quarta-feira, 16 de abril de 2008

Da represa à empresa

Um governo fundado no princípio da benevolência para com o povo, como é o caso do governo do pai em face dos filhos, ou seja, um governo paternalista, no qual os súditos, como filhos menores que não podem distinguir entre eles o que lhes é útil ou prejudicial, são obrigados a se comportar passivamente, para esperar que o chefe do Estado julgue de que modo eles devem ser felizes, esse governo é o pior despotismo que se possa imaginar.  
I.Kant
O estilo de vida Web muda a natureza da relação entre empresas e clientes e entre governos e cidadãos. Em última análise, põe o consumidor-cidadão no comando da relação. *
Bill Gates (1) -
O FALSO DIREITO ruma à lata do lixo, por falta de objeto. Relações de parcerias, de intercâmbio,  redes e a própria Internet, até pela estupenda dinamicidade, não podem ser alvos, não estão ao alcance dos pastores do pasto-verde. Elas excedem qualquer represa codificadora.
Era uma vez
Na era das chaminés, nenhum empregado isolado tinha um poder significativo em qualquer disputa com a firma. Só uma coletividade de trabalhadores, unidos e ameaçando parar o uso de seus músculos, podia obrigar uma administração recalcitrante a melhorar o salário ou as condições do empregado. Só a ação em grupo podia reduzir ou parar a produção, porque qualquer indivíduo era facilmente intercambiável e, por isso, substituível. Foi esta a base para a formação dos sindicatos de trabalhadores.
(Toffler, 1992: 238)
The turning point
Ainda que não faltem críticas, especialmente à Fukuyama, Japiassú (Um desafio à Filosofia : pensar-se nos dias de hoje: 10/11) o compreende, com facilidade:
Pois o chamado ‘fim da história’ nada mais é do que a emancipação da multiplicidade dos horizontes de sentido. Um desses desafios é o de repensar o pensamento científico, libertando-o de sua ganga positivista, de sua mania contábil, a fim de instalar em seu seio a argumentação filosófica capaz de regular as relações do conhecimento científico com as demais modalidades de pensamento e ação. Outro, não menos importante, é o de pensar a modernidade. Porque esta não é um momento datado da história, definindo uma época. É o nome de uma ruptura, de uma crise relativamente à tradição. Estamos diante de uma nova episteme: da indeterminação, da descontinuidade, do deslocamento, do pluralismo (teórico e ético), da proliferação dos projetos e modelos, da ampliação de todas as perspectivas e do tempo da criatividade.
Só resta a alteração dos costumes:
Houve uma ruptura mundial com a tradição do ‘fordismo’, na qual a produção em massa reinava suprema e os trabalhadores individuais eram um fator de custo a minimizar. A nova abordagem da manufatura valoriza o indivíduo e as equipes de trabalhadores qualificados, constantemente treinados, capazes de assumir responsabilidades, de usar redes e de se organizarem em regime de autogestão os empregados terão, graças ao aumento de seus conhecimentos, uma fatia maior dos meios de produção.
(Dertouzos: 270/71).
Holanda e Nova Zelândia já suprimiram o “ordenamento”. Ninguém mais quer se ter mais patrão, antipática figura. E do emprego, não há quem não busque se livrar, malgrado o rosário de benesses que governos lhes arranjam. Grosso modo, é justamente do que trata Rifkin. (O Fim dos Empregos: o declínio inevitável dos níveis dos empregos e a redução da força global de trabalho.) A ex-ministra da Fazenda, Ruth Richardson** examina o ponto:
Um contrato de emprego não deve ser diferente de um contrato para comprar casa, comida ou mesmo de casamento. Em meu país liberamos o mercado e isso foi uma forma de libertarmos o trabalho. O herói da revolução na Nova Zelândia é o mercado de trabalho flexível. Nesse caminho a política econômica é reduzir os benefícios para não-ocupados. Tem de valer a pena conseguir um trabalho. Abolimos o monopólio que tinham os sindicatos, de forma que hoje a adesão é voluntária. Hoje, apenas um quarto da força de trabalho da Nova Zelândia é sindicalizado. (2)-
Para o fim da mediocridade
Torna-se oportuno o alerta do arrependido Kelsen:
“E, ainda que o fascismo e o nacional-socialismo tenham sido destruídos enquanto realidades políticas na Segunda Guerra Mundial, suas ideologias não desapareceram e, direta ou indiretamente, ainda se opõem ao credo democrático.” (3)
Nem suas ideologias, tampouco o desvirtuamento e a corrupção que produz através das suas flamantes instituições. Precisamos ir devagar com o andor. (O santo é de barro).
Ouçamos as distantes, porém atualíssimas palavras do grande Tocqueville:
Parece que os dirigentes de nosso tempo só procuram usar o homem a fim de realizarem grandes coisas; eu gostaria que eles tentassem um pouco mais produzir grandes homens; que dessem menos valor ao trabalho e maior ao trabalhador; que nunca se esquecessem de que nação alguma pode ser forte quando todos os que a compõem são fracos individualmente. Do mesmo modo que um professor talentoso libera capacidades nos alunos, um administrador com talento ajuda os trabalhadores a darem forma a capacidades iniciativas e criatividades potenciais. O administrador transformados encoraja nos outros à autodeterminação. (4)
H. G. Wells, lembrado por Aldous Huxley, no fim da II Guerra, também contava esse outro fim, o da mediocridade:
O cérebro do Universo e capaz de contar acima de dois. Os dilemas do intelectual-artista e do teórico-político tem mais de dois chifres. Entre a torre de marfim, de um lado, e a ação política direta, de outro, existe a alternativa da espiritualidade. Do mesmo modo, entre o fascismo totalitário e o socialismo totalitário existe a alternativa da descentralização e do empreendimento cooperativo - o sistema político-econômico mais natural à espiritualidade. (5)
Guido Beck manifestou sua esperança:
“E um dia a ciência cessará de ser instrumento manipulado pela repressão para se tornar um veículo de transformação do mundo em prol da libertação do homem.” (6)
Já flui a nova era. Mister escapulir, de uma vez, das boleadeiras***do caudilho de São Borja.

Complemente:
Leis do trabalho a caminho do fim
_________
Notas
"Com a Web, a possibilidade de tornar-se um agente autônomo não está limitada a atletas, artistas, atores e outros grandes nomes profissionais ou criativos; agora, quase todos os tipos de profissionais do conhecimento podem fazer isso. O mercado de trabalho de ‘agentes autônomos’, inclusive profissionais por conta própria, empreiteiros independentes e trabalhadores em agências temporárias já abrange 25 milhões de americanos.
A vantagem de trabalhar por conta própria é a diversificação: você tem menos probabilidades de ficar sem trabalho se tiver muitos empregadores, em vez de um só." (GATES, Bill, A empresa na velocidade do pensamento: como um sistema nervoso digital; tradução de Pedro Maia Soares, Gabriel Tranjan Neto; assessoria técnica Sylvia Meraviglia Crivelli. São Paulo: Companhia das Letras, 1999: 89).
* * Ruth Richardson viu “muito desemprego escondido no Brasil” e referiu-se às falhas estatísticas.
*** Boleadeiras: três bolas de couro unidas com tiras, também de couro, que formam um instrumento para ser atirado às pernas do quadrúpede, enrolando-se nelas, com o fito de derrubá-lo e subjugá-lo, sendo muito usada, no passado, por peões na lida de gado. Diante da manifesta estupidez e dano ao animal, a prática foi relegada apenas à lembrança das tradições, motivo de danças folclóricas . Elas fazem parte da herança que as tribos autóctones da região do Plata deixaram aos gaúchos. Entre todos os utensílios de caça e/ou armas utilizados pelos gaúchos, nenhum é mais característico e mais peculiar que as boleadeiras, sempre no plural, diga-se de passagem, peculiaridade que ainda mais raros conhecem.

1. Gates, Bill, p. 136.
2. Richardson, Ruth, Palestra no Forum da Liberdade, Porto Alegre, 18/3/ 1997 - Forum defende novas leis de trabalho.
3. Kelsen, Hans, A Democracia, p. 140.
4.Tocqueville, Alexis, cit. Ferguson, Marilyn, , p. 330.
5. Wells, H. G., Huxley, Aldous, cits. Ferguson, Marilyn, p. 211.
6. Beck, G., cit. Lopes, José Leite, Einstein: A paixão de um cientista pelos problemas sociais, in Einstein, editado por J. Chela Flores, tradução Antonio Augusto Passos Videira, Equinócio, Caracas, Venezuela: Ed. Universidad Simon Bolivar, 1979; cit. Videira, A. A e Moreira, Ildeu de Castro, p. 39.

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