sexta-feira, 18 de abril de 2008

A microimaginação da macroeconomia


Acabamos por nos tornar um laboratório de ilusões falidas. Nossa maior virtude é a criatividade; no entanto, não temos feito muito mais do que viver doutrinas requentadas e guerras alheias, herdeiros de um Cristóvão Colombo desventurado, que nos encontrou casualmente quando estava à procura das Índias. Gabriel Garcia Marques *
-O TOTALITARISMO político perdeu seu apelo em 1945. O sepulcro do totalitarismo econômico foi coberto com as pedras do muro. Os originais totalitarismos foram extintos. É a vez dos clones: "Em um esforço para salvar um dos animais que mais correm perigo de extinção, o rinoceronte branco do norte, cientistas britânicos querem recorrer a técnicas de clonagem."
Se não der o branco do norte, serve o preto do sul mesmo, desde que camuflado com pele de carneiro.
A teoria econômica veio a ser uma ampla empresa de terrorismo intelectual, cujo aspecto pseudo-científico serve, na realidade, de coerção para excluir todos os verdadeiros problemas da sociedade contemporânea. Seu exagerado profissionalismo, herdado de sua mitologia científica, e todo o aparato matemático que a rodeia, servem para mascarar seu objetivo ideológico, que transforma sua disciplina numa máquina para estabelecer as leis das relações de força que existem na sociedade, numa civilização materialista e produtivista, orientada totalmente para a acumulação de bens materiais. Seu dinamismo serve, na realidade, para legitimar a posse do poder em mãos daqueles que dominam o aparato produtivo, quer seja a tecnocracia, nos países ocidentais, ou a burocracia planificadora, nos países socialistas. GUILLAUME. MARC & ATTALI, JACQUES, cits. GOYTISOLO: 94

Diante da despudorada manipulação internacional, a brasileira se julga capaz na contradança na batida dos juros, os maiores do planeta, já por uma geração. Maior disparate será impossível. Se nada podemos fazer, a História se encarregará de remexer os túmulos da cruel insensatez. Nossos netos por certo saberão se livrar desse carma essencialmente platônico-maquiavélico, característico de nossa silvilização.
A década de 60 exigia que a imaginação chegasse ao poder, mas aos pastores do pasto-verde isso não interessa. Como propor outro caminho aos chapeuzinhos da nova geração? Então saem por aí a apregoar, pela imprensa, publicações e conclaves, as certezas de que o caminho da floresta é o mais seguro, porque já conhecido. Como no roteiro de Maquiavel, e daquele lobo malvado, o epílogo não é feliz. A elevação do juro retroalimenta a depressão por estrangulamento progressivo: “O juro não depende do valor da moeda, mas da sua quantidade”
(Smith, A., Inquérito sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, 1999: 26).
O trem da Central, contudo, inverte o trajeto:
"A demanda de moeda depende da taxa de juros! O palco está armado para o Sr. Keynes" (Hicks, O Sr. Keynes e os Clássicos: uma Sugestão de Interpretação, Hilferding: 149).
Os maquinistas sabem que tal composição leva a um labirinto, quando não ao despenhadeiro, mas acenam com baldeação: no fim do trilho, na rampa, prometem o flamante Zeppelin: “A longo prazo estaremos todos mortos.” (Keynes, J. M., cit. Mises, Ludwig von, As Seis Lições, p. 52) Enquanto vivos, no trajeto demonstram que nada supera o modelito importado, quando o For the bigode entrou no campo para devastar a plantação:
Estamos hoje no meio da maior catástrofe econômica – a maior catástrofe devida quase inteiramente a causas econômicas – do mundo moderno. Sustenta-se em Moscou a idéia de que é a crise final, culminante no capitalismo e que nossa ordem existente da sociedade não sobreviverá a ela.
(Keynes, cit. Strathern: 224).
Keynes livrou o mundo das garras bolcheviques, para entregá-lo à volúpia mercantilista:
Nos anos 60 o keynesianismo foi universalizado, 'alcançou seu potencial', num sentido duplo: o uso da política fiscal para equilibrar as economias foi estendido à França, Itália, Alemanha e, em menor escala, ao Japão; e essa política tornou-se mais ativa e ambiciosa à medida que renascia o receio de recessão. De modo geral, enquanto o interesse dos primeiros keynesianos se concentrava em garantir o pleno uso dos recursos existentes, os keynesianos dos anos 1960 procuraram garantir o pleno uso dos recursos potenciais - i.e., o crescimento da capacidade produtiva da economia, com o objetivo de conter a inflação de custos e satisfazer as 'exigências' sociais, cada vez maiores, sentidas pela economia. O que David Marquand (1988) chamou de fase democrática social do keynesianismo, está associado a uma guinada política para a esquerda e o uso sério, pela primeira vez, da política fiscal, deslocando-se a ênfase na demanda do setor privado para o público. O orçamento tornou-se, simultaneamente, uma peça da administração da demanda, do crescimento e da previdência social. A partir dos anos 60 a participação dos gastos públicos no PIB começou a subir em toda a parte
(Skidelsky: 136).
E o que apuramos?
Desde que a guerra contra a pobreza começou em 1965, os governos federal, estaduais e locais gastaram mais de 5,4 trilhões lutando contra a pobreza neste país. Quanto dinheiro vem a ser US$5,4 trilhões? São 70 por cento a mais que o valor do custo da II Guerra Mundial. Com US$5,4 trilhões você pode comprar todas as 500 empresas mais bem-sucedidas, Fortune e todas as terras cultiváveis dos Estados Unidos. Já a taxa de pobreza está realmente mais alta hoje [1996] do que em 1965.
(Pipes, 2001: 328).
Na casa de Patinhas o leitmotiv é azêdo. Ele conta, e esconde a moeda. Nada produz. A criatividade é nula:
O modelo keynesiano acabou sendo totalmente assimilado pela corrente principal do pensamento econômico. Em sua maioria, os economistas tentam hoje fazer uma 'sintonia fina' da economia, aplicando os remédios propostos por Keynes: imprimir dinheiro, aumentar ou baixar as taxas de juros, cortar ou aumentar impostos, e assim por diante.
(Hedersen, Hazel, cit. Capra, 1995: 206).
Na Central do Brasil também não é necessário pensar, nem deliberar; basta querer:
O pensamento econômico contemporâneo é esquizofrênico. A teoria clássica foi quase virada de ponta-cabeça. Os próprios economistas, quaisquer que seja suas convicções, criam ciclos econômicos mediante suas políticas e previsões.
(Capra, 1995: 207).
O ex-social-democrata Eduardo Mascarenhas confirma a predileção nacional:
Inspirados por essas certezas keynesianas, desenvolvimentistas e social-democráticas - já amplamente consensuais - Estados Unidos, Itália, Espanha, França e Inglaterra, além de vários países latino-americanos, entre os quais o Brasil, apertaram o gatilho e dispararam políticas desenvolvimentistas, trabalhistas e sociais.
(Mascarenhas: 130).
É admirável, passados 80 anos do lançamento do bigode; 60, de sua raspagem; 40, do anúncio de uma nova face; e 20, da comprovação da eficácia da cara limpa, ainda busquemos naquela velha tática, que tanto convinha aos gangsters, a solução à produção, só porque estamos tomados, de novo, pelas quadrilhas:
O que agora excita o espírito agressivo dos novos liberais é o efeito, considerado desastroso, das políticas keynesianas adotadas pelos Estados econômica e politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos social-democráticos ou trabalhistas. Nestes últimos anos lemos não sei quantas páginas sempre mais polêmicas e sempre mais documentadas sobre a crise deste Estado capitalista mascarado que é o Estado do bem-estar, sobre a hipócrita integração que levou o movimento operário à grande máquina do Estado das multinacionais. Agora estamos tendo outras tantas páginas não menos doutas e documentadas sobre a crise deste Estado socialista igualmente mascarado que, com o pretexto de realizar a justiça social (que Hayek declarou não saber exatamente o que seja), está destruindo a liberdade individual e reduzindo o indivíduo a um infante guiado do berço à tumba pela mão de um tutor tão solícito quanto sufocante.
(Bobbio, O Futuro da Democracia: 132).
Esquerdistas de vanguarda, finalmente, recebem a luz do novo milênio:
Ao destacar os limites de um liberalismo que tangencia, mas nunca incorpora devidamente, o socialismo, Perry Anderson deposita suas esperanças em um marxismo renovado, capaz de aprofundar, em seu projeto de socialismo, os valores e as instituições da democracia liberal." (Afinidades seletivas; Seleção e apresentação, Emir Sader; tradução, Paulo Cesar Castanheira. - São Paulo : Boitempo, 2002; cit. Musse, Ricardo, Um marxismo renovado; Folha de São Paulo. 9/11/2002.)
A prevalência científica da Mão Invisível sobre o planejamento em larga escala, a ação da mão boba visível do Estado, provém do prosico motivo:
"Os sistemas matemáticos não podem dar conta de todas as verdades matemáticas; haverá sempre um conjunto de axiomas que estará fora de seu sistema." (Ciro Marcondes Filho, A razão durante: o movimento como substância das fronteiras)
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*Ilusões para o Século 21. - Folha de São Paulo, 14/3/1999: 1/3.

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