terça-feira, 11 de março de 2008

O príncipe de Gramsci

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A história é uma coleção de quadros
com poucos originais e muitas cópias.
Alexis Tocqueville (1)
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O JOGO DE FORÇAS concebido num universo todo dialético fêz-se convincente apelo, oportunidade jamais tão latente para que gangsters, fantasiados de heróicos príncipes, ascendessem ao poder...A condenação da burguesia, tratada por Marx de modo explícito, motivava ódios recíprocos. Tudo legitimava a sordidez de comunistas internacionalistas, sociais-nacionalistas e, em seguida, de fascistas, nazistas e simpatizantes:
A idéia fundamental desses movimentos (os quais, com base no nome mais grandioso e ferrenhamente disciplinado deles, o italiano, podem ser designados, em geral, como fascistas) consiste na proposta de fazer uso dos mesmos métodos inescrupulosos na luta contra a Terceira Internacional exatamente como esta faz contra seus oponentes. (2)
AS PROFECIAS de Oswald Arnold Gottfried Spengler (Blankenburg am Harz, 29 de Maio de 1880 – Munique, 8 de Maio de 1936) catalizavam os debates historiográficos, filosóficos, sociológicos, e políticos da intelectualidade européia durante as primárias do século XX. The Decline of the West atingiu cem mil cópias vendidas. (RICHARD, Lionel, A República de Weimar (1919-1933): 247) Se o futuro parecia assombroso, e a U.R.S.S antecipadamente lhe anunciara, muito pior se tornaria pelo convencimento da negritude pintada:
O Declínio do Ocidente (1918) de Spengler, que pretendia reconhecer a ascendência morfológica da vida sobre a razão e do dinheiro e da máquina sobre a cultura e o indivíduo, atraiu intelectuais revoltados com os Estados Unidos por ser uma 'civilização comercial' puritana. Nos anos trinta, o texto de Spengler foi escolhido como um dos dez 'livros que mudaram nossa mente'.
DIGGINS, J.P.:42
No mesmo 1918 Le journal de Geneve publicava um artigo do Prof. Paul Seippel detectando “a grande onda revolucionária vinda do Oriente propagando-se na Europa, passando pelas planícies alemãs e vindo quebrar ao pé dos rochedos dos nossos alpes”. (3)
Há década do desenlace nazista, o atento professor captava seus prenúncios:
“Na Alemanha o socialismo está impregnado do mesmo espírito despótico. O militarismo prussiano é o irmão inimigo do marxismo”. (4)
No ano seguinte a revolução socialista alemã tentaria implementar o despotismo bolchevique, o Der Sozialismus:
Em Munique centenas de trabalhadores ocuparam estações ferroviárias e praças, enfrentando um exército de soldados e policiais. Arames farpados e barricadas brotavam por toda a parte, enquanto rajadas de metralhadoras varriam as ruas. Os vizinhos se acusavam mutuamente: 'Seu maldito bolchevique!' Ninguém estava a salvo dos delatores. Os revolucionários presos eram tratados como traidores. Em questão de semanas, os membros da Guarda Vermelha perceberam que haviam perdido sua mal concebida tentativa de tomar o poder; mas render-se significaria possivelmente enfrentar um esquadrão de fuzilamento. A loucura continuou assolando as ruas. (5)
Prussianismo e Socialismo, deste 1919 (SPENGLER, Oswald, cit. RICHARD, L. :248) propugnava por organização rigorosa para bloquear a insanidade, mas ainda capitalista e, como Max Weber havia pedido, sob a égide de um senhor. Ao fanático formulador, cabia à Alemanha salvar o ocidente, desde que eliminasse a luta de classes. Leon Trotski encetou temerária participação, para o protesto de Webber:
“Com a típica vaidade de um literato russo, ele queria mais e esperava, por meio de uma guerra de palavras e do mau uso de certas palavras como 'paz' e 'autodeterminação', desencadear a guerra civil na Alemanha. “ (6)
Apesar do auxílio soviético, a rebelião foi esmagada. Rosa de Luxemburgo e Karl Liebknecht , que convocaram a luta nas ruas, ali mesmo tombaram. Tiveram o pouco de suas vidas jogadas em vão. O ambiente se adequava à demência de ambos os lados, confirmando os prenúncios de Seippel.
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Bota de cheiro ruim
Enquanto numa estação daquela mesma Munique um botequeiro rabiscava o projeto do trem que iria transportar a explosiva carga nazista, numa plataforma abaixo dos Alpes a locomotiva era ligada por outro néscio defensor da “pátria, da família e da tradição”.
Com a derrota na I Guerra, o ex-Jardim do Império vinha novamente dividido. O governo parlamentar se apresentava corrupto ou/e temperado com ignorância. A monarquia não era honrada. A Igreja separada do Estado desde 1871, ansiava por uma oportunidade de retorno ao poder, preocupação constante dos discursos dominicais. Os serviços públicos se deterioravam. As atrocidades russas chegavam estampadas pelos periódicos, e a vizinha Alemanha desmonstrava ao mundo como a bestialidade poderia se propagar. A sobrevivência da Bandeira e da família de cada um dependia do arrojo e determinação de governantes e aquiescência de governados, eis o grande desafio.
O que veio depois da Revolução Francesa, como forma moderada de instauração do Estado moderno, só provocou decepção. Antônio Gramsci leu Maquiavel e Vico, Mosca e Croce para retratar o dilema. Debitou o insucesso a falta do legítimo condutor:
“No Risorgimento italiano pode-se notar a ausência desastrosa de uma direção político-militar.”(7)
Gramsci queria um Napoleão à la italiana. Mussolini não apresentaria a mesma destreza, mas isso, conforme Gramsci, poderia ser dispensável:
“O Príncipe moderno, o Príncipe mito, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto - ele só pode ser uma organização.”(8)
Recém passados a brutalidade e o massacre oferecidos pela I Guerra, pela Revolução Proletária Soviética de 1917 e por sua prima, decapitada em 1919 na Alemanha, apareceu o gajo pedido por Gramsci, aquilo que os espíritas chamam de carma, o osso duro, a carga pesada que o pacato e alegre povo italiano haveria de suportar por mais de vinte anos:
“Mussolini aparece no partido socialista como um verdadeiro chefe. Se tivesse prosseguido, nada o teria diferenciado de um comunista vermelho.” (9)
No último quarto de 1920 os fascios já se organizava de modo a suplantar as divididas esquerdas. Mário Gramsci, irmão de Antônio, não titubeou em se integrar no estupendo movimento. Em 1921 surgiu o Partido Comunista, tentando cerrar as fileiras contra o arquinimigo. Tarde demais.
Ao assumir o timão, o impostor tirou a máscara e operou espetacular guinada; como no judô, aproveitou o embalo marxista para, no meio da marcha, desvirtuá-lo ao fanatismo nacionalista, golpe visivelmente maquiavélico. Em fins de 1924 Mussolini declararou a plena ditadura fascista. Os trens partiam no horário, muitos com destino ao além. O veneno extraído na efêmera passagem pelo campo vermelho era efetivo contra os males da cobra:
“Contra a revolução comunista que um acaso apenas fizera falhar na sua primeira tentativa de tomar o poder a Itália de Mussolini ensinou que só havia um remédio: a revolução fascista.”(10)
Bobbio explica:
A 'catástrofe' Revolução de Outubro (evento produzido por uma vontade coletiva consciente) não pode ser remediada senão com a 'catástrofe' contra-revolucionária (não por acaso os pródomos do fascismo na Itália são as 'squadre d´azione': comunismo e fascismo se convertem um no outro. (11)
Pelo lado da economia Keynes era a grande vedette. Naquela década dos gangsters e máfias, os preços italianos dispararam cerca de dez vezes mais, enquanto os novos ricos (nepmen) festejavam com champagne e caviar às margens do Mediterrâneo, o infortúnio da atônita classe operária.
Para Antônio Gramsci restou o calabouço; e por fim, a prematura morte, em vésperas do Ano Novo de 1933. Presenciaram seus atos fúnebres apenas duas pessoas: o irmão Carlo, e a cunhada Tatiana, devidamente vigiados pelos olheiros fascistas.
Bem, o resto vou contando. A história fascista é quase secular, e do tamanho de metade da Terra, de modo que suas marolas ainda balançam nossos barcos.
Uma boa noite, e um alegre despertar.

O fim do Duce, mas não do fascismo

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Notas
1.O Antigo Regime e a Revolução, p. 24.
2. Von Mises, Ludwig, Liberalismo segundo a tradição clássica, p. 50.
3. Seippel, Paul, em Sorel, G., Reflexões sobre a Violência, apêndice III, p. 314.
4. Idem, ibidem.
5. Diggins, J., p. 271
6 Trotski, L. e Webber, Max, cit. Diggins, J., p. 271
7. Gramsci, Antônio, Maquiavel, a Política e o Estado Moderno, p. 52.
8. Gramsci, Antônio, cit. Johnson, P., p. 78/79.
9. Mussolini, Benito, cit. Faria, Octávio, Machiavel e o Brasil, p. 99
10. Schwartzenberg, Roger-Gérard, O Estado Espetáculo, p. 249.
11. Bobbio, Norberto, Esquerda e Direita, Razões e significados, p. 55.




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