segunda-feira, 31 de março de 2008

Arte & ofício de Durkheim

 Digo: artifício de Durkheim
O estudo da sociedade é tão precioso porque o homem é muito mais ingênuo como a sociedade do que como indivíduo. A sociedade jamais considera outro modo a virtude senão como meio para atingir a força, a potência, a ordem. NIETZSCHE, F., Vontade de Potência, Parte 2 : 276
Que me perdõem os dedicados, mas ouso afirmar: a Sociologia carece de cientificidade; e talvez por isso, de autores. Seu sucesso, e nossa desgraça, está muito mais pela capacidade de disseminação de parcos intérpretes, do que o produto focado pela distorcida lente. A cátedra não tem caráter epistemológico. Impõe-se por tecnológica. Não lhe interessa a filosofia, porquanto se pretende lógica, exata, indiscutível. Ledo engano, evidenciado pela ciência de ponta, a mesma que outrora lhe deu guarida. 
Tão cartesiano quanto o "pai" positivista, e, como ele, justificando-se previdente, Durkheim* também não hesitou propor a cooptação do indivíduo ao polvo rotulado: “Essa tese durkheimiana prende-se, como é sabido, à sua concepção da consciência coletiva como 'repositório de valores', como algo transcendente às consciências individuais.” (1)
O sociólogo francês Durkheim proporciona um exemplo típico deste método que abandona gradualmente a esfera do conhecimento psicológico causal e penetra a das considerações ético-políticas ou jurídicas. Também ele insiste em estabelecer a sociologia como uma ciência natural, orientada segundo as leis da casualidade. Aceita o princípio de Comte de que 'as manifestações sociais são fenômenos naturais e, como tais, estão sujeitas às leis da natureza'. (2)
A leitura de Durkheim, tido por fundador da sociologia, servia como advertência de que a ciência social sempre aspirou submeter-se aos controles matemáticos da ciência física e que toda generalização deve estar apoiada numa série de repetições documentadas. FRIAS FILHO, Otávio, Revista Piauí, 23/11/2010
O problema social, todavia, vem por outra linhagem:
O valor de um ato deve ser medido segundo suas conseqüências - dizem os utilitaristas - avaliá-lo segundo sua origem implica uma impossibilidade: - a de conhecer a origem. Não se conhece a origem, não se conhecem as conseqüências - como então um ato tem em geral algum valor? (3)
O esperto estrategista, na esperteza dialética, e na cisma do sofisma, já assim contornara o empecilho, sustentando o óbvio: o indivíduo é produto da sociedade. Enfatiza R. Aron (2003: 464):“ [...] o indivíduo nasce da sociedade, e não a sociedade nasce do indivíduo”Tal premissa precipita o veredicto: a sociedade teria o precedente lógico sobre o indivíduo. Não podemos negar razão ao articulista das palavras. Somos, de fato, produtos de uma união social; aliás, do leito conjugal! Todavia, a procedência não significa propriedade; e a precedência não pode decretar a sujeição.
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A metodologia cartesiana
Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia da pessoa derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século XX, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso consciente é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria? Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso ambiente material. ZOHAR, DANAH: 191
Como a ciência navegava nos velhos vapores, o que se conhecia eram apenas os conceitos mecanicistas, coisificados, acessados através da "sapiência" cartesiana:
A sociologia pretende ser um estudo científico dos fatos sociais que Durkheim procurou estudar como coisas. Nessa perspectiva quem diz sabedoria diz amor fati, entendendo por isso, não uma cega submissão aos golpes de um destino incompreensível, mas compreensão de um determinismo suscetível de aplicações capazes de “nos tornarem senhores e possuidores da natureza”, como exigia Descartes. Brun, J., A sabedoria estóica e seu destino. www.consciencia.org
Almejando o reconhecimento, o platônico francês não titubeia em também tentar separar a alma do corpo, o ser do afazer, o sujeito do objeto que ele próprio, Durkheim (Da divisão do trabalho social. Tradução de Eduardo Brandão. - 2º ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999: 28), projeta adornado: "É preciso portanto considerar os fenômenos sociais em si mesmos, separados dos sujeitos conscientes que os concebem; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, pois é nessa qualidade que eles se apresentam a nós."
Sempre de acordo com o vírus cartesiano, a faca de Durkheim tratou de retalhar seu objeto predileto.
Os sociólogos franceses da escola de Durkheim, impressionados com a importância das relações coletivas e dos fenômenos de consciência na vida social, tenderam a definir as classes por critérios de gêneros de vida. Opõe-se ao livre jogo da concorrência individual. (4)
Durkheim propunha as relações sociais ritmadas na marcha:



Sociedade de solidariedade mecânica Sociedade de solidariedade orgânica
Laço de solidariedade Consciência coletiva Divisão do trabalho social
Organização social Sociedade segmentada Sociedades diferenciadas
Tipo de direito Direito repressivo Direito restitutivo
Jéferson Mendes[1]
"Durkheim vê como uma lei na história a passagem da sociedade de solidariedade mecânica para a sociedade de solidariedade orgânica," e neste caso, mais uma vez, nada foi original. Hegel já havia propugnado o disparate, a junção do rebanho. Durkheim não teve tempo de ver Hitler invadir seu páteo, mas assistiu o ensaio da tragédia por Bismarck, e depois na I Grande Guerra. Por fim, em seu canto-de-cisne, por certo recebeu notícias das atrocidades leninistas. Morreu logo em seguida. Se não foi por remorso, algum arrependimeto deve lhe ter apressado a partida.


A insistência da assistência
Uma escola de antropologia, no início do século XX, de que Durkheim foi o principal representante, traçou um quadro do homem primitivo classificando-o como quase pertencendo a uma espécie mental e espiritual diferente da nossa. Esta escola apresenta o homem primitivo como sendo governado pela emoção conjunta da coletividade e não pelo processo racional do intelecto individual. (5)
Popper a condena...
“Este ponto não tem sido entendido por muitos sociólogos, tais como Durkheim, que nunca abandonou a crença dogmática de que a sociedade deve ser analisada em termos de grupos sociais concretos."(6)
.. mas Sigmund Freud e Carl Jung também estavam na carona da onda:
"Diante destes fatos devemos afirmar que o inconsciente contém não só componentes de ordem pessoal, mas também impessoal, coletiva, sob a forma de categorias herdadas ou arquétipos.”
(7)
Semelhante apreciação, mas por ângulo contrário, Èmile Durkheim
(Épinal, 15 de abril de 1858 — Paris, 15 de novembro de 1917) expôs em seu mais famoso trabalho - “o suicídio era um fenômeno social, além de pessoal". (8)
Lacan protestou:
“Os programas que se esboçam como devendo ser das ciências humanas não têm outra função senão a de ser um ramo acessório a serviço dos poderes.” (9)
Mutatis mutandis, o Direito passa envergado; e a ciência, desvirtuada :
Nas ciências humanas, não basta, pois, como acreditava Durkheim, aplicar o método cartesiano, por em dúvida verdades adquiridas e abrir-se inteiramente aos fatos, pois o pesquisador aborda muitas vezes os fatos com categorias e pré-noções implícitas e não conscientes que lhe fecham, de antemão, o caminho da compreensão objetiva. (10)
A razão é trivial:
Para dizer a verdade, quando o número de fatores em jogo num complexo fenomenológico é demasiado grande, o método científico falha na maioria dos casos. Basta pensar no tempo atmosférico, em que a previsão até mesmo para uns poucos dias antecipados é impossível... As ocorrências nesse domínio estão fora do alcance da previsão exata devido a variedade de fatores em operação, e não devido a alguma falta de ordem na natureza. EINSTEIN, ALBERT, Einstein Por Ele Mesmo: 94
Pois "assim falava" J. LOCKE (Ensaios sobre a lei da natureza, cit. BOBBIO, N., 1997: 138):
a)Enquanto as idéias matemáticas podem ser expressas por meio de sinais sensíveis, imediatamente claros aos nossos sentidos, as idéias morais só podem ser expressas por meio de palavras, que são signos menos estáveis e exigem interpretação;
b) As idéias morais são mais complexas do que as matemáticas, daí a maior incerteza dos nomes com que são designadas e a dificuldade em aceitá-las todas de uma vez.
Os pesquisadores de sociedades ora se debatem pela reversão:
Do lado da sociologia, sabe-se que mesmo um autor como Luhmann acabou por se ver compelido a introduzir uma mudança radical no paradigma das relações entre a pessoa e o sistema social. Deixando de ser categorizada como mero ambiente do sistema social, a pessoa passa a valer, também ela própria, como sistema. Um sistema social, a figurar como seu (da pessoa) ambiente. A pessoa vê-se, assim, chamada - e legitimada - a desafiar permanentemente o sistema social, como fonte de 'contingência', 'irritação', mesmo desordem. De acordo com o 'novo paradigma luhmanniano', 'na construção de sistemas sociais, a complexidade opaca dos sistemas pessoais aparece como indeterminabilidade e contingência'. Não sobrando para o sistema social outra alternativa que não seja 'interiorizar a complexidade' irredutível, emergente da pessoa. O que bem justificara a pretensão de apresentar a nova teoria de Soziale Systeme (1984) como uma Zwang zur Autonomie. ANDRADE, Manuel da Costa, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal: Uma Perspectiva Jurídico-criminal: 26

Complemente:


O conto de Comte





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.Notas

* Émile Durkheim nasceu em Épinal, no dia 15 de abril de 1858, região da Alsácia, na França.
Iniciando os estudos em Epinal posteriormente partindo para Paris, no Liceu Louis Le Grand e na École Normale Superiéure (1879). Considerado um dos pais da sociologia moderna. Durkheim formou-se em Filosofia onde começou a interessar-se pelos estudos sociais. Foi o fundador da escola francesa de sociologia, em 1887 quando é nomeado professor de padagogia e de ciência social na faculdade de Bordeaux, no sul da França. Suas principais obras são:
Da divisão social do trabalho (1893);
Regras do método sociológico (1895);
O suicídio (1897);
As formas elementares de vida religiosa (1912).
Fundou também a revista L’Année Sociologique, que afirmou a preeminência durkheimiana no mundo inteiro. Durkheim morreu em Paris, a 15 de novembro de 1917.
* * *
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1.Durkheim, E. cit. Reale, M., Pluralismo e Liberdade, p. 79/80.
2.Kelsen, Hans, (1881-1973) A Democracia, p. 331.
3. Nietzsche, F. Vontade de Potência, parte 2, p. 195
4.Duverger, Maurice, p. 7.
5.Toynbee, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização posta a prova, p. 217.
6.Popper, Karl, 1998, Tomo I, p. 191.
7. Jung, C.G., Jung Vida e pensamentos, p. 57.
8 Durkheim, E. cit. Reale, M, p. 79/80
9 Lacan, M., cit. Japiassú, Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, p. 37.
10. Goldman, Lucien, p. 33.

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