quinta-feira, 10 de abril de 2008

Perón, Keynes e a corrupção

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Sob a rubrica social, a elevação dos impostos e extorsões empresariais colocaram a pujante Argentina de joelhos. Nada de novo no front: Dionísio (405-367), o tal Tirano de Siracusa e pupilo de Platão, "taxava tão pesadamente os cidadãos que, segundo Aristóteles, chegava a confiscar toda a propriedade deles." ( Pipes, 2001: 281)
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A cabeceira da esperteza
Na quebra do padrão-ouro, Roosevelt pode aplicar o grande golpe monetário proposto por Keynes: emitir dinheiro à vontade, independentemente de lastro, e assim financiar um vasto programa de ações pretensamente social. Não fossem os despojos auferidos de Japão e Alemanha, por certo o pujante Eua estaria em frangalhos, mas a artimanha dos 30 criou asas.
Diante da receita importada, os trabalhadores argentinos passaram a exigir melhores salários, não no endereço de quem lhes empregava, mas nos camarins matreiros dos promulgadores legislativos, os novos promotores da “riqueza”. Exigências, acordos sindicais e governamentais por um lado cresciam; por outro, o próprio governo os desvalorizava.
A macroeconomia argentina (na verdade macrogasto) aplicava a receita dos formados pelas faculdades keynesianas. Vendido em qualquer boteco, o remédio inflacionário diminuía a febre, aumentava a resistência, mas prolongava o sofrimento:

A desordem monetária, produzida pelas intrépidas teses keynesianas, teve como conseqüências a inflação, a desorganização institucional, a diminuição real do lucro e, por conseguinte, o empobrecimento dos assalariados. O investimento social, concebido como uma partilha autoritária da riqueza no nível microeconômico ou como programa estatal financiado com emissões monetárias, só provoca a depressão social. Neste caso, a raposa no galinheiro não é o empresário, mas o Estado, que depena as galinhas sem misericórdia. (1)
No poleiro, em vez das galinhas, gordos negociantes:
Quando o governo não se subordina a normas gerais de conduta, ele passa a ter uma interferência intensa na economia, ou através de medidas indiretas; em conseqüência, perde o indivíduo segurança na condução de seus afazeres, diminui o ritmo de progresso da sociedade como um todo, cresce a incerteza no dia a dia da vida das pessoas e intensificam-se. O fascismo e toda a espécie de totalitarismo leva o hábito dos grandes negócios entre o abuso, os desmandos, a corrupção e o arbítrio por parte dos homens de mau caráter que fatalmente acabam empoleirando-se em todos os galhos do poder governamental desregrado. (2)
Ao cabo, Evita tinha a propriedade de 4 rádios e dois grandes jornais.
O “Peronismo” envolvia completamente a outrora livre, culta, educada e rica Argentina tingindo-a com um fanatismo nacionalista achado nas circunstâncias européias, por ali nunca presenciadas:
No poder, Perón promulgou extensa legislação que aumentou o padrão de vida, salários, regalias, férias e segurança social dos trabalhadores. Também promulgou o Estatuto del Peón, para beneficiar trabalhadores rurais. Esse conjunto de leis tratava dos dias de descanso, alojamento, salário-mínimo, assistência médica e demissões não justificadas. A principal base institucional do peronismo eram os sindicatos, completamente dominados por seus adeptos, alcançando grandes proporções e funcionando como verdadeiras agências da contratação coletiva de trabalho apoiadas pelo Estado. Todas estas medidas foram acompanhadas de um nacionalismo extremado, forte ênfase no papel dominante do líder, ideologia corporativa, demagogia populista e falta de respeito pelo constitucionalismo e tradição. (3)
O francês Guy Sorman comenta o desempenho argentino, mas suas palavras poderiam ser usadas para descrever a Itália Fascista ou o Brasil do Estado Novo:
Perón será o modelo de muitos caudilhos da América Latina e seu fascismo para uso do Terceiro Mundo fará mais escola. O peronismo não pretende ser somente uma estratégia do desenvolvimento; ele é, também, me explica Taccone, um projeto social, uma tentativa original de associar os trabalhadores a industrialização, sem cair na luta de classes e sem romper a tradição católica: uma reconciliação entre os valores tradicionais e o mundo moderno. O peronismo iria salvar a Argentina do comunismo! Aliás, acrescenta Juan José Taccone, essa filosofia esta tão intimamente ligada ao destino nacional, que todos os governos depois de Perón continuaram a fazer o peronismo, com ou sem ele. (4)
O Nacional-industrialismo parece-me responsável não só pelo declínio econômico, mas também pela violência na Argentina. Os primeiros a explodirem bombas em Buenos Aires foram os peronistas de esquerda, que pretendiam purificar a sociedade: foi com Perón que o país enveredou pelo ciclo do terrorismo e da repressão, do qual não saiu mais. A retórica peronista, chamando as multidões urbanas de 'progressistas' e definindo os camponeses como 'reacionários', levantou uma contra a outra as duas tradições argentinas - a diversidade contra a da unidade a qualquer preço: a estratégia econômica nacionalista é indissociável da brutalidade social que provocou. (5)
Depois liquidar reservas, descapitalizar o país, abalar o balanço e o ritmo de pagamentos, comprometer a moeda, o sistema financeiro, fabril, pecuário, estudantil, previdenciário, Perón se mandou:
“Em 1951, em pleno governo, boatos de golpe de Estado fizeram Perón sair correndo da Casa Rosada para refugiar-se na embaixada do Brasil, de onde sua mulher teve de tirá-lo pelas orelhas para ele voltar a seu lugar.” (6)
Em 52, com uma Evita cancerosa a apelar para o coração argentino, a novela peronista retornava aos lares platinos. Em seguida, morreu a mártir, servindo para marketing até no post-mortem. Curiosamente, o fim do colega brasileiro foi idêntico, e quase simultâneo.
O velório da atriz se estendeu por dez dias; no cortejo, milhões. Seus restos mortais ainda peregrinaram pelo Velho Mundo, retornando ao Prata por desejo de Isabellita, novo blefe, pretensa clone.
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A bagunça
Depois de comer na mesa farta do colega Getúlio, Perón voltou reforçado, ainda mais radical: sentindo lhe faltar a base porque a perna curta da mentira lhe impedia de alcançar o rés do chão, Perón tocou a demagogia econômica keynesiana diretamente para a tirânica política fascista: dissolveu a Suprema Corte e se alçou nos controles de comunicação de massa - rádios e até mesmo jornais, como o La Prensa, o maior periódico da América Latina. Não ficaria só aí. As universidades foram corrompidas; o Jockey Club incendiado por suas gangues em 53, teve destruída a biblioteca e coleção de arte. No ano seguinte, Perón voltou-se contra o catolicismo. Em 55, duas belíssimas igrejas - S. Francisco e Santo Domingo foram demolidas por arruaceiros, tudo em nome do social. Foi a gota d’água. Ataques aéreos desentocaram-no do palácio. Perón acabou fugindo de novo, desta feita numa canhoneira paraguaia. Seus sucessores, como no Brasil, nunca mais restauraram o governo de democracia; apenas arremedos. Continuava a permissão e até a solicitação pelo estado da espada. A redundância argentina prevaleceu.
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Conseqüências
Trinta anos de governos militares culminaram no desafio inócuo e estéril, porém trágico, da tomada das diminutas e distantes ilhas Falklands. O combate contra a Inglaterra foi encarado como se os platinos, recém proclamados campeões mundiais de futebol, cotejassem apenas mais uma simples porfia esportiva. Não se tratando apenas de uma partida de onze contra onze, amargou a Argentina uma acachapante e previsível derrota, tragédia e lágrimas de mães desesperadas pela perdas, muitas adolescentes, colocadas numa frente de batalha absolutamente fútil.
Hoje, amarga o rico vizinho uma depressão considerável, levado por “peronistas-keynesianos” invertidos que aplicam o enxugamento monetário para aprisionar seu desiludido povo, algo que nosotros, “macaquitos(7), também aceitamos.
Sob o titulo “La salida para la crisis es otra: alentar el crecimiento”, o economista argentino J. Schvarzer comenta a teimosia:
Treinta anos después un Presidente de los Estados Unidos afirmaba que 'todos somos keynesianos' en el preciso instante en que se iniciaba el regresso de la ortodoxia, el propio exito del modelo keynesiano llevo a la desmesura. El discurso argentino actual es muy semejante al repetido a comienzos de la decada del treinta. La experiencia muestra que la crisis se autoalimenta. (8)
A Argentina mantinha os tais depósitos compulsórios sobre 35% das poupanças individuais, enquanto obrigava aos bancos aplicarem 15% no Deutsche Bank de Nova York, no Banco Central ou em Letras de Liquidez Bancária. (9)
Por que seriam estas duas instituições as privilegiadas? Bem, é fácil supor. Sabe-se o modo como se administram as finanças do vizinho país. Em nada se diferencia de nosotros:
“Escândalo derruba diretoria do BNA - O Banco de la Nación Argentina (BNA), o maior banco do país, ficou ontem sem diretoria. Sob o impacto das denúncias de uma concorrência ilegal ganha pela IBM para o projeto de informatização do banco, toda a diretoria foi forçada a se afastar.” (10)
Cavallo pede prisão para o secretário de Menem - O ex-ministro da Economia, Domingo Cavallo, reiterou ontem que Alberto Kohna, secretário-geral da Presidência, deveria estar preso por corrupção. Kohan é colaborador íntimo do Presidente Menem. Cavallo disse que, no ano passado, afirmou, em frente ao Presidente e ao próprio Kohan, saber do pagamento de comissões ilegais em um contrato anulado entre o Banco de La Nación e a IBM. (11)
Argentinos não confiam no seu poder Judiciário - Buenos Aires - O Poder Judiciário argentino inspira pouca ou nenhuma confiança ao povo, depois das denúncias de corrupção ou de sujeição de muitos juizes aos desejos políticos de Carlos Menem e alguns de seus ministros. Pesquisa do Gallup informa que 89% da população pouco ou nada confiam na Justiça. (12)
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Complete o quadro apreciando:
A introdução do fascismo na Argentina
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A introdução de Keynes no Brasil

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O desenvolvimento de Keynes no Brasil
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A renovação do infortúnio

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Notas
1. Mendoza, Plinio Apuleyo, Montaner, Carlos Alberto, Llosa, Alvaro Vargas, p. 128.
2. Maksoud, Henry, Demarquia: um novo regime político e outras idéias, p. 48.
3. Lipset, Seymour Martin, ob.cit. p.178
4. Sorman, Guy - A Nova Riqueza das Nações, p. 41.
5. Idem, p. 47.
6. Mendoza, Plinio Apuleyo, Montaner, Carlos Alberto, Llosa, Alvaro Vargas, p. 264.
7. Termo usado por periódicos esportivos argentinos referindo-se a atletas brasileiros.
8. Schvarzer, Jorge, El Clarin, 25/10/1995, p. 17.
9. Zero Hora, Porto Alegre, 26/11/1995, p. 3.
10. O Estado de São Paulo, 6/11/1995.
11. Correio do Povo, 16/12/1996, p. 12.
12. Correio do Povo, 4/11/1996, p. 7.

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