quarta-feira, 26 de março de 2008

O resultado social da iniciativa individual

A MÃO INVISÍVEL propicia o resultado social a partir das intenções e interações individuais; isto demonstra a ciência e a experiência, mas, ainda assim, de que modo tamanha vagueza pode ser identificada? De que maneira esta abstração se torna fato, e portanto, provável? Como ações exclusivamente subjetivas, pessoais, meros “caprichos egoístas”, como acusam detratores, poderiam ensejar produtivos efeitos sociais? Qual norte serve a este fio-de-navalha?-
Ormerod (2000: 216) nos responde de modo categórico: "Uma economia só pode crescer de maneira global se as empresas individuais que a formam crescerem. Portanto, qualquer teoria do crescimento deveria estar embasada na atividade e no comportamento das empresas individuais."
Ao contrário, por movimentos sociais, ou pela ação do Estado, o que se apura são resultados que privilegiam apenas seus mentores, os profetas do pasto-verde. Somente a iniciativa individual proporciona o resultado social. O resto é conversa-fiada. Este radicalismo encontra amparo no Nobel Amartya Sen
(2000: 10):

Existe uma acentuada complementariedade entre a condição de agente individual e as disposições sociais: é importante o reconhecimento simultâneo da centralidade da liberdade individual e da força das influências sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual. Para combater os problemas que enfrentamos, temos que considerar a liberdade individual um compromisso social. Essa é a abordagem básica que este livro procura explorar e examinar. A expansão da liberdade é vista, por essa abordagem, como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente.
Ferguson (p. 181) traz pertinente exemplo, concorde com as possibilidades do axioma:
Qualquer minoria que compreenda o poder da partícula de cristal - ampliação de uma idéia - pode rapidamente adquirir uma influência acima de seu número. Na verdade somos condicionados para termos medo, ficarmos na defensiva, sermos hostis, ainda que tenhamos também a capacidade para uma extraordinária transcendência. A comprovada flexibilidade do cérebro e percepção humanos sugere a possibilidade de que a evolução individual pode conduzir a evolução coletiva. Quando uma pessoa libera uma nova capacidade, esta torna-se de súbito evidente para outras, que podem então desenvolvê-la também.
É o fenômeno do fractal, e até do trickle down, elevado à potência espiritual: “No capitalismo todos colaboram com todos. O egoísmo capitalista acaba sendo, pois, tão solidário que parece o pregado pela Bíblia.” (Mendoza, Montaner, & Llosa: 208).
Bobbio (2001:20) conclui de modo semelhante:"Portanto, a vida política em uma sociedade salutarmente democrática, modernamente voltada para a conquista de uma maior civilização de costumes, de obras e de idéias, está no caminho certo somente se correr sobre os trilhos dos interesses."
Fergunson (p. 181) ainda reconhece: “A idéia de que a harmonia social decorre em última análise do caráter do indivíduo aparece através de toda a História.”
Semelhante apreciação, por ângulo contrário, Émile Durkheim expôs em seu mais famoso trabalho: “O suicídio é um fenômeno social, além de pessoal” (O suicídio, 1879; cit. Rohmann: 315)
Para alastrar uma doença, bastam poucos corpos; para formar a moda, apenas um sucesso: "Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo do desenvolvimento." (Dawkins: 369)
Retornos crescentes
É na física, contudo, e mais uma vez, que se constata a viabilidade da “multiplicação dos pães”. Na inóspita bomba atômica, cada núcleo que se rompe faz com que outro também se libere; há uma epidemia de rompimento de átomos, e uma liberação extremamente rápida de calor e energia.
A usina do progresso econômico produz o círculo virtuoso de Adam Smith:
Na verdade, o conceito de retornos crescentes não é novo em economia, como afirma Keneth Arrow no prefácio do livro Retornos crescentes e trajetórias dependentes em economia, de Brian Arthur. Adam Smith, nos capítulos iniciais de A Riqueza das Nações, usa o argumento de retornos crescentes para explicar o crescimento econômico e a especialização. (Gleiser, I.: 191)
 Estado e  cidadão
A teoria do Estado, a pretensa vontade geral ocasiona a cisão. O individualismo enseja a solidariedade:

A idéia de direitos é meramente a idéia da virtude inserida no mundo político. Na base de tudo está a convicção, trazida pela longa experiência, de que os que possuem direitos são compelidos a respeitá-los, pois, no caso contrário, eles próprios serão os principais prejudicados. Dentro do contexto de democracia inglêsa, a liberdade política não estimula um individualismo arrojado. Ao contrário, ela reforça a coesão e a unidade da sociedade, pois somente os homens livres podem cooperar verdadeiramente. (Tocqueville, American democracy)
Bobbio (1992: 60/61) encontra o tradicional embasamento:
Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo que tem valor em si mesmo e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado; ou melhor, para citar o famoso art. 2. da Declaração de 1789, ‘a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem é o objetivo de toda a associação política’.
A justificação da democracia, ou seja, a principal razão que nos permite defender a democracia como melhor forma de governo ou a menos ruim, está precisamente no pressuposto de que o indivíduo singular, o indivíduo como pessoa moral e racional, é o melhor juiz do seu próprio interesse. (Bobbio, Teoria Geral da Política: a Filosofia Política e as Lições dos Clássicos: 424)-
Small is beatiful
A psicologia reverte. Jung promoveu a conscientização:
Em última análise, o essencial é a vida do indivíduo. É só isso que faz a história, só aí é que as grandes transformações acontecem, e todo o futuro, toda a história do mundo brotam fundamentalmente como uma gigantesca somatória dessas fontes escondidas nos indivíduos. Em nossas vidas mais privadas e subjetivas, somos não só testemunhas passivas de nossa era, e suas vítimas, mas também seus artífices. Nós fazemos nossa própria época. (The Meaning of Psychology for Modern Man: 149; cit. Zohar, e Marshall, O Ser Quântico: uma Visão Revolucionária da Natureza Humana e da Consciência Baseada na Nova Física: 244)
Mastodontes já não detêm hegemonia:"Quanto maior a economia mundial, mais poderosos são seus protagonistas menores e todos os grandes protagonistas estão diminuindo de porte." (Naisbitt: 48)
Não dá outra:"No primeiro semestre de 2009, enquanto as médias e grandes empresas eliminaram 150 mil vagas, as micro e pequenas criaram 450 mil postos de trabalho, segundo dados do Ministério do Trabalho." (Folha de São Paulo, 26/7/2009)
A razão é a seguinte:
Como o próprio conhecimento é organizado relacionalmente ou na forma de hipermeios - significando que pode ser constantemente reconfigurado - a organização tem de se tornar hiperflexível. É por isso que uma economia de firmas pequenas, que interagem, reunindo-se em mosaicos temporários, é mais adaptável e, em última análise, mais produtiva do que uma outra construída em torno de uns poucos monolitos rígidos. (Toffler, 1992: 199).
Gilles Lipovetsky (cit. Descamps: 82) vê uma segunda revolução individualista-liberal, quando a comunicação sobrepuja a politização, e o permissivo esmorece o coercitivo:
Assim, longe de ser uma ‘ilusão social’, a ideologia individualista [rejeito o termo “ideologia” aplicado ao individual - justamente uma não-ideologia] produziu - e continua a produzir - uma mutação que nos separa para sempre das outras sociedades. Conceituar as diversas manifestações do individualismo atual, portanto, é observar uma escalada numa lógica de longa duração. Vivemos o último estágio da história, já multissecular, do ‘homo aequalis’, do homem que tem direitos.
Kant (cit. Zohar e Marshall: 244) apresentara uma conceituação incidente, aparentada às de Quesnay e de Adam Smith, rechaço ao
Estado eudemológico, um Estado que pretendia incluir entre suas tarefas a de fazer os súditos felizes, já que a verdadeira finalidade do Estado deve ser apenas dar aos súditos tanta liberdade que lhes permita buscar, cada um deles, a seu modo, a própria felicidade.
Einstein (cit. Almeida, M. O., A Ação Humana e Social de Einstein: 65; Trattner: 75) singrou à vontade neste mar: "Só o indivíduo isolado pode pensar e por conseqüência criar novos valores para a sociedade, mesmo estabelecer novas regras morais, pelas quais a sociedade se aperfeiçoa."
"Para mim, o elemento precioso nas engrenagens da humanidade não é o Estado, é o indivíduo, criador e sensível, a personalidade; é só ela que cria o nobre e o sublime, enquanto a massa permanece estúpida de pensamento e estreita nos sentimentos."
Nos mecanismos universais, o mecanismo Estado não se impõe como o mais indispensável. Mas é a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança infernal de imbecilidade e de embrutecimento. (Einstein, A. 1992: 12)
É pelo efeito trickledown, ou borboleta, melhor ainda pelo atômico, que se pode aferir a capacidade ilimitada intrínseca em cada indivíduo. Mesmo que não se queira, tudo reflete na comunidade. Não são poucas as abordagens desses fenômenos pela Nav's ALL, especialmente por esses dias nos quais há a insistência com fórmulas já conhecidas; portanto, ultrapassadas.

A Economia como Ecossistema

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