domingo, 2 de novembro de 2008

A ciência e a filosofia na sala de reuniões

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Não é suficiente ensinar a um homem uma especialidade. Através dela ele pode tornar-se uma espécie de máquina útil mas não uma personalidade desenvolvida harmoniosamente. A sobrecarga necessariamente leva à superficialidade. EINSTEIN, Albert cit. PAIS, Abraham, Einstein viveu aqui: 271
Assim ciência e filosofia não podem mutuamente desconhecer-se... são, uma e outra, emanação da razão e de uma razão que permanece fundamentalmente a mesma nestas duas manifestações. E. MEYERSON, De l’Explication dans les Sciences, Paris, Payot, 1924, t. II,:361.
A CULTURA ASIÁTICA percebe os polos complementares. Confúcio, a vertente do Tao, e o Budismo consagram a integração.
A civilização greco-romana adotou o confronto. O sabre colocou o povo à serviço do Império:
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país.
TOYNBEE, Arnold J.:196.
Depois da queda do Império, a simples ameaça do diabo era suficiente para manter o povo nos eixos, a long time ago. Na Idade Média os trabalhos do egípcio Cláudio Ptolomeu (90-168 D.C.), Santo Tomás de Aquino (1250), e por fim o folclore da Divina Comédia, de Durante Aldighieri de Ferrara* reforçaram a Pax Benedictina:
Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas.
BODIN, Jean, cit. CHEVALIER, Jean Jacques: 55
Seria prudente despir a ciência e a filosofia do rigorismo acadêmico, da obssessão pelo exato, e conseqüente rechaço às probabilidades? Unir-se-iam número e letra, sem constrangimentos?
A resposta é tão positiva quanto E=MC2. Ao mesmo tempo, por outro paradoxo, a tradição assim condena:
Em conseqüência, tanto o platonismo quanto o cristianismo
distanciam os seres humanos do meio que os rodeia.
A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das
modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos.
Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo.
Zohar, D., 2000, p. 188.
Como proceder a síntese sem confronto?
Exceto por raras brilhaturas, o intento nunca interessou. Isso significava o desmanche das dialéticas; o fim da especialização, em favor do conhecimento abrangente; a reaglutinação do corpo e da alma; a desmistificação da matéria, pela inclusão do presumido contrário, a energia. Onde se colocaria a metafísica?
Os
esquimós das exatas preferem a frieza dos números. Os tuaregs das humanas tem dificuldades com eles, e preferem o calor da palavra. Não são poucos os embaixadores que tratam da reunião, mas todos são oriundos ou do deserto, ou das geleiras. Quem teria melhor chance de êxito? Poderiam ambos se sentarem na mesma mesa? Que linguagem lhes seria comum, a ponte pelo qual poderia haver um conclave? Qual origem estaria mais capacitada a entender meio e fim? Qual via usaremos para retornar ao status quo, por exemplo, algum ponto de comércio no qual ambos se despissem dos seus preconceitos, acumulados por séculos? Em que trópico poderiam se abraçar?
Os filósofos costumam vasculhar labirintos, e levam muitos físicos de roldão. Encantam-lhes concepções platônicas, e assim talham seus mais modernos edifícios nessas plantas careadas. É compreensível.
Os físicos já tem muitas contas a ocupar sua cabeça, de maneira que nela é difícil encontrar ainda mais espaço às letras; e por causa disso, pela lógica que estão acostumados a trilhar, supõem que também os livros de filosofia, em especial os mais propalados, também sejam dotados de lógica, e dessa forma alguns poucos mapas já seriam suficientes para embasar as proposituras previamente articuladas em suas mentes. Na verdade buscam na filosofia o apoio às teses que lhes apaixonam:
“Não tenho dificuldades para admitir, identificando o platonismo com matematicismo, o caráter platônico da ciência galileana”. (GEYMONET, Ludovico: 42)
Como há filosofia para tudo, desde o materialismo dialético ao nazismo bestial, sempre encontram a fonte primaz pela qual se julgam seguros para formular seus arrazoados, de modo que a reunião é dispensável, e até inoportuna.
A filosofia está escrita neste grande livro que permanece sempre aberto diante de nossos olhos; mas não podemos entendê-la se não aprendermos primeiro a linguagem e os caracteres em que ela foi escrita. Esta linguagem é a matemática e os caracteres são triângulos, círculos e outras figuras geométricas.
GALILEU, cit. CAPRA, Fritjof, O ponto de mutação: 50
Na matemática não há fatos fora do seu próprio campo que exijam comparação. Por causa dessa certeza, os filósofos de todos os tempos sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior e mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber.
RUSSELL, B., 2001: 137
A cisão vem ampliada pelos interesse dos filósofos de Estado e das religiões, e por isso se torna não só aos físicos, como a toda a comunicade científica escapulir desse grilhões, mormente se lembrarmos que a maciça maioria das escolas, do pré-primário ao doutorado está à cargo justamente de próceres de governos nacionais, ou do Vaticano. Em ambos os casos a filosofia asiática simplesmente é ignorada, e pelo último taxada até de sacrilégio.
Teríamos como superar o impasse? A postura oriental seria forte ao reestabelecimento da harmonia cognitiva? A julgar pela maioria dos pesquisadores, a resposta permanece negativa:

Analisando aspectos da luta que os primeiros cientistas modernos travaram contra o misticismo,o ocultismo e o orientalismo, e como que refazendo o processo de Galileu, o autor procura renovar o significado e o valor daquela Revolução Científica que permanece nas raízes da civilização moderna.
ROSSI, Paolo, A ciência e a filosofia dos modernos: aspectos da revolução científica. - S.Paulo: UNESP, 1992
Se os das letras só pescam em suas represas, a maioria dos físicos se atém em seus parcos poços. Eric Kraemer, em La grand mutation (cit. Goytisolo: 69) estabeleceu contundente crítica:
Entre a teoria dos quanta, que sustenta o edifício científico da idade atômica e o pensamento dos economistas e filósofos, marxistas e tecnocratas, parece terem decorrido séculos. Já não falam a mesma língua. Já não têm nem uma idéia comum.
A academia lhes confere as devidas condecorações, e isto basta para caírem na festa da ilusão. Raro se desgarra do vêzo da pouca leitura, mas o Zenith está na mão. Contudo, é a interdisciplinaridade é essencial. Ela aponta desde o fim da Torre de Papel à importância da China.
Ao montar o puzzle mais completo se descortina a irreverência da nova ciência, por paradoxo sua inexorável maturidade, tempo de liberdade pela "biodiversidade". É do que nos ocuparemos nos próximos dias.
No raiar de novembro há lembranças dos finados, dessa gente que só pode ser apreciada na modalidade energética, malgrado em vida havermos identificada na forma material. No oriente, a Índia celebra a Festa das Luzes, no fito de balizar o retorno da deusa Lakshmi, símbolo do dinheiro e da prosperidade, resgatada das mãos de Ravana através de Rama e Sita - reencarnações de Vishnu, esta essência universal. Ela só encontra o caminho de volta para casa graças ao povo que ilumina a floresta.
Assim vaticinou John Dewey (p. 205):
"Quando a filosofia vier a cooperar com o curso dos acontecimentos e tornar claro e coerente o significado dos pormenores diários, a ciência e a emoção hão de interpenetrar-se, a prática e a imaginação hão de abraçar-se."
Acendo minhas tochas.

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