sábado, 5 de abril de 2008

Maquiavel com Bacon

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MAQUIAVEL, os franceses Jehan Bodin, o grande bispo e “ornamento da Igreja em França”, Bossuet, em seguida Jean-Jacques Rousseau e os inglêses Bacon & Hobbes - que laço intelectual pode reunir esses atores tão díspares, com tantas diferenças de época e lugar? Esta ligação existe, sim senhor, e é fortíssima: todos, em última análise, e por diversas maneiras, servem a causa do poder irrestrito de um só,  razão do absurdo, digo do absoluto, do absolutismo. .
Auto-retrato do pintor irlandês
Francis Bacon (1909-1992),
homônimo do "Carrasco da Natureza".
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BACON VEIO AO BANQUETE; não o saboroso alimento, mas  Sir Francis Bacon (1561-1626), professor de Direito, Cavaleiro de Jaime I, Procurador-Geral do Reino, Lord Chanceler e Barão de Verulam, integrante da Câmara dos Comuns de 1584 em diante e autor, dentre outras façanhas de baixo-calão, do Novum Organum: aforismos sobre a interpretação da natureza e do reino do homem(1620), e Nova Atlântida: o mundo da ciência.- Na dedicatória de  ‘O progresso da sabedoria’ (1605) a Jaime I, sir Francis Bacon declara que "de todas as pessoas ainda vivas que conheci, sua Majestade é o melhor exemplo de um homem que representa a opinião de Platão de que todo o conhecimento é apenas memória." 
Embora Platão tenha expressado essa definição como alegoria à sua crença na imortalidade da alma* e Bacon como parte de um astuto plano para obter certos favores do rei (que por sinal, funcionou muito bem), podemos nos referir a elas como uma alegoria à enorme importância que o pensamento grego exerceu e infelizmente ainda exerce no desenvolvimento da cultura ocidental, um desenvolvimento paranóico, esquizofrênico, porquanto cresce tanto na direção ao suicídio, ao massacre, à liquidação ecológica quanto a glória. de um conhecimento sempre suscetível de reforma e ampliação, portanto, com viés ascendente.
Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglêsa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico. Pelo relato de um antiquário seu contemporâneo, sabe-se que Hobbes, em certas ocasiões entre 1621 e 1625, secretariou Bacon ajudando-o a traduzir alguns de seus Ensaios para o latim. COBRA, Rubem Q., Thomas Hobbes, Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.
Ambos reforçaram o polo material, cuja força e praticidade se impunham incontestáveis sobre qualquer especulação,  sempre improvável.
Temos uma grande dívida para com Maquiavel e alguns outros, que descreveram o que os homens fazem e o que não deveriam fazer, pois não é possível unir a duplicidade da serpente e a inocência da pomba, quando não se conhecem exatamente todos os recursos da serpente: sua baixeza rasteira, sua flexibilidade pérfida, o ódio que afia o dardo. FRANCIS BACON.
O objetivo da ciência passava a ser aquele conhecimento que podia ser usado para dominar a natureza. O elevado fim justificava qualquer meio. A natureza, na opinião de todos, mormente a Bacon, tinha que ser ‘acossada em seus descaminhos’, ‘obrigada a servir’, ‘escravizada’. Devia ser ‘reduzida à obediência’ e o objetivo do cientista era ‘extrair da natureza, sob tortura, todos os seus segredos’. " Segundo a maior parte dos críticos, os Ensaios constituem o retrato mais real de Bacon. Encerram um repositório de conhecimentos teóricos das paixões e da natureza humana, aproximando-se do maquiavelismo. Esse maquiavelismo que se esconde nas entrelinhas das opiniões dos Ensaios, foi uma constante na vida real do autor." (3) O iluminista CARTA XII de VOLTAIRE – Sobre o chanceler Bacon detonou:
A mais singular e a melhor de suas obras é aquela hoje menos lida e mais inútil; quero referir-me ao seu Novum scientiarum organum. Foi o arcabouço com o.qual se construiu a filosofia moderna; e quando o edifício ficou terminado, pelo menos em parte, o arcabouço não se tornou mais necessário. O chanceler Bacon não conhecia ainda a natureza; mas sabia e indicava todos os caminhos que levam a ela. Havia desprezado, em boa hora, aquilo que as universidades chamam de filosofia, e fazia tudo que dele dependia para que essas agremiações instituídas para o aperfeiçoamento da razão humana não continuassem a ser estragadas pelas suas "quididades", seu "horror ao vácuo", suas "formas substanciais" e todos esses vocábulos impertinentes que não somente a ignorância tornara respeitáveis, mas um acordo ridículo com a religião tornara sagrados também. Bacon é o pai da filosofia experimental. Decerto, antes dele já se havia descoberto segredos espantosos. Tinha-se inventado a bússola, a imprensa, a gravação de estampas, a pintura a óleo, o espelho, a arte de restituir, até certo ponto, a vista aos velhos, por meio de lunetas chamadas óculos, a pólvora para o canhão, etc. Havia-se procurado, encontrado e conquistado um novo mundo. Quem não imaginaria que essas notáveis descobertas tivessem sido feitas pelos maiores filósofos, em épocas bem mais esclarecidas do que a nossa? Pois tal não se deu: foi no tempo da mais estúpida barbaria que tão grandes transformações se realizaram sobre a terra. O acaso, somente, produziu quase todas essas invenções; e há mesmo muitos indícios de que aquilo que chamamos acaso desempenhou grande papel na descoberta da América; pelo menos acreditou-se haver Cristóvão Colombo empreendido sua viagem confiando apenas num capitão de navio que uma tempestade havia atirado à costa, à altura das ilhas Caraíbas. 
 “Bacon não foi um desses grandes homens dos quais podem se admirar igualmente pensamento e atividade.” Para o historiador Wilhelm Windelband (1848-1915): "O esplendor da vida de Bacon foi prejudicado por manchas de graves defeitos morais.”
O bajulamento à Côrte, receita do Secretário Florentino, lhe rendeu, além das homenagens e dos banquetes, propinas, subornos e atos corruptos, fatos que precipitaram sua demissão por confissão e confinamento na London Tower. Sua fama correu o tempo e o espaço. Da capital britânica, depois de mais de século, Voltaire ainda mandava notícias:
Sabeis, senhores, que Bacon foi acusado de um crime que não é próprio de um filósofo: o de deixar-se corromper pelo dinheiro. Sabeis que a Câmara dos Lordes condenou-o a uma multa de aproximadamente quatrocentas libras (em nossa moeda) e a perder sua dignidade de chanceler e de par.
Bacon, provado mau-caráter, neste fim-de-carreira destituído e preso por corrupção, não tinha pudor em desfraldar a bandeira da cascavel:
Temos uma grande dívida para com Maquiavel e alguns outros, que descreveram o que os homens fazem e o que não deveriam fazer, pois não é possível unir a duplicidade da serpente e a inocência da pomba, quando não se conhecem exatamente todos os recursos da serpente: sua baixeza rasteira, sua flexibilidade pérfida, o ódio que afia o dardo. (4)
Paulo Nader corrobora-nos, e inclui mais dois famosos caroneiros:
O relato recente da filosofia positiva inicia-se com a análise, na segunda metade do século XIX, da reação ao realismo transcendental, especialmente de Hegel; o antigo, porém, recua ao século XV, com a política prática de Nicolau Maquiavel, ao século XVI, com o método experimental de Francis Bacon e ao século XVII, com o materialismo de Thomas Hobbes. (5)
A Nav's ALL vai detonar este materialismo, atingindo seus pilares, paredes e telhados.

O papel de Maquiavel

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Notas
3. Bacon, F., cit. Andrade, José Aluysio Reis de, tradutor e consultor de Bacon, Francis, Novo organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza, p. 8.
4. Maquiavel, Nicolau, cit. Bacon, Francis, Advencement of Learning, 1629, II, XXXI.
5. Nader, Paulo, p. 173

Um comentário:

  1. Muito interessante o ensaio. Expoe o tema de maneira fluída e crítica. As informações citam fontes confiáveis. Muito massa! Valeu!

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