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Lamber sabão
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Como há um homicídio a esclarecer, é inevitável que as autoridades policiais escarafunchem todos os aspectos da história, mas isso não significa que o grande público deva participar de tudo e acompanhar 'on line' cada novo desdobramento das investigações. Até para que a família possa viver o luto, seria necessário um certo distanciamento. Receio, entretanto, que os limites do decoro tenham sido quebrados pela perversa combinação de uma imprensa ávida por sensacionalismo com declarações irresponsáveis de autoridades policiais e judiciárias." Hélio Schwartsman *
As grandes empresas de informação concorrem no Grand Prix da primeira-mão. Como ela é só uma, e na concorrência ficam todas as demais, essas não se furtam em propagar originais requentados.O que importa é manter cativa a audiência, alimentando-a de notícias variantes, de todos os quadrantes. -Grandes campanhas jornalísticas podem preencher a carência. Quando os campeonatos entram em recesso; e a câmara nele permanece; quando os governos lhes carreiam polpudas verbas publicitárias, com isso calando as mazelas e atos escusos que soem apresentar; quando a perseguição aos bin ladens terminam em nada, provavelmente porque o bode sequer existe, e enquanto aguardam nova olimpíada, há que se ter uma campanha. Ela mobiliza também a turba , e com isso mostra a pujança do artífice pela sua capacidade de penetração popular, de seus assuntos permanecerem na crista da onda, nas rodas de chopp. Povo envolvido é sucesso garantido, ibope crescido. O grande predicado é desviar a atenção da massa para um rumo geralmente estéril, de finalidade inatingível. Dessas ilusões, a mais fulgurante é a faina da justiça. Não há dia que não se abra algum jornal sem haver os dois componentes: sangue e clamor por justiça.
Se há um furto fantástico, de modo simultâneo sobre 500 agências, nem esse fato inusitado - verdadeiro, pasme! - o qual determinou o infortúnio de milhões de famílias, por dezenas de anos, terá maior efeito do que um sequestro, um estupro, um crime cometido contra outro inocente.
Sem sangue evidente, não há emoção candente.
Caso alguém demonstre que o efeito gravitacional não se deve a nenhuma força, que não é nenhuma atração que mantém os corpos sobre a face da Terra, ou não acreditarão, ou ninguém dará bola. Tanto faz, diria o gajo. Pois alguém já demonstrou; no entanto, o que se vende é a lei da atração!
A lei da atração jornalística é emocionar o leitor. Servem histórias de gente que saiu do tanque para assumir um levante. De cego que pode viver sem ver, mas não sem trabalhar.
A tv fabrica ídolos. Dramas sociais são dispersos; por isso comuns. Não vem ao caso. Não importa o clube, tampouco a formação tática. Importa o desempenho do jogador. A eleição do craque da rodada. Como se fosse possível alguém ser protagonista de qualquer coisa sem causas adjacentes, por certo mais importantes do que o fato estrelado. Não importa. À câmera, interessa o foco.
A cobertura evidenciada no lamentável acontecimento que vitimou a menina paulista não encontra similar. É massacrante. No telos justiceiro, já por vários semanas os órgãos de comunicação social incitam a população a acompanhá-los na frenética busca pela captura dos bandidos, trazendo à cena um roteiro cinematográfico ao episódio real. O feito é notável justamente lograr a realidade com a ficção. A realidade foi a morte de uma criança, que pode ter sido de modo execrável, mas seu destino é igual a de dezenas ou centenas, que neste momento em que escrevo, partem daqui através de incontáveis razões, de todas as idades, mesmo crianças, como as vítimas da dengue, só por exemplo. Mas para algum caso catalizar, mistificá-lo com algum mistério vem a calhar. Por fim, o mito da justiça coroa a missão.
Também fui atingido. Formulo uma hipótese. Posso estar redondamente enganado, eu que prefiro sempre dar ouvidos ao coração. Os acusados não queriam matar a menina; apenas dar-lhe um castigo, exagerado, é claro, às vias de maus-tratos, mas nada diferente do que acontece aos milhares, em todas as cidades. A menina desfaleceu. Eles se assustaram. Pensaram que ela estava morta. Com medo de serem pegos em flagrante, ou seja, com medo da própria lei que visa proteger o ente, atiraram a criança. Suas vidas pregressas não acusam desvios de conduta, muito menos algum outro crime cometido. O afã era de se eximir do crime, obviamente. Jamais contaram com a facilidade na identificação, muito menos com o abalo sísmico causado à Nação.
Seja como for, povos e povos vão às ruas, à frente das delegacias, das câmeras, dos bispos e delegados, todos a clamar pelo refrão: Justiça! Justiça!
Ao prenderem os acusados, a manada voltará para o pasto, aliviada, realizada, até feliz.
Exceto o restrito círculo, contudo, ninguém tem nenhum liame, ou afinidade com a vítima, à qual não lhe dariam sequer um caramelo, se ainda viva, como milhares de vivas que quase morrem embaixo dos carros, nas esquinas, a pedir um vintém.
Não estamos a defender, naturalmente, que se passe em branco pelos crimes. Mas há que tentar compreendê-los, ainda que pareçam totalmente absurdos. Simplesmente socar os executores na masmorra e ir para casa dormir não cerceará nova desventura. Criminoso não tem medo de nada; não seria a possibilidade da condenação, da cela, e até do linchamento que elidiriam sua intenção. E para quem não é dado ao crime, como parece o caso em tela, a lei pode até servir de terror. Conheço casos em que menores na direção furaram barreiras policiais, e acabaram sendo alvos de intenso tiroteio, tudo em nome da lei.
De todo modo, estas tarefas de averiguação, e compreensão dos fatos, não cabem aos órgãos de imprensa, e muito menos a seus clientes, os leitores. Que olhem para si, procurem aparar as incontáveis arestas que se multiplicam a cada minuto dentro de si e de seu raio de influência.
Eis uma atitude que só poderá beneficiar a sociedade.
A prisão dos acusados nada tem nada a ver com a morte da vítima por uma singela razão: nenhuma grade ou castigo, por mais prolongado que seja, trará a vida da menina de volta.
Nenhuma punição tem serventia. Eis a ilusão da justiça. O pleito judicial atende, tão somente, a um sentimento de vingança; e, como tal, inóquo. No entanto, o rebanho sentir-se-á mais seguro, e se entenderá compensado, e por isso satisfeito. Como na matinè.
É a mais completa alienação. É lamber sabão.
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* Editorialista da Folha de São Paulo, em 17/4/2008
Nav’s ALL added an interesting post on Lamber sabão Here’s a small excerpt De cego que pode viver sem ver, mas não sem trabalhar. A tv fabrica ídolos. … Dramas sociais são dispersos; por isso comuns. Não vem ao caso…
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