sábado, 15 de março de 2008

O fascismo americano


De nós emana o terror que tudo invade. Temos ao nosso serviço homens de todas as opiniões e de todas as doutrinas: restauradores de monarquias, demagogos, socialistas, comunistas e toda a sorte de utopistas. Protocolos dos Sábios de Sião, Protocolo IX-. 
Por isso a importância de jornais como o New York Times, que serve ao establishment americano, assim como o Pravda servia ao governo da União Soviética. Ele oferece aquilo em que os donos do país, e das grandes corporações, desejam que acreditemos.
Naquela década fatídica os americanos se submetiam a duas ondas entrecruzadas, mas ambas oriundas do transatlântico governamental: a primeira, de origem legislativa, positivista, coibia uma série de atividades comerciais e industriais, em nome de uma falsa moralidade. A Lei Sêca consagrou a prepotência oficial, para proveitos pessoais:
A capital do país, Washington, tinha trezentos bares licenciados antes da Lei Seca: agora havia setecentos bares clandestinos, supridos por quatro mil fornecedores. Tudo isso era possível em função da corrupção total em todos os níveis. Assim, em Detroit, havia vinte mil bares clandestinos.
JOHNSON: 174
A escalada criminal dava razão a Marx, que recém vaticinara o fim do capitalismo. O profeta dos proletários valia-se do velho Hobbes.  Se  "o homem se fazia lobo do homem", em vez de refreá-lo, melhor acabar com sua farsa. O pastor comunista queria acabar como lobo para porque ele era apenas concorrente. O Estado dobrou a parada. Eis leitmotiv  de Crommwell e Napoleão..Um Leviathan em aprimorado prêt-a-porter se postava capaz de tomar conta do salão, e ainda estender seus tentáculos aos quatro cantos do mundo:
A recuperação econômica da Alemanha depende de um enorme fluxo circular de papéis, com os Estados Unidos dando empréstimos à Alemanha, que usa os recursos para reparações de guerra feitas à Inglaterra e à França, que por sua vez pagam suas dívidas com os Estados Unidos.
KEYNES, J.M., cit. GUEDES, P.Pontes de papel e alicerces do futuro
"O voto a favor de Hitler é apenas um sintoma, não necessariamente do ódio pelos judeus, mas de um ressentimento momentâneo provocado pela miséria econômica e o desemprego entre a juventude alemã mal conduzida." (BRIAN: 222)
“O Führer era idolatrado não somente em sua terra natal; tinha adeptos em número considerável de americanos barulhentos e vociferantes.” (Idem, Einstein, a ciência da vida, p. 329)
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Tsumani financeira
Enquanto o povo se distraia com a violência protagonizada pelos D. Corleones, AL Capones, e pelas espetaculares ações policialescas, o Banco Central americano encetara um enxugamento monetário gradual, constante e irrestrito. Aos poucos, cada vez menos cédulas estavam em circulação. Para completar, tratou-se de "exportar" os "capitais excedentes", e logo para quem:
"Entre 1924 e 1929, portanto em apenas cinco anos, os Estados Unidos havia destinado, nada menos do que 30 bilhões de dólares a Berlim." (LEVENSON: 351)
Era o que buscava a politicalha da ocasião: uma forte recessão para justificar o golpe fascista, que tanto veneravam, e que seria perpetrado por Roosevelt, a suprimir até o padrão-ouro, em nome de um novo sonho, na verdade um pesadelo, só aliviado com a chegada dos despojos alemães e japoneses:
"Em 1929, as despesas federais para todos os bens e serviços montavam a 3,5 milhões de dólares; em 1939, eram de 12,5 bilhões." (GALBRAITH, 1968: 251)
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Havia mais em jogo, além da burla ideológica:
"Os grandes banqueiros e industriais emergiram nessa época. Firmas de Wall Street - como Belmont, Lazard e Morgan - com apenas 15 anos de existência ocupavam lugar de destaque na economia. Os tempos modernos da legislação para as práticas de comércio começaram em 1934." (Gleiser, I.: 211)
Quando neste 1934 um Al Capone sifilítico era transferido para Alcatraz, o teórico leninista inglês R. Palme Dutt publicava o que entendia como fascismo social americano - um fascismo de fato, disfarçado por tênue verniz de demagogia populista-eleitoreira. No ano seguinte, o Social Security Act era aprovado. O Current History Magazine (cit. Rothbart: 41) veiculou:
A nova América não será capitalista no velho sentido, e tampouco será socialista. Se a tendência atual é para o fascismo, será um fascismo americano, que incorporara a experiência, as traições e as aspirações de uma grande nação de classe média. Quando o New Deal é despido de sua camuflagem progressista, social reformista, o que fica é a realidade do novo modelo fascista de sistema de capitalismo de Estado concentrado e servidão industrial, envolvendo um implícito ‘avanço rumo à guerra’.
Giddens (1996: 264) compreende a estratégia empregada:
"Nas crises, as despesas do governo, através de empréstimos, são o único meio seguro para a obtenção rápida de produção crescente a preços também crescentes. Esta é a razão pela qual uma guerra causa atividade industrial intensa. "
Gore Vidal (Veja, 25/10/2000) corrobora:
"Havia, na verdade, uma conexão direta, freqüentemente comentada, entre o militarismo e o desenvolvimento inicial da democracia e do welfare state; os direitos de cidadania foram criados no contexto da mobilização maciça para a guerra."
Em um lustro, os americanos chegaram lá:
O Estado rooseveltiano ou a república da França apresentava, na época histórica do fascismo, características do Estado intervencionista (função econômica do Estado e fortalecimento do Executivo, por exemplo) que marcavam igualmente os fascismos alemão e italiano, sem que isto tenha significado o Estado de exceção. (Poulantzas: 240)
A versatilidade, ou melhor, a magnitude e dubiedade é que inflavam os imprudentes italianos:
Na verdade, num discurso em maio de 1934, Mussolini informou à Câmara de Deputados que três quartos da economia industrial e agrícola da Itália estavam nas mãos do Estado, que, ele acrescentou, criava condições que podiam introduzir na Itália tanto o 'capitalismo estatal' como o 'socialismo estatal', onde ele achasse que era necessário.
(Cit. Pipes, 2001: 261).
Em 1936, reeleito sabe-se lá por qual arranjo, Roosevelt ampliou ainda mais as funções da Casa Branca, prescindindo do golpe e dos arroubos do Duce, mas não da retórica trovejante da incansável Eleonor. Saúde, educação, proteção aos trabalhistas, legalização de sindicatos, direito de greve e incontáveis arapucas embretaram as relações sociais e econômicas americanas.
A Suprema Corte se viu provocada a vetar incontáveis atos de inspiração fascista.
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Espetaculares peripécias
Keynes (cit. Skidelsky: 60) aprovava a demagogia:
“Em grande parte de seus escritos políticos, Keynes empenhou-se num diálogo com o movimento trabalhista.”
A propósito, Bobbio (Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos: 403) repara:
“A idéia da política como espetáculo nada tem de novo”.
O Estado Espetáculo (1) já havia sido predito:
“Weber podia concordar com os transcedentalistas que a política é pura 'astúcia', o Estado, um 'embuste', e a democracia, o 'teatro dos demagogos'." (cit. Diggins: 115)
Nos colégios americanos, orgulhosos descendentes de italianos e tedescos passaram a esticar o braço, na inconfundível saudação. Permanecia em Roosevelt a expectativa de contar com Hitler e Mussolini contra a escalada dos "comedores de criancinhas".
Por ingenuidade, semelhança ou excessiva autoconfiança, o certo é que o paraplégico presidente não foi capaz de perceber a armadilha da qual a muito custo escapou. Quando Londres amargou a primeira vítima, Roosevelt terminou seu sonho, mas não o cochilo.
O estrondo de Pearl Harbour fê-lo cair na real.
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Privè
No êxito da encenação, o modesto Roosevelt “reconheceu” no “colega” Orson Wells (Os Anos Trinta, orig. outubro de 1959, MS-NBC Brasil, TV Superstation 24/10/2000, 19 h) um artista à sua altura: “Você e eu somos os melhores atores dos USA”.
A tanto, às favas os escrúpulos:
"Havia cantos obscuros na Casa Branca de Roosevelt: suas próprias infidelidades, a apaixonada ligação de sua mulher com outra mulher, a maneira inescrupulosa, às vezes pérfida, com que ele usava o poder executivo." (Joseph P. Lash, cit. Johnson: 214).
De certa forma, continua valendo, pelo menos em boa parte da América Latina, a famosa oração de Roosevelt sobre o ditador nicaragüense Anastásio Somoza:
"É um f. da p., mas é nosso f. da p.” (Clóvis Rossi, Os Canalhas Dele. Folha de S. Paulo, 21/11/2000: A2).
Franklin fechou os bancos por três dias. O que dentro deles aconteceu foi apenas desvio de números, por acaso representando valores, enquanto no lado de fora a população testemunhava atos dantescos, grevistas pisoteados por cavalarianos, e distúrbios de toda sorte. Ao cabo, entrou em vigor a Carta del Lavoro americanizada, "a fim de disciplinar a circulação e equalizar uma “melhor distribuição da riqueza", questão de moral e justiça:
E ninguém mais reclamou do montante bancário, de destino ignorado. Pelo contrário, a sutileza e o sucesso do golpe ensejou a proliferação alhures:
Inspirados por essas certezas keynesianas, desenvolvimentistas e social-democráticas - já amplamente consensuais - Estados Unidos, Itália, Espanha, França e Inglaterra, além de vários países latino-americanos, entre os quais o Brasil, apertaram o gatilho e dispararam políticas desenvolvimentistas, trabalhistas e sociais.
Mascarenhas, E. : 130
Féliz HC por certo conheceu esta história; e enquanto o povo se acotovelava nas prateleiras do frango a mirréis, o ator pariu o PROER, hoje na adolescência. Com o perdão de Teixerinha, o desvio merece o Guiness: é maior golpe do mundo. Disparado.
* Era. Agora temos a repetição do imbroglio. A nova provocação recessiva será seguida por medidas intervencionistas por certo jamais vista. Resta aguardar, ao cabo, uma nova guerra mundial, a fim de que os despojos cubram os saques antecipados.

Aprecie:
O fascismo entre os anglo-saxões
A introdução do fascismo no Brasil
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Notas
1. SCHWARTZENBERG, Roger-Gèrard, O Estado espetáculo; tradução Heloisa da Silva Dantas. Rio de Janeiro: Difel, 1978.
Por aqui, o nosso presidente já anunciou o começo do espetáculo do crescimento, mas no palco o que se vê são as tragédias da fome, da doença, do desemprego, da criminalidade, da corrupção e do charlatanismo religioso. Já estamos por aqui.

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