sábado, 12 de abril de 2008

O golpe da Polaca

-
A faculdade de enganar que Getúlio revelou, conquanto conhecida, ainda hoje me espanta. Desafia comparação. Nunca em tempo algum houve que iludisse tanto, tantas vezes ao mesmo tempo. Enganava não só os tolos, mas os sábios também.
Gilberto Amado, Depois da Política, p. 109, cit. em Jorge, Fernando, p. 116
-
-
A U.R.S.S. apavorava o mundo dos mortais. Mussolini
(cit. G. de Almeida Moura, O Fascismo Italiano e o Estado Novo Brasileiro, www.ebooksbrasil.org/eLibris/fascismoit.) ensinara como poderia enfrentar o a balbúrdia e furor bolchevique:
É o Estado quem deve educar os cidadãos para a vida civil, tornando-os conscientes de sua missão, e convidando-os à unidade; harmoniza-lhes os interesses na justiça; transmite as conquistas do pensamento, nas ciências, nas artes, no direito, na humana solidariedade; conduz os homens, da vida elementar da tribo, à mais alta expressão humana de poder, que é o Império; conserva para os séculos o nome dos que morreram pela sua integridade ou para obedecer às suas leis; indica como exemplo, e recomenda às gerações que vierem, os capitães que o acresceram de território e os gênios que o iluminaram de glória. Quando declina o senso do Estado e prevalecem as tendências dissociadoras e centrífugas dos indivíduos e dos grupos, as sociedades nacionais se dirigem para o ocaso.
Gegê, mero estancieiro fronteiriço, cadete de colégio militar, mesmo com diploma jurídico, nem tinha tanta capacidade assim, e nem precisava: bastaria aplicar o estratagema que estava dando certo. O mesmo fantasma colorido de vermelho e armado de foice e martelo justificava sua presença:
O Presidente se transformava em ditador e falaria à nação justificando seu ato como desejo de livrar o país da desagregação e do domínio comunista. Nesta mesma ocasião, imitando o primeiro Imperador do Brasil, ele outorgava ao País a nova Constituição, elaborada pelo jurista Francisco Campos, que era nomeado seu Ministro da Justiça.
Andrade, Manoel Correia de, A Revolução de 30 - Da República Velha ao Estado Novo, p. 85
Nada, portanto, foi elaborado. Tudo foi copiado, e monitorado.

O Golpe
Precisamente em 27 de novembro de 37, Getúlio Vargas logrou anular a sábia solução norteamericana para a prevalência da democracia em grandes extensões territoriais. O ético e científico regime federalista era implodido pelo dialético e cientístico oportunista. A Polaca* determinava apenas um hino, uma bandeira, um brasão. “Só existia uma Pátria”; bastava um feitor.
A queima das bandeiras dos estados, ato cívico teatral e pomposo, projetava, unicamente, o enorme pavilhão nacional, meticulosamente desenhado em figura geométrica remetente ao centro, onde fulgura o portentoso dístico positivista - Ordem e Progresso.
A atitude afrontou todas as tradições, especialmente as regionais, fato já rechaçado até por ser anticientífico, através de João Neves da Fontoura, há uma década do grande golpe:
Se a imposição de uma simetria implacável obriga as unidades federativas a se modelarem pela reprodução de inalterável figurino, a descentralização teria passado de um imperativo metafísico e não seria possível realizar, na esfera política, o ideal científico da unidade na variedade, isto é, a constância de certas linhas fundamentais na arquitetura constitucional, afeiçoadas em cada Estado, às necessidades e peculiaridades da vida regional, às sugestões da tradição local, aos anseios de culturas diversas e aspirações diferentes.
Discurso de 6/11/1928 - Geisel, Jorge Ernesto Macedo, Oportunismo e Reformas no Brasil. - Jornal do Comércio, RS, 9/1/ 1997 p.63
Ao programa da ditadura, explícita na ocasião, ou implícita, como ora padecemos, o que menos importa é a diversidade.
O apetite, gigantesco, envolto no ideal, foi saciado às custas da produção regional, cada vez mais esquálida, diante da avalanche de burocracia e rapinagem, também muita agiotagem.
O assalto liquidou com o federalismo, com a democracia e com o Estado de Direito.
O usurpador desse modo embrulhou a atônita Nação:
Nos períodos de crise, como o que atravessamos, a democracia de partidos, em lugar de oferecer segura oportunidade de crescimento e progresso, dentro das garantias essenciais à vida e à condição humana, subverte a hierarquia, ameaça a unidade da pátria e põe em perigo a existência da Nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil.
Acresce ainda notar que, alarmados pela atoarda dos agitadores profissionais e diante da complexidade da luta política, os homens que não vivem dela, mas de seu trabalho, deixam os partidos entregues aos que vivem deles, abstendo-se de participar da vida pública, que poderia beneficiar-se com a intervenção dos elementos de ordem e de ação construtora. O sufrágio universal passa, assim, a ser um instrumento dos mais audazes e máscara que mal dissimula o concluio dos apetites pessoais e de corrilhos.”
G. Vargas, cit. Costa, C., p. 107
Sufrágio universal confundido como apetite pessoal? Só mesmo por muita cara-de-pau.
O "mandato presidencial” foi estipulado de 4 para 6 anos. Até lá, poderia mudar, como de fato mudou, para eternizá-lo:
"A Nação é um organismo político, econômico e étnico (brasileiro?) e, portanto, a representação não pode ser exclusivamente política. O Sindicato deve ser pessoa de direito público. A economia deve ser dirigida pelo Estado. Deve-se dar função social à técnica capitalista e à propriedade. Unidade da federação. Representação política de caráter técnico.
Reale, Miguel, Perspectivas Integralistas, p. 42
O populismo
Todas as relações de comércio passaram a ser julgadas de acordo com essas “orientações” de Mussolini, Salazar, não sem lembrar das convenientes e oportunas ameaças de Marx.
O capital (“espoliativo”) “triturava a mão-de-obra”. “Os ricos só eram ricos por que havia pobres a sustentá-los”, essa estória repetida até a queda do muro. Fiel intérprete, Getúlio decretou o ordenamento:
O capítulo referente à ordem econômica orientava o governo no sentido corporativista, inspirada na 'Carta del Lavoro' fascista; criava contratos coletivos de trabalho, salário mínimo, acabava com a pluralidade sindical, agora centralizada pelo Ministério do Trabalho, etc.
(Costa, Vanda Maria Ribeiro, p. 84.)
"Em 1939, o industrial paulista Roberto Simonsen relacionou a proliferação de leis trabalhistas irreais à imitação cega de modelos estrangeiros inadequados e à completa ausência de conhecimento prático de economia por parte dos bacharéis." (Cit. French, J. D., p. 37.)
O gado foi ordenado pelos bretes positivistas:
A legislação social, a regorganização sindical de 1931, a criação dos Tribunais de Trabalho e Juntas de Conciliação, a representação classista, a liberdade sindical episódica de 1934, os conselhos técnicos setoriais e de assessoria governamental, a Carta de 37, a reorganização sindical de 1939, a Lei do Enquadramento Sindical de 1940, e, finalmente a Consolidação das Leis do Trabalho, documentam a institucionalização de um modelo de relações entre Estado e sociedade conduzidas vertical e hierárquicamente pelo Estado, conforme regras por ele estabelecidas.
(Costa, Vânia, p. 29)
Assim ficou decretada a via-cruxis do pequeno empresário, mas também da iludida classe operária, ao protesto do líder sindical Roberto Morena, ainda na década de 40 :
Muitas dessas leis foram produtos da cabeça do ministro do Trabalho e tiveram pouca relação com as coisas como elas eram. Certamente foram aprovadas sem consulta ao trabalhador e sem nenhuma discussão pública. Naquela época, como hoje, havia muita legislação, mas pouco cumprimento.
(Cit. French, J. D., p. 37)
Mussolini muito se preocupara com os operários. E como prova, mandou-os aos campos talados de minas e canhões. Na verdade, nenhum ditador, em época alguma, em qualquer lugar, respeito seu p´roprio povo, que dirá com ele se preocupar. O que lhes interessa, em qualquer hipótese, é tirar a máxima vantagem do poder, isto é, tomar o que puder da riqueza de quem produz à entourage que seduz:
O desempenho da burocracia do Ministério do Trabalho exigiu a criação de grande número de agências com áreas de competência (ou jurisdição) bem delimitadas, todas elas dispondo da autonomia necessária à execução de suas funções. O crescimento do número de funcionários (fiscais) subordinados a delegacias, subordinadas a departamentos – estaduais e nacionais – por sua vez subordinados a um conselho, subordinado ao ministro, criava múltiplas esferas de interação, produzindo as condições favoráveis à emergência de formas diversas de acomodação, conflito e barganha em torno da aplicação da lei.
(Costa, Vânia,p. 187)
A instalação da corrupção
No cabidão, entretanto, havia gancho para gregos e troianos, pelegos, trabalhadores e doutos, comunistas, fascistas, socialistas, cipó disposto exclusivamente à vigarice e extorsão. Macacos se refastelam:
A ação frenética dos fiscais, que afluíam para São Paulo atraídos pelos empregos criados pelo empenho fiscalizador do Estado, difundia o medo do fisco. Fiscais que não hesitavam em aplicar multas, muitas vezes recebendo-as diretamente, ‘encurtando’ o percurso burocrático que ia da intimação (local) à cobrança (federal).
( Idem, p. 121)
Johnson (p. 232) sublima:
“Os anos 30 forma uma época de mentiras heróicas.”
No caso brasileiro, contudo, esses anos de mentiras heróicas ainda permanecem, haja visto o sigilo imposto sobre os nababescos gastos do bizarro cartão-que-vale-milhão.
Outrosim, não houve, como não há, salvo melhor juízo, a menor sombra de heroísmo em qualquer mentira, muito menos nas de trinta, senão que a mais pura covardia:
“O país ficou entregue, como não é segredo para ninguém, a uma quadrilha de assassinos e torturadores e de gatunos profissionais, que tinham carta branca para a consumação dos crimes mais hediondos contra os adversários do regime.” (Silva, Hélio, A Crise do Tenentismo, p. 112/119; cit. Andrade, Manoel Correia de, A Revolução de 30 - Da República Velha ao Estado Novo, p. 86.)
Quase tudo se repete, mas naquela época se extrapolavam as barbáries:
Torturaram-se de maneira selvagem milhares de pessoas, prendeu-se indiscriminadamente, criaram-se viúvas de maridos vivos, baniram-se adversários, cometeram-se inomináveis torpezas. O Getúlio dos charutos, das piadas e dos sorrisos ante uma nação de basbaques foi simplesmente o mais hipócrita dos ditadores.
(Muniz, Edmundo, cit. Jorge, Fernando, p. 7)
Na ditadura Vargas, todos os direitos e garantias individuais foram suspensos. O livro Falta Alguém em Nuremberg, de David Nasser, elenca várias formas de torturas, como: esmagamento de testículos com alicates, extração de unhas e dentes, introdução de duchas de mostarda na vagina de mulheres, queima de seios com cigarros, introdução de arame nos ouvidos, aquecimento de órgãos genitais com maçarico e outras torturas cruéis, só superadas no Regime de 1964.
( www.expo500anos.com.br/painel_11.html)
Em nosso tempo, mais "civilizado", até jornalistas auferem fortunas sob a rubrica de "indenizações pelo cerceamento da profissão durante o regime militar".
As torpezas getulianas não ocasionaram reparações; ao contrário, foram todas confirmadas, especialmente o entulho fascista que legou à Nação, no qual fulgura, por absurdo ainda incólume, o antro de ignorância, recalque, politicagem, e oportunismo da hipócrita, porém formosa e bondosamente designada como "justiça" do trabalho.
Veja também:
Qüen, qüen do Plano Cohen*

A sordidez das leis de trabalho
Getúlio & Perón

________
* Ganhou a alcunha por ser cópia fiel do regime submetido à sofrida Polônia
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário