Em 1934 Getúlio Vargas obrigou os órgãos radiofônicos a
reservarem horário nobre para a diária transmissão daquilo
que apelidou Hora do Brasil, hoje chamada Voz do Brasil.
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O momento do proselitismo político e pregação ideológica teve efeito devastador, mas há muito é muito útil para que operadores encarregados de sua transmissão obtenham uma hora de recreio, ou descanso. Pelo horário, um bom cochilo.
Na época não havia TV, e o rádio catalizava todas as atenções da gente que chegava exausta do pé da chaminé.
Hitler e Mussolini de novo foram os primeiros a se especializaram em poluir as ondas sonoras; e Salazar encantava os ingênuos portugueses. Aos brasileiros, tocava a maviosa voz do caudilho fronteiriço.
Havia as rainhas do rádio. Emilinha Borba era a favorita da Marinha; Marlene, da Aeronáutica. Rei, naturalmente, só havia um. As palavras do escritor Berilo Neves servem como dimensão da importância do meio difusor:
“Se o Criador viesse ao mundo, não falaria, como Jeová, do alto de uma nuvem, ou como Júpiter, do corpo medonho de um trovão: falaria ao microfone!” (1)
Durante quarto de século a voz do Brasil veio exlusivamente pela garganta profunda do poder Executivo; mas no corredor, logo se apresentariam aliciadores do Legislativo e, por último, até do Judiciário.
Com a queda do fascismo, também caiu o DIP. Agora ele leva o abrangente cognome de Agência Nacional.
A obrigatoriedade da veiculação continua cerceando a liberdade de ouvintes e emissoras, no horário nobre de ambos. Do Brasil, a chamada Voz fala muito pouco. Mas dos atores políticos, bem, aí é outra coisa.
A requisição do sistema radiofônico fere dispositivos constitucionais (2), mas encontra par no vizinho:O hino nacional da Colômbia começou a ser transmitido ontem através de mais de 600 emissoras de rádio do país, além das emissoras de televisão, obedecendo a uma nova lei governamental. O presidente colombiano Ernesto Samper sancionou a lei que prevê a transmissão do hino nacional a cada 12 horas, enquanto a bandeira nacional deverá ser mantida hasteada nas fachadas dos estabelecimentos públicos, governamentais e municipais. (3)Por quanto tempo agüentarão os tímpanos andinos?
Warat, com a perspicácia que lhe é característica, sabe ser mordaz. Vamos no embalo:Se estudarmos todas as figuras estereotipadas do Direito, veremos que todas transmitem uma mensagem pedagógica unitária: a ordem jurídica da segurança. Assim, tanto os estereótipos jurídicos como os super-heróis de estórias em quadrinhos são uma garantia de segurança e equidade. (4)Duas dezenas de projetos tramitam na Câmara com o objetivo de livrar nossos ouvidos do Guarany, pobre Carlos Gomes, e do hipócrita proselitismo dos poderosos de plantão. Aparentemente as iniciativas objetivam devolver à mídia o espaçotempo que às empresas pertence. É só para inglês ver. Fosse para extirpá-la, apenas um artigo seria forte. São dezenas, justamente para se autoanularem, assim ensejando a permanência da chaga imperativa.
Ninguém é capaz de calar essa Voz que se diz do Brasil, hora consagrada à gritante usurpação do tempo e do espaço que nos pertence.
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Notas
1.Neves, Berilo, Nosso Século, 1945/60, p. 32.
2.Arts. 37, 220, 224 da Constituição Federal de 1988.
3.Zero Hora, 20/7/1995, p. 50.
4. Warat, Luiz Alberto, p. 134.
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