sexta-feira, 14 de março de 2008

O aparelho keynesiano do Estado

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Aqui se ganha mais dinheiro do que em qualquer outro lugar.
Júlio Gomes de Almeida*
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A centralização favorece uma minoria, empobrecendo a massa. H.C. Carey (1)
APÓS A I GUERRA, Keynes propôs o simpático “perdão das dívidas dos perdedores”. Ele vasculhara as conseqüências econômicas do embate de 1871, travado entre França e Alemanha, por iniciativa de Bismarck. Deparou-se com uma curiosidade: a forte indenização imposta pela Alemanha à França fora a causa da violenta recessão que se abateu sobre a Europa logo a seguir. O exemplo deveria ser eloqüente.
Os americanos obtiveram os louros da decisiva participação na Guerra e no desfecho de Versailles, mas, cientes da importância e do sacrifício empenhado, os yankees não quiseram saber da benevolência sugerida por Keynes e pelo governo da Rainha, através de Loyd George. Não concordaram com tamanho desprendimento; suas famílias haviam recém presenciado o tombar de seus filhos numa região distante, quase nada a ver. Teve tudo a ver. A economia americana se viu cada vez mais envolta na trama de Keynes. Ela passou as décadas de 20 e 30 com grandes sobressaltos, tudo encarado como consequência daquele “pós I Guerra”, da rejeição à tese de perdão de dívidas, hipocrisia retorcida em As conseqüências econômicas da paz, de 1920. Antes da entrada em cena do maior arauto da manipulação econômica internacional, na Alemanha de 1913 trocava-se quatro marcos e alguns pfennigs por um dólar. Já em vinte e três, por seguirem as simpáticas lições keynesianas, os germânicos necessitaram portar 4,2 trilhões de marcos para trocarem pelo mesmo dólar. O povo, até então tapeado pela fartura do papel-moeda emitido, viu-se paulatinamente enrolado na armadilha. As fábricas pagavam aos trabalhadores que por sua vez se faziam acompanhados de suas mulheres, passando-lhes de imediato os milhões que acabava de receber para que ela se dirigisse ao comércio para adquirir fosse o que fosse, o mais rápido possível. O dinheiro perdia, por minuto, seu valor. Da noite para o dia, 50%. (O Brasil do fim-de-século o derrotou: em apenas um dia, o real se desvalorizou ao redor de 70%! Foi também o fim-do-mundo, mas ninguém se chateou, ao contrário.)
Baseadas nas arapucas da França, Alemanha, Inglaterra, Itália e valendo-se da comum desculpa de fazer frente as tempestades marxistas, todas as nações ocidentais partiram a instituir programas invariavelmente demagógicos de saúde, previdência e segurança social. No auge da massificação impunha-se o sistema compatível:
As hierarquias marcadas pelas relações de poder, através das quais a autoridade fluía; manejavam o chicote com o qual o indivíduo era mantido dentro da linha. Compensações e punições vinham da hierarquia para o indivíduo, de modo que o indivíduo, habitualmente com a sua vista dirigida para cima, para o degrau seguinte da escada hierárquica, tornava-se condicionado pela subserviência. Resultado: o insípido homem da organização - o homem sem convicções pessoais (ou sem coragem para torná-las evidentes). Valia a pena conformar-se. (2)
Numa das configurações mais absurdas já conhecidas do chamado Direito Positivo, os cidadãos foram proibidos de fabricar, comercializar e ingerir bebidas alcóolicas. Por quase dez anos, o Canadá e o México se fartaram de ganhar dinheiro. Outros que muito ganharam foram governantes, entre os quais, um dos mais conhecido, o Prefeito de Chicago, integrante da folha de pagamento de Al Capone.
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Congresso do Crime
Metido a moralizador, o governo aplicou um controle de tal intensidade que subverteu até o moral e costume de sua própria gente, rotulado com a pecha de transgressor qualquer aventureiro que se dispusesse a algo tão danoso como ingerir um cock-tail alcoólico em qualquer efeméride. O comércio do segmento passou a se constituir fora-da-lei, gerando mortes e corrupção em larga escala. Ou conformação, ou fora-da-lei. Alguns tinham esperança na última, por isso Chicago assistiu o I Encontro Internacional do Crime Organizado (1929). Só podia, mesmo, acabar em depressão geral. E foi o que se viu. A economia foi a primeira a se desarranjar. A Grande Depressão suplicou pelo Doutor e seus aparelhos:
Este Hobart Special do Professor Hayek chega num momento em que - depois das asneiras monetárias cometidas antes da guerra, consideradas responsáveis por precipitarem a Grande Depressão de 1929-32 e de quase um terço de século de “controle monetário” (ou, melhor, descontrole) pelo governo no pós-guerra, constata-se que as tentativas de controle internacional de modo algum tiveram maior sucesso - mais uma vez os economistas estão à cata de meios para retirar totalmente o controle do dinheiro das mãos do governo 'afastar o dinheiro da política' caso desejem que sobreviva a sociedade civilizada. (3)-
Sindicatos do crime
O temor da Revolução Proletária, sempre o mesmo fantasma, bem serviu ao mito repulsor. Enfático e convincente, mas principalmente inatacável, até por usar inacessíveis mistificações, neste caso de novo como Marx, Mr. Keynes conseguiu bitolar o que restava da economia livre, por isto desenvolvida:
Para completar esse quadro de abandono da idéia liberal, começam a fazer sucesso, no mundo ocidental, as idéias de Keynes que defendia - com uma aura de saber científico - a intervenção do Estado na economia, a fim de corrigir os maus resultados e as desagradáveis conseqüências do ciclo econômico, atribuídas por essas teorias ao funcionamento da economia de mercado. (4)
O sindicalismo internacional e o esquema “social” se alimentavam mutuamente:
“Tanto o keynesianismo quanto as social-democracias deram linha solta para o movimento sindical.” (5)
Ao lobo, o velho estrategista, aquele “homem de sistema”, identificado por Tocqueville em 1840 e, ainda antes, por Adam Smith, em 1776, cabia guardar o galinheiro:
O homem de sistema costuma se achar muito sábio em seu próprio juízo; e ele está, com freqüência, tão enamorado da suposta beleza do seu próprio plano ideal de governo que não tolera qualquer desvio, por menor que seja, em qualquer parte dele. Ele atua com o intuito de implantá-lo completamente e em todos os detalhes, sem prestar atenção seja nos grandes interesses, seja nos fortes preconceitos que podem se opor a ele. Ele parece imaginar-se capaz de dispor os diferentes membros de uma grande sociedade com a mesma facilidade com que a mão dispõe sobre as peças de xadrez. Ele não considera que as peças do tabuleiro não possuem qualquer outro princípio de movimento além daquele que a mão confere a elas, mas que, no grande tabuleiro da sociedade humana, cada peça tem, por si mesma, um princípio de movimento que lhe é próprio, inteiramente distinto daquele que o poder público poderia decidir imprimir sobre ela. Se esses dois princípios coincidem e agem na mesma direção, o jogo da sociedade humana se desenrolara com desenvoltura e harmonia e é muito provável que seja feliz e coroado de sucesso. Se eles forem opostos ou diferirem, o jogo prosseguira miseravelmente e a sociedade vivera continuadamente num estado da mais alta desordem. (6)
Os americanos abriam os braços às soluções fascistas aperfeiçoadas nas fortalezas sindicais:
Na era das chaminés, nenhum empregado isolado tinha um poder significativo em qualquer disputa com a firma. Só uma coletividade de trabalhadores, unidos e ameaçando parar o uso de seus músculos, podia obrigar uma administração recalcitrante a melhorar o salário ou as condições do empregado. Só a ação em grupo podia reduzir ou parar a produção, porque qualquer indivíduo era facilmente intercambiável e, por isso, substituível. Foi esta a base para a formação dos sindicatos de trabalhadores. (7)
A outrora livre e singular iniciativa se viu cada vez mais engessada pelas “economias mistas”, controles governamentais, normas, regulamentos, consolidações, leis, decretos-lei, códigos, quase todos voltados à gerência do meio circulante:
Também merece menção o fato de Keynes ter sido um dos maiores responsáveis, na conferência de Bretton Woods em 1944, pela criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional. O papel desempenhado por essas instituições - especialmente pelo Banco Mundial - no processo de estatização da economia brasileira, em particular, e latino-americana, em geral, ainda não foi devidamente reconhecido. Com efeito, o enorme volume de financiamentos concedidos pelo Banco Mundial às empresas estatais contribuiu decisivamente para a expansão dessas empresas e, conseqüentemente, para agravar os resultados negativos decorrentes do fato de setores importantes e básicos da economia nacional serem inteiramente controlados e dependentes da ação governamental (8)
Onde nos metemos!
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A manipulação monetária
Mostrando-se sensibilizado, mas almejando sensibilizar, Keynes concedia (a si próprio) um caráter humanístico à fria ciência:
“A economia, melhor dita a economia política é um aspecto da ética.” (9)
É ético ou científico o guardião alterar o valor que lhe cabe zelar? E, pelo menos, fica resumido a isto o sacrifício? E qual conduta é aconselhada?
A intervenção deve-se dar de maneira mais ou menos permanente, principalmente sob a forma de uma política de manipulação monetária com o objetivo de atuar sobre três elementos variáveis, acima indicados, elementos esses dos quais depende o volume de emprego e da produção. (10)
Então, que ética conheceu tão afamado intelectual? Aquela pela qual o cidadão é reduzido a um objeto ou a um palhaço:
Qualquer gasto é preferível a nenhum gasto. Abra buracos e os tape de novo. Ou pinte a Floresta Negra. Se não puder pagar aos indivíduos um salário para que façam alguma coisa de útil, pague-lhes para que façam algo de idiota. Gastando-se assim a poupança, elevam-se os salários, o que aumenta o consumo que, por sua vez, aumenta a produção de bens e serviços. (11)
Complementando a desfaçatez, Keynes lembrava:
“A longo prazo estaremos todos mortos.” (12)
Antes deste na verdade curto prazo, Keynes contaminou sua terra natal a ponto de Churchill, ainda em 27, protestar:
A política financeira da Grã-Bretanha desde a guerra tem sido dirigida pelo diretor do Banco da Inglaterra (Banco Central) e por funcionários eminentes do Tesouro que procuraram inflexivelmente uma linha de ação rígida e altamente particularista. Esta linha é inteiramente satisfatória quando julgada da perspectiva da esfera em que agem e pela qual são responsáveis, mas é quase que totalmente insatisfatória em suas reações sobre as esferas sociais, industriais e políticas mais amplas. (13)
Infelizmente por aqui o que vemos é a conconcordância alastrada por jabás, periódicos de chapas-brancas, press-releases, por institutos e fundações comprometidos com o aparelho não ideológico, mas completamente ilógico, do chão-da-fábrica elevado elevado à cobertura.
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Notas
*Consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) ontem, Estado de São Paulo, p. 3b, sobre a especulação financeira no Brasil.
1. Cit. Hugon, Paul, História das Idéias Econômicas, p. 420.
2. Toffler, Alvin, O Choque do Futuro, p. 119
3. Seldon, Arthur, prefácio de Hayek, F., A Desestatização do Dinheiro, p. 3
4. Stewart Jr, Donald, O que é o Liberalismo, p. 24/5.
5. Keynes, John Maynard, cit. Mascarenhas, Eduardo, De Getúlio a Fernando Henrique, p. 139.
6. Smith, Adam, An Inquiry into Nature and the Causes of the Wealth of Nations (1776), p. 233/4.
7. Toffler, Alvin, Powershift: As Mudanças do Poder, Um perfil da sociedade do século XXI pela análise das transformações na natureza do poder p. 238.
8. Keynes, J. M., Colletc Writings of J. M. Keynes, XVI, Activities, p. 313 a 334, cit. em Johnson, Paul, p. 22.
9. Keynes, J. M., cit. Mises, Ludwig von, As Seis Lições, p. 52; também cit. Hayek, F., Os Erros do Socialismo - A Arrogância Fatal, p. 84.
10. Cunliffe, Marcus, The Intellectuals in the USA, p. 29, cit. Lipset, Seymour Martin, p. 357.
11. Keynes, J. M., cit. Mises, Ludwig von, As Seis Lições, p. 52; também cit. Hayek, F., Os Erros do Socialismo - A Arrogância Fatal, p. 84.
12. Idem, ibidem.
13. Churchill, Winston, cit. Galbraith, John Kenneth, p. 307.


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