quarta-feira, 19 de março de 2008

Diversidade, para complementaridade


A influência de Bohr sobre a física e os físicos do nosso século foi mais forte que a de qualquer outro, até mesmo a de Albert Einstein. Abraham Pais¹
POIS FOI ESTE Niels Henrik David Bohr (1885-1962) quem descreveu, e lamentou: "Existem todo o tipo de pessoas, mas acho que seria razoável dizer que ninguém que se diga filósofo realmente entenda o que se quer dizer com a descrição da complementariedade". (2)
Coube ao biógrafo de Einstein também formular sua crítica: "A relação entre os cientistas e os filósofos é bastante curiosa. A dificuldade é que é inútil que haja qualquer tipo de compreensão entre os cientistas e os filósofos diretamente." (Pais, 1997: 33).(Ironia: a falha apontada pelo renomado Físico é proveniente da sua própria trincheira, preocupada numa estéril unificação entre a Relatividade e a Quântica, fato que demandou décadas sem solução, aliás, exatamente porque uma é natural prolongamento da outra. Neste campo nada há para unificar.)

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Progresso não ordenado, porque multifacetado
Jacques Rueef em Les Dieux et les Rois, traduzido como A Visão Quântica do Universo, contribui:
O determinado, o movimento da história, a lei do progresso inevitável, a dialética como motor do mesmo, a estrutura tecnocrática imposta, ao serem cotejados com os novos achados da ciência, resultam meros conceitos sem justificação, porque inclusive seus pressupostos científicos caducaram, revisados em suas raízes mais profundas." (Cit. Goytisolo: 56).
Eric Kraemer, em La Grande Mutation, estabelece contundente crítica:
"Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum." (Idem: 69).
Cientistas de várias universidades norte-americanas estão propondo uma mudança radical. Em vez do determinismo e da precisão das portas tradicionais dos computadores, eles acreditam que é possível construir computadores melhores usando "portas caóticas", ou portas que tomam suas decisões com base nos fenômenos descritos pela Teoria do Caos. De forma bem simplificada, os padrões caóticos codificam  e manipulam as entradas de forma a produzir a saída desejada. Seleciona-se os padrões desejados a partir da infinita variedade oferecida por um sistema caótico. Um subconjunto desses padrões foi então utilizado para mapear as entradas do sistema (as condições iniciais) nos resultados desejados. A ChaoLogix já está montando os primeiros protótipos de computador caótico.
Yin & Yang
Essas denominações expressavam o lado sombreado e o lado ensolarado de morros e casas. Em torno do séc. IV a.C., coincidente com o apogeu grego, que tudo segmentou, eles passaram a ter um sentido filosófico. O yin representa não só o escuro, mas também o lado mais fraco, o feminino, a noite, a lua, etc.. O yang se refere ao iluminado, o mais forte, o masculino, dia, sol, etc. A meta dos filósofos orientais sempre foi atingir uma vida humana com um balanço perfeito entre os dois princípios. O método é fundamento:
Não é uma coincidência que em 1947, quando Bohr foi condecorado com a Ordem do Elefante da Coroa dinamarquesa, ele tenha escolhido o símbolo taoísta do Yin e Yang como seu brasão de armas, com a seguinte inscrição em latim ‘contraria sunt complementa’, ‘os opostos se complementam’.
(Gleiser, 1997: 307).
Gilchrist (Lao Tsu, Tao Te Ching, trad. Gia-Fu Feng e Jane English, p. 37) trancreve:
O Tao gerou um,
Um gerou dois.
Dois geraram três.
E três geraram dez mil coisas.
As dez mil coisas carregam o Yin e abraçam o Yang.
Elas obtêm harmonia combinando essas forças.
Heráclito também aconselhara:
“Juntem o que é completo e o que é incompleto, o que concorda e o que discorda, o que está em harmonia e o que está em desacordo.” (Cit. Japiassú: 131).
Marcelo Gleiser (1997: 307) cita as palavras do excepcional J. Robert Oppenheimer, razão de Bohr:
A riqueza e diversidade da física, a ainda maior riqueza e diversidade das ciências naturais como um todo, a mais familiar, embora estranha e muito mais ampla, vida do espírito humano, enriquecida por caminhos incompatíveis, irredutíveis uns aos outros, atingem uma profunda harmonia através de sua complementariedade. Estes são os elementos tanto das aflições como do esplendor do homem, de sua fraqueza e de seu poder, de sua morte, de sua passagem pela vida e de seus feitos imortais.
Toffler reitera:
"É a diversidade que conduz à associação; quanto mais perfeita é a organização social, quanto mais variado o exercício das faculdades físicas e intelectuais, tanto mais se acentuam os contrastes sociais mais se eleva o homem." (Toffler e Toffler: 122).
Prigogine (cit. Anes: 108) ensina:
“O sistema deve ser aberto, isto é, sujeito a uma troca de matéria e energia com sua vizinhança, movimentando-se 'de modo dinâmico, não-linear'.”
Chopra (As Sete Leis Espirituais do Sucesso, p. 23) realça a capital importância e a gratificação na captura desta ação natural:
Quando você compreende a requintada coexistência de opostos, entra em alinhamento com o mundo da energia, o caldo quântico (3), a substância imaterial, que é a fonte do mundo material. O mundo da energia é fluente, dinâmico, elástico, mutável, eterno movimento. Ao mesmo tempo é imutável, quieto, tranqüilo, silencioso, eterno repouso.
Isto é nada mais nada menos do que o fundamento da própria paz social:
A realidade física é concebida como uma teia dinâmica de eventos inter-relacionados. As coisas existem em virtude de suas relações mutuamente compatíveis, e tudo na física é tem de partir da exigência de que seus componentes sejam compatíveis uns com os outros. Chew escreve num de seus primeiros artigos: 'Alguém que é capaz de olhar sem preconceitos para modelos diferentes, sem dizer que é um mais fundamental que o outro, é, automaticamente, um bootstrapper.' Em outras palavras, essa filosofia bootstrap*, ou filosofia de rede, leva a atitude de tolerância.
(Chew, Geoffrey, cit. Capra e Steindhal: 129)
Esquerdistas de vanguarda, finalmente, recebem a luz do novo milênio; por sinal, é a mesma do Iluminismo:
Ao destacar os limites de um liberalismo que tangencia, mas nunca incorpora devidamente, o socialismo, Perry Anderson deposita suas esperanças em um marxismo renovado, capaz de aprofundar, em seu projeto de socialismo, os valores e as instituições da democracia liberal.
(Afinidades seletivas; Seleção e apresentação, Emir Sader; tradução, Paulo Cesar Castanheira. - São Paulo : Boitempo, 2002; cit. Musse, Ricardo, Um marxismo renovado; Folha de São Paulo. 9/11/2002.)
Aprecie:
A influência de Niels Bohr
A liberdade na "biodiversidade"
A presença dos atratores* econômicos
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*G.F. Chew usou o termo bootstrap (que significa um cordão de botas) para a compreensão do universo amarrado, ligado, entrelaçado, o que hoje comumente é tratado como rede, ou teia.
Morin (2000: 32) explica que trata-se de “teoria que postula um tipo de continuidade, de não-separabilidade na base mesma da realidade material.”
Hawking percebe o fenômeno como "casca de noz", com supercordas e membranas. (2001)
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Notas

1 - Einstein viveu aqui; tradução Carolina Alfaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 33.
2 - "A própria palavra quantum refere-se a uma discreta parcela de energia, a menor unidade de energia possível capaz de associar-se a qualquer evento subatômico isolado." (Zohar, D. e Marshall, I., 2000, p.52.)
3 - O Princípio da Complementariedade vem explicado por Niels Bohr em Atomic Physics and Human Knowledge; Nova York, 1963.
David Bohm o interpreta em Wholeness and Implicate Order, London, 1980.
A primeira apresentação pública da teoria foi em Como, 1927.

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