sábado, 5 de abril de 2008

O medo de Hobbes

O riso é uma grave enfermidade da natureza humana, que toda cabeça pensante se empenharia em superar. Thomas Hobbes¹ 

Hobbes justifica racionalmente o poder absoluto, a partir duma concepção puramente materialista da natureza do homem, egoísta e perseguido por fobias. J.-J. Chevallier²
THOMAS HOBBES (1588 –1679) "foi um matemático, teórico político, e filósofo inglês." (Wikipédia). E foi hóspede do Palácio. Seus aposentos ficavam na extensão do corredor, à lo largo do corrupto Bacon. O suplicante do Leviathan nascera de parto prematuro, quando da aproximação da armada espanhola à costa britânica. O rebento era filho de um “vigário de pouca cultura e temperamento violento, que desapareceu em Londres quando Hobbes ainda era criança”. (Russel, Bertrand, 2001: 273)
Um dos efeitos do medo é perturbar os sentidos  e fazer que as coisas não pareçam o que são. MIGUEL DE CERVANTES 
Hobbes cresceu em Oxford, mas conviveu com atrozes coincidências: embora amigo íntimo dos Stuart (pelo menos se passava com tal) e até tutor de Lord Cavendish, presenciou a conspiração de Poudres, em 1605; o assassinato de Henrique IV, (1610) em Paris; as execuções de Strafford e Laud, a derrota naval de Naseby (1645); por fim, estava presente na execução do próprio “amigo” Carlos I (1648), para a ascensão do encomendado puritano Cromwell.
A tendência geral de todos os homens é um  perpétuo e irriquieto desejo de poder e mais poder que cessa apenas com a morte... Numa situação de conflito as pessoas sábias e sutis estão em desvantagem em relação aos que usam a força, já que estes agem e atacam imediatamente, sem perder tempo com planos. HOBBES, T., The Leviathan, ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil, Um irriquieto desejo de poder em todos os homens
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. Idem,  cap. 17.
"A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin." (Brett, R. L.: 29)“A última conseqüência lógica da filosofia de Hobbes é o absolutismo estatal, a ditadura entronizada como lei suprema.” (Rohden, H.: 54) Carl Schmitt (cit. Prelot, Marcel, vol II: 266) não deixa por menos: Hobbes foi, claramente, precursor do totalitarismo; e liga-o com Maquiavel, Vico, Nietzsche e Sorel - ídolo e mentor intelectual de Mussolini.Joseph Viatoux (cit. idem: 263) confirma e acrescenta:“A doutrina do Estado de Hobbes é a mesma doutrina do Estado totalitário contemporâneo.” "Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus." (A.R. Wallace & R.Young, Sciences studies, 1971: 184; cit. Japiassú, 1978: 56)
Robes com Bacon
O vôo leviatânico se iniciou justamente pela rampa comum: “Sucessor de Bacon, sofreu influência da filosofia matemática de Descartes e afirmava que toda a substância é corpórea e todos os fenômenos se reduzem a movimentos. Foi adepto da moral utilitarista.” (Hobbes, T., cit. Bastos, W. L, :173) Sua performance é que lhe rendia o convívio com aquele belo par:
Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglesa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico. Pelo relato de um antiquário seu contemporâneo, sabe-se que Hobbes, em certas ocasiões entre 1621 e 1625, secretariou Bacon ajudando-o a traduzir alguns de seus ensaios para o latim. Cobra, Rubem Q., Thomas Hobbes - Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997)
Ponte aos Allons
O pensamento fragmentado, a mente perturbada, perseguida e mal-amada, só poderia forjar coincidências: “Materialista inveterado, Hobbes via tudo como tangível e todos os fatos como mecânicos.” (Bobbio, Norberto, Thomas Hobbes: 25)  "A tradição de Hobbes nunca concebia a imaginação como força criadora. Para Hobbes a mente humana, como o universo, é uma simples máquina, e de uma máquina não cabe esperar nenhuma criação." (Idem:72)
Mecânica era especialidade francesa. O Leviathan necessitava deste aval científico, lastro de sustentação à pretensa verdade objetiva. Nos primeiros anos, fez tres viagens de estudo ao Continente (1610-1613, 1629-1630, 1634-1637) que lhe permitiram entrar em contato com os grandes filósofos e cientistas da época, especialmente Descartes e Galileu. No fim de 1640, época de Richelieu, Thomas permaneceu na França; a aproximação que mais lhe interessava tinha a direção do Castelo. Os parcos ensinamentos de matemática puderam ser exercitados ao rei britânico Carlos II, também por lá de quarentena*.
Urubú sem asa

Sempre como Bacon e Maquiavel, Hobbes gravitava em torno do poder. A tanto, não hesitava ministrar uma matéria cuja essência mal arranhava. Os franceses que o conheceram, souberam discriminá-lo - foi logo visto como oportunista, (mesma acusação que sofreria Rousseau) e repudiado até por outros exilados. O próprio governo francês o tinha sob suspeita devido a seus ataques ao papado. Em fins do mesmo ano de 1651 Hobbes voltou à Inglaterra.
“Cromwell, Primeiro-ministro de Henrique VIII e primeiro ditador do mundo, reverenciava o Príncipe de Maquiavel como “quintessência da sabedoria política.” (Wells, H. G., História Universal, segundo tomo, Da ascenção e queda do império romano até o renascimento da civilização ocidental, p. 507.)Tanto quanto ao florentino, a obssessão de Thomas poderia encontrar seu fim no real abrigo do Castelo:
Hobbes, que havia freqüentado assiduamente a corte fazendo-se passar por matemático (mesmo que pouco soubesse dessa disciplina) se desgostou ali, regressou à Inglaterra nos tempos de Cromwell e publicou uma obra muito malvada, de título muito raro: Leviathan. Sua tese principal era de que todos os homens atuam devido a uma necessidade absoluta, tese apoiada, aparentemente, pela doutrina dos decretos absolutos, doutrina de geral aceitação nesses tempos. Sustentava que o interesse e o mêdo eram os princípios fundamentais da sociedade.Brett, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII, p. 14
Bobbio relembra outra importante coincidência:“Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglesa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (Locke e o Direito Natural, p. 165.)
Pregando o absolutismo e sua expressão mercantilista, em meio à marcha inexorável do povo inglês rumo à democracia essencial e relativista, de economia relativamente aberta, só restou às mensagens boiarem à costa francesa. Até 1689, bem que o gênio do mal andou solto pelo Tâmisa. Com a Revolução Gloriosa, todavia, Hobbes foi para dentro da garrafa. Cem anos depois, no outro lado do canal da Mancha., Rousseau lhe cataria. Muita ovelhas da Europa inteira ficariam pretas e vermelhas. O futuro também.-
A fortuna britânica logo geraria seu maior expoente, na figura de John Locke, e se viu livre do vírus. No Primeiro Ensaio Sobre o Entendimento Humano (1688), trazido por Voltaire no XVIII, o humanista inglês tinha a nítida consciência, e assim livrou a Grã-Bretanha das barbáries. Mas a "doutrina do Estado totalitário contemporâneo" ficou instalada na França, e exportada alhures:
Considerai uma cidade tomada de assalto e vêde se aparece nos corações dos soldados, animados pela carnificina e pela pilhagem, algum respeito pela virtude, algum princípio moral, algum remorso pelas injustiças que cometem. Não. Não tem remorsos. E por quê? Porque acreditam agir justamente. Nenhum deles supôs injusta a causa do Príncipe por quem irá combater: jogam suas vidas nessa causa; mantém o trato que fizeram. Poderiam ser mortos nos assaltos, por isto acreditam no direito de matar. Poderiam ser despojados, por isto pensam que podem despojar. Acrescentai que estão ébrios de furor e não raciocinam. Voltaire, Vida e Obra - O filósofo ignorante, XXXV, Contra Locke, p. 320
Eis a cabal predição, confirmada na Revolução Francesa, e nos contra-venenos soviético e nazista.
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Notas
* Paris (1646)
1.
Cit Nietzsche, F., Além do bem e do mal, p. 177.
2. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias, p. 19.


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