites jurídicas ligadas à classe dominante, mesmo durante a época áurea do populismo de Getúlio. 'Sindicalismo no Brasil é uma utopia, é uma farsa, não é? Naquele tempo ainda mais'.
(
French, J. D.: 45)
Pois são mesmo as "lideranças" sindicais que servem de esteio:
“A tutela e o controle dos sindicatos foram pré-requisitos para a consolidação do corporativismo societal no Brasil. Ângela Castro Gomes assinalou que as barganhas que produziam este pacto envolviam o controle da classe trabalhadora.”
(Costa, V.: 24)

Assim, a experiência da CLT parecia ser um caso de extrema hipocrisia, tão bem definida por La Rochefoucauld como 'tributo que o vício paga á virtude'. Nessa visão, todo o discurso fácil e vazio tinha uma intenção mais sincera e sinistra: desviar a atenção da violência e das desigualdades características da sociedade de classes no Brasil. Tentava-se, assim, iludir os trabalhadores com direitos imaginários, enquanto, simultaneamente, apertavam-se as algemas do controle estatal sobre o sindicalismo.
(French, J. D.: 32)
Longe de proteger os trabalhadores, a instituição legitima a mora do empregador. Ao reconhecer a rescisão ao nível sindical, ou judicial, o Estado enseja que o devedor cumpra sua obrigação apenas muito tempo depois, e via-de-regra com desconto, mercê dos acordos propostos pelas juntas de "conciliação" e julgamento. Qualquer relação laborial que aí recaia, só privilegia o devedor. Vai ver é exatamente por esta artimanha que o criador não temeu asseverar:
"Burgueses burros, não entenderam que eu estou querendo salvar a vida deles.” (Jorge, F. Getúlio Vargas e o seu Tempo: Um retrato com luz e sombra, p. 296)

A Constituição Vilã

Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com
vestes de ovelhas,
mas por dentro são lobos rapaces.
Pelos seus frutos os conhecereis.

S. Mateus
A anestesia, eficiente, duradoura, ainda é repetida e ampliada.
A “Constituição Cidadã”, de 1988, costurada pelos promotores do estelionato eleitoral ensejado pelo efêmero sucesso do Plano Cruzado, elenca 34 direitos do trabalhador. Não há menção em dever. E la nave vá:
Mesmo brasileiros versados no 'sistema CLT' e envolvidos com seu funcionamento freqüentemente expressaram preocupações similares sobre a natureza irrealista da lei trabalhista do país. Escrevendo para o público norte-americano em 1951, J. V. Freitas Marcondes notou, com um certo orgulho, que 'a nossa legislação social é avançada em comparação com a de outros países civilizados.' Entretanto, mesmo este membro do Instituto de Direito Social de São Paulo, oito anos após o estabelecimento da CLT, expressou preocupações sobre a 'avalanche de novas leis', e sugeriu que o Brasil poderia estar experimentando um 'um período de 'inflação' em termos de legislação trabalhista '. Ele também reconhecia como preocupação válida a crítica à 'abundância de leis trabalhistas no Brasil, muitas das quais carecendo de qualquer planejamento anterior' e que freqüentemente não tinham relação alguma com a realidade social; ao contrário, eram promulgadas elaboradas exclusivamente para os códigos, divorciados do povo e das instituições.
(Idem, p. 28.)
O engessamento
O modelo monopolista sindical que temos é fascista. Só que o corporativismo fascista falava, pelo menos, na harmonização dos interesses de toda a sociedade, em oposição à luta de classes que o ex-recente líder socialista Mussolini conhecia bem. Conseguimos combinar resíduos do corporativismo fascista com o mercantilismo colonial e acabamos reduzidos à condição de súditos, não de cidadãos.
(Vargas, Milton, História da Técnica e da Tecnologia no Brasil; cit. Makiyama, Marina, O Estado de São Paulo, 21/5/1995, p. D14)
“Mas a mania regulatória faz parte das tradições brasileiras. Não me esqueço do tempo em que tentaram criar a carteira de escritor, sem a qual ninguém poderia escrever nada, talvez nem mesmo cartas.” (Ribeiro, João Ubaldo, Não façamos mais nada - mania regulatória faz parte das tradições, O Estado de São Paulo, de 22/10/1995, p. D7.)
Ao Juiz Antônio Alvares da Silva, Professor da Universidade Federal de Minas Gerais e ex-integrante do TRT da 3. Região, não há dúvidas:
“A Justiça do Trabalho transformou-se numa imensa estrutura burocrática com um fim em si mesma, servindo a diversos corporativismos”. (Um projeto para a justica do trabalho, jornal Síntese, ed. Síntese, Porto Alegre, março de 1997: 21)
Coexistem incontáveis e respeitáveis depoimentos:
O problema da autodeterminação profissional deve, pois, ser posto como um ideal a ser atingido, ou um dos postulados fundamentais da praxis democrática, envolvendo quesitos delicados que nem sempre tem merecido a devida atenção dos estudiosos de filosofia social, o que constitui grave lacuna, pois, indo-se até as raízes de seu enunciado, representa ele a expressão concreta da liberdade de trabalho, ou, por outras palavras, do trabalho sob o prisma da liberdade.
(Reale, M., Pluralismo e Liberdade: 184.)
As novas relações excedem qualquer represa codificadora:
Uma coisa é certa, a hora uniforme do relógio não é mais pertinente para a medida do trabalho. Essa inadequação há muito era flagrante para a atividade dos artistas e dos intelectuais, mas hoje se estende progressivamente ao conjunto das atividades. Compreende-se porque a redução do tempo de trabalho não pode ser uma solução a longo prazo para o problema do desemprego: ela pereniza, com um sistema de medida, uma concepção de trabalho e uma organização da produção condenadas pela evolução da economia e da sociedade. Só se pode medir – e portanto remunerar – legitimamente um trabalho por hora quando se trata de uma força de trabalho-potencial (já determinado, pura execução) que se realiza. Um saber alimentado, uma competência virtual que se atualiza, é uma resolução inventiva de um problema numa situação nova. Como avaliar a reserva de inteligência? Certamente não pelo diploma. Como medir a qualidade em contexto? Não será usando um relógio. No domínio do trabalho, como alhures, a virtualização nos faz viver a passagem de uma economia das substâncias a uma economia dos acontecimentos. Quando irão as instituições e as mentalidades acolher conceitos adequados? Como aplicar os sistemas de medida que acompanham esta mutação?
(Lévy, P.: 61)
Não é hora do despertador tocar?
_____

Nenhum comentário:

Postar um comentário