Na Argentina, como no Brasil, na década de 20, há um esforço poderoso de definir a identidade nacional: estamos no momento da criação dos nacionalismos. Em ambos os países critica-se o modelo liberal conservador adotado no século anterior. O liberalismo e o democratismo são postos em xeque. O fantasma vermelho do bolchevismo é agitado para reivindicar a ordem autoritária e disciplinadora, formadora de um povo uniforme que, no caso argentino, identifica-se como não-nacional, estrangeiro, e freqüentemente judeu. Em ambos os países se afirma que a fórmula, inautêntica, inexpressiva, é cópia de instituições alienígenas que não correspondem ao país real. Foi nesta mesma época da visita de Einstein que se publicou a obra organizada por Licínio Cardoso, 'À Margem da História da República', na qual essas críticas são formuladas por O. Vianna e outros. Dez anos antes essa linha de argumentação tinha seu expoente em Korn na Argentina, e Torres no Brasil. Na construção do nacionalismo autoritário argentino prevalece uma perspectiva 'romântica' que procura na história nacional e ibérica, na sua continuidade, os fundamentos de uma identidade cultural e política que apela ao autoritarismo. No Brasil, a descrição sociológica, de raiz positivista e especialmente comtiana, é um fundamento importante de sua construção que, por certo, coexiste com outras fontes de fundamentos. Lovisolo, H., Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, publicado em Estudos Históricoss: 55-65; Moreira e Videira, Einstein e o Brasil: 234.
Os peronistas são pessoas que se fazem passar por peronistas para tirar vantagem. José Luis Borges
Getúlio Vargas foi eleito Presidente do Brasil em 1950 com apoio financeiro e material de Juan Domingos Perón, que então presidia a Argentina. A operação, mantida em segredo até hoje, teve uma base de apoio em Paso de Los Libres. Antes de assumir, Vargas assinou um acordo secreto com Perón que previa a união econômica e um pacto de cooperação militar. Perón acreditava que a eleição de Vargas era peça chave. Perón também financiou a campanha eleitoral de Carlos Ibanez del Campo, que presidiu o Chile de 1952 a 1958. Perón e Vargas 'tinham personalidades paralelas', interpreta Enrique Pavon Pereyra, diretor da Biblioteca Nacional argentina. MOURA, G. de Almeida, A representação proporcional e a Carta de 10 de Novembro de 1937.Não sou peronista. Sou, sim, grande amigo do General Perón, que me manda buscar à Argentina no seu avião particular. Sou admirador pela organização que ele deu à Argentina. Ele aperta um botão e desencadeia uma greve geral. Aperta outro botão, faz parar a greve. VARGAS, Getúlio,. - cit. Zero Hora, 13/8/1995: 6
O salvadorOs movimentos extremistas tem muito em comum. Apelam para os descontentes e os psicologicamente desenraizados, para os fracassos pessoais, para os socialmente isolados, os economicamente intranqüilos, os indivíduos sem instrução nem refinamento e as pessoas autoritárias em todos os níveis da sociedade. Movimentos revolucionários, como o nazismo, garantiram algum apoio dos conservadores que concordavam com seus aspectos nacionalistas e anti-marxistas. O fascismo italiano representou uma coalizão do extremismo centrista com o conservador, liderada por um oportunista puro e simples. COSTA, Cruz: 21No afã de reestabelecer o prestígio junto ao "eleitorado" é que LEÃO XIII promulgou a Rerum Novarum, nada mais nada menos do que ponte fascista.O fascismo caracteriza-se pela tomada de poder por gangsters, o que Marx chama de lumpen, gente não pertencente a nenhuma classe organizada da sociedade. Tomada de poder em nome do povo e da comunidade sem a limitação de nenhum controle racional. LIPSET, Seymor Martin, O homem político: 182A condenação da burguesia, tratada por Lênin e Stálin de modo explícito, motivava ódios recíprocos, legitimando a sordidez de comunistas-internacionalistas, sociais-nacionalistas e fascistas:
A idéia fundamental desses movimentos (os quais, com base no nome mais grandioso e ferrenhamente disciplinado deles, o italiano, podem ser designados, em geral, como fascistas) consiste na proposta de fazer uso dos mesmos métodos inescrupulosos na luta contra a Terceira Internacional exatamente como esta faz contra seus oponentes.O ex-Senador Arthur da Távola - p$db/RJ) - (Entrevista à TV Senado, Brasília, 24 de outubro de 2000, 20 hrs.) entendia:“O instinto de conservação exagera no sintoma para criar a defesa.”
(MISES, Ludwig von, Liberalismo segundo a tradição clássica: 50)
Tocqueville (cit. LUKÁCS, John, O Fim do Século 20: 53) alertara sobre isso, já em 1852:“O medo insano do socialismo atira a burguesia de cabeça nos braços do despotismo”. De Masi (p. 279) melhor explica :Quanto mais as pessoas são ricas, mais são cínicas e amedrontadas. Têm medo de perder os privilégios que, justamente, não merecem. Foi este o medo que serviu de base ao fascismo. Quem tem medo deseja um pai disposto a assumir a responsabilidade de todas as suas questões mais complicadas. Depois, acaba aceitando até palmadas do papai.Não deu outra:
O totalitarismo de esquerda criou o totalitarismo de direita, o comunismo e o fascismo eram o martelo e a bigorna pelos quais o liberalismo foi despedaçado. Se o leninismo gerou o fascismo de Mussolini, foi o stalinismo que tornou possível o leviatã nazista.GAETAN PIROU (Introduction a l'etude de Economie Politique, Paris, : 280, cit. HUGON, P., História das Idéias Econômicas: 352) tentou explicar a igualmente dúbia posição do Vaticano: “O catolicismo considera a corporação um meio de assegurar a ordem sem matar a liberdade, escapando, a um tempo, da anarquia liberal e da coerção socialista”.
JOHNSON, Paul: 232
As idéias corporativas tiveram grande aceitação: receberam apoio da Encíclica Papal Quadragésimo Anno, de 1931, influenciaram decisivamente a doutrina do partido nazista alemão e de inúmeros outros movimentos fascistas em diversos países. No Brasil, foi notória a sua influência na década de 30, durante a ditadura de Getúlio Vargas. STEWART JR., DONALD, O Que é Liberalismo: 24JUAN DOMINGOS PERÓN (Perón y el justicialismo) concedeu-lhe a completa razão:
A diferencia de los otros, el movimiento justicialista era ideológicamente cristiano, y tanto lo era, que por diez años consecutivos el clero argentino, desde su más alta jerarquía, hasta el más humilde cura de campaña, apoyó al Peronismo, tanto en sus campañas electorales como durante su gestión partidista en el gobiernoOs Perón criaram extensa legislação sobre salários, regalias, férias e segurança social dos trabalhadores. O Estatuto del Peón adulava os trabalhadores rurais. O conjunto tratava de dias de descanso, alojamento, salário-mínimo, assistência médica e demissões. A principal base institucional do peronismo eram os sindicatos, completamente dominados por seus adeptos, alcançando grandes proporções e funcionando como agências da contratação coletiva de trabalho. Todas estas medidas foram acompanhadas de um nacionalismo extremado, forte ênfase no papel dominante do líder, ideologia corporativa, demagogia populista e falta de respeito pelo constitucionalismo e tradição. LIPSET, SEYMOUR MARTIN: 178"Poco a poco fue ganando más respeto y notoriedad, sobretodo por el apoyo que obtuvo de los trabajadores no privilegiados llamados 'descamisados' y por su popularidad y autoridad en elejército."
O nacionalismo de Perón era tal que sua política agrária fez a carne esfumar-se do cardápio nacional durante 52 dias, deixou o campo exaurido e acabou com todas as reservas acumuladas durante o agitado comércio dos tempos de guerra. Como conseqüência, o general apossou-se do gás, da eletricidade, dos telefones, do Banco Central, das estradas de ferro e de tudo que tivesse pegadas forasteiras. LOVISOLO, H., Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, publicado em Estudos Históricos: 55-65; também em MOREIRA, I.C., & VIDEIRA, A. A. P. organizadores, Einstein e o Brasil: 234
A Espanha, do colega FRANCO rendeu-lhe tantas homenagens quantas foram suas promessas em nome do povo argentino para com aqueles ancestrais. Ficou famosa a viagem do navio lotado de trigo que partiu do celeiro do Novo Mundo como dádiva e homenagem dos filhos à Pátria-mãe. Os filhos naturalmente, não viram os presentes ao opulento endereçados, tampouco foram reconhecidos, mas a dadivosa não parou mais de ganhar todo o tipo de benesses. Sua visita subseqüente à Suíça, porém, denota onde costumava guardar os pertences auferidos com o chapéu alheio. A produção argentina se desperdiçava na leviandade da poderosa. Evita fazia da Argentina uma entidade de beneficência, em nome da tal “justiça social”. Milhares de casas foram construídas “de graça”. Como isto é impossível, alguém, naturalmente, estava pagando. Foram gastos bilhões em roupas, móveis, medicamentos, utensílios domésticos, e até dentaduras postiças. A dupla consumiu de modo mais irresponsável possível, o tesouro a ela confiada. A feira da ilusão terminou na corrupção generalizada, como sói acontecer, na bancarrota econômica, inflação acelerada, na quebra da ordem jurídico-social. PERÓN, o cleptomaníaco, colheu o ensejo, e meteu a mão sem cerimônia. Curiosamente, o acúmulo de jóias amealhado por Evita, avaliado em seis milhões de euros, estavam em poder da Espanha quando foi roubado em 17 de dezembro de 2009 de uma joalheria de Valência.O francês GUY SORMAN (A Nova Riqueza das Nações: 41) comenta o desempenho argentino, mas suas palavras poderiam ser usadas para descrever a Itália Fascista ou o Brasil do Estado Novo:
Perón será o modelo de muitos caudilhos da América Latina e seu fascismo para uso do Terceiro Mundo fará mais escola. O peronismo não pretende ser somente uma estratégia do desenvolvimento; ele é, também, me explica Taccone, um projeto social, uma tentativa original de associar os trabalhadores a industrialização, sem cair na luta de classes e sem romper a tradição católica: uma reconciliação entre os valores tradicionais e o mundo moderno. O peronismo iria salvar a Argentina do comunismo! Aliás, acrescenta Juan José Taccone, essa filosofia esta tão intimamente ligada ao destino nacional, que todos os governos depois de Perón continuaram a fazer o peronismo, com ou sem ele.
José Luís Borges comparava Perón a Rosas, ditador do século XIX.
O PetiçoO país ficou entregue, como não é segredo para ninguém, a uma quadrilha de assassinos e torturadores e de gatunos profissionais, que tinham carta branca para a consumação dos crimes mais hediondos contra os adversários do regime. MUNIZ, Edmundo, cit. JORGE, Fernando: 7
O assalto ao Estadão foi criminoso. Mais uma vez o Exército Nacional era convocado a servir apenas o senhor. Sob a legenda de 'defender a Nação das influências subversivas do periódico', o paladino mandou tomá-lo, e nomeou o interventor, 'um capanga bajulador, repleto de elogios a Vargas e Ademar'.Há cincoenta anos terminava a ocupação do Estado. - Estadão, 6/12/1995: A14
Grande amigo de Einstein, David Bohm foi um dos baluartes da Teoria Quântica. Nasceu na Pensilvânia de 1917, para falecer enquanto engatava essas pesquisas, há dezesseis anos. Morou no Brasil, trabalhando na USP, entre 52 e 54. Aqui presenciou, estupefato, o “festival da corrupção” e desrespeito à ciência, fatos que continuam permeando nosso "sistema". Bohm (cit, MOREIRA e VIDEIRA, Einstein e a Ciência no Brasil: 267) escreveu ao célebre amigo: "O que caracteriza esse governo (Getúlio Vargas) é uma incrível e absoluta corrupção, de tal intensidade que nem mesmo um norte-americano imaginaria antes de vê-lo de perto. Do topo à base, todos aceitam propinas." Quando o destempêro legislativo causou a intolerância dos segmentos empresariais, Getúlio Vargas, expressou um comentário capaz de demonstrar o seu caráter: “Burgueses burros, não entenderam que eu estou querendo salvar a vida deles.” (1) De Masi (2) explica a razão da miragem imposta:Quanto mais as pessoas são ricas, mais são cínicas e amedrontadas. Têm medo de perder os privilégios que, justamente, não merecem. Foi este o medo que serviu de base ao fascismo. Quem tem medo deseja um pai disposto a assumir a responsabilidade de todas as suas questões mais complicadas. Depois, acaba aceitando até palmadas do papai.A mais bela intenção muitos entenderam na hora: “O Estado, jornal, expressava que Getúlio, o caudilho, chefe do peronismo brasileiro, fomentava a crise a fim de justificar perante ao povo e as classes armadas, o seu tão acariciado golpe continuista.” (3)
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"A propaganda dos extremismos, o da esquerda e o da direita - (o integralismo) – reflexos de uma luta que se processava na Europa -, criava inquietação, aproveitável aos desígneos de Vargas." (SILVA, Hélio, A Crise do Tenentismo: 112; cit. ANDRADE, M.C. :86).
Perón & Vargas tinham muito mais em comum, além da admiração recíproca, da cerca de arame que não lhes separava, e da irmandade, sempre apregoada.
Atualmente em países como Argentina e Brasil, a classe média parece derrotada. Há alguns anos os membros dessa classe eram a chave da prosperidade de pequenas empresas e de serviços públicos de educação e saúde eficientes. Agora, parecem resignados diante da queda drástica de sua qualidade de vida. A impunidade de autoridades corruptas, assim como a insensibilidade do modelo econômico em relação aos problemas sociais, criaram uma frente de tempestade ameaçadora. No fim de setembro mais de setenta mil pessoas marcharam para a Plaza de Mayo, em frente a Casa Rosada de Buenos Aires, sede do governo, para protestar contra as medidas impostas pelo presidente argentino Carlos Menem. Pela primeira vez os sindicatos peronistas acusaram Menem, líder de seu partido, de traidor. 'Menem está voltando as costas para o povo, para apoiar a concentração monetária e financeira de riqueza', declarou o líder da Central Geral dos Trabalhadores. O próprio Menem respondeu: 'Nada, nem mesmo a maior pressão, torcerá meu braço'.
MARTINEZ, TOMAS ELOY, Presidente do Departamento de Estudos sobre a América Latina da Universidade de Rutgers, EUA, autor de Santa Evita e O Romance de Perón.
A dupla aniquilou com todos opositores; os dois montaram suas bases no interior dos sindicatos, através da inserção dos pelêgos; ambos tiveram envolvimento em corrupções; o Partido Laborista da Argentina nasceu registrado em nome de Perón; no Brasil, o Partido Trabalhista Brasileiro nasceu com o sobrenome Vargas.
A legislação social, a regorganização sindical de 1931, a criação dos Tribunais de Trabalho e Juntas de Conciliação, a representação classista, a liberdade sindical episódica de 1934, os conselhos técnicos setoriais e de assessoria governamental, a Carta de 37, a reorganização sindical de 1939, a Lei do Enquadramento Sindical de 1940, e, finalmente a Consolidação das Leis do Trabalho, documentam a institucionalização de um modelo de relações entre Estado e sociedade conduzidas vertical e hierárquicamente pelo Estado, conforme regras por ele estabelecidas.
COSTA, V.: 29
O legado
Treinta anos después un Presidente de los Estados Unidos afirmaba que 'todos somos keynesianos' en el preciso instante en que se iniciaba el regresso de la ortodoxia, el propio exito del modelo keynesiano llevo a la desmesura. El discurso argentino actual es muy semejante al repetido a comienzos de la decada del treinta. La experiencia muestra que la crisis se autoalimenta. SCHVARZER Jorge, El Clarin, 25/10/1995: 17
Atualmente em países como Argentina e Brasil, a classe média parece derrotada. Há alguns anos os membros dessa classe eram a chave da prosperidade de pequenas empresas e de serviços públicos de educação e saúde eficientes. Agora, parecem resignados diante da queda drástica de sua qualidade de vida. A impunidade de autoridades corruptas, assim como a insensibilidade do modelo econômico em relação aos problemas sociais, criaram uma frente de tempestade ameaçadora. MARTINEZ, TOMAS ELOY, Presidente do Departamento de Estudos sobre a América Latina da Universidade de Rutgers, EUA, autor de Santa Evita e O Romance de Perón
Infelizmente ainda se faz oportuno o alerta de Kelsen (A democracia: 140):
E, ainda que o fascismo e o nacional-socialismo tenham sido destruídos enquanto realidades políticas na Segunda Guerra Mundial, suas ideologias não desapareceram e, direta ou indiretamente, ainda se opõem ao credo democrático.Aprecie:
A introdução do fascismo na Argentina
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Notas
1.Vargas, Getúlio, cit. Campos, Humberto, Crítica; Jorge, F., p. 296.
2.De Masi, D., p. 279.
3.Skidmore, Thomas, Brasil, de Getúlio a Castelo, p. 167.
4.Vargas, Getúlio, cit. Lacerda, Carlos, Rosas e Pedras do meu Caminho, Revista Manchete 16/9/1995, Suplemento, p. 44/59.
5. Zero Hora, 13/8/1995, p. 6.
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