Ora, nossas observações do mundo exterior,
que nos conduzem à física, nos revelam um
universo constituído de uma multiplicidade
de sistemas ‘abertos’, todos em incessante
interação com seu ambiente. BEN-DOV: 149
O que seria mais espinhoso: o filósofo encadear seu pensamento através da lógica matemática, ou o físico entabular seu argumento utilizando as bases filosóficas?
Ambos estarão em pistas escorregadias; entretanto, ao primeiro o percurso é mais reto, e mais curto. Foi isto que encantou Descartes. Uma dúzia de obras é o suficiente para percorrer todo o trajeto da epistemologia da Física. A recíproca, entretanto, não é verdadeira. Abordagens sobre humanidades primam por várias nuances. E embora muitas vezes antagônicas, rara é totalmente desprovida de racionalidade.
Por não entender os princípios, os filósofos contemporâneos evitam a freeway da física, embora a utilizem através dos precursores que lhes iluminam. Mas os destemidos físicos não temem ingressar na floresta do pensamento. Eles sabem que antes do rigorismo acadêmico, da certeza numérica, persiste um método, uma filosofia que a sustenta, e por isso cada vez mais vemos a gente de vocação numeral estender suas redes pelos mares das palavras. Todavia, estas não poucas vezes são dúbias, e tais peculiaridades enganam as presas.
Einstein ensaiou um raid, acompanhado de Kant e Spinoza. Não sei quem lhe recomendou. Ambos cansam qualquer campeão maratonista. O Grande Relativo desistiu cedo da empreitada.
Foi Thomas Kuhn que assinalou a importância da base filosófica nas estruturas das revoluções científicas. Kuhn percebeu a substancial ruptura com o padrão usado por Copérnico, Galileu, Descartes e Newton,. Einstein e os formuladores da quântica- Planck, Bohr, Schrödinger e Heisenberg, entre os mais citados, construíram hipóteses que não cabiam nas elucubrações metafísicas. A imaginação estava mais perto da verdade do que a realidade até então vendida. Kuhn, entretanto, eximiu -se de vasculhar as fontes daquele delta. Grande parte dos pesquisadores oriundos das exatas, tendo em vista a enorme quantidade de material, colhem algumas amostras, e por elas confirmam o caráter empirista das velhas proposituras. Dessarte, todos os físicos e filósofos anteriores à Relatividade e a Quântica são relegados às prateleiras de museus. Não conheci distinção.
Um crítico dotado de grande sucesso popular é Fritjof Capra. Além do moderno ferramental, o multidisciplinar pesquisador navega nas águas preferidas de Niels Bohr, a complementariedade. Bohr utiliza o símbolo oriental que exprime a união do Ying/Yang. Capra enaltece o Tao, que mal traduzido quer dizer caminho. Contudo, este excepcional articulador apresenta radicalidade dogmática em duas mais notáveis apreciações. A primeira detona John Locke pelo Ensaio do Conhecimento, e por isso não segue adiante. De fato a peregrinação inglesa apela aos sentidos, e pela exclusividade Locke paga o alto preço de não ver sequer apreciadas suas mais preciosas obras, de cunho político-filosófico. Estas estabeleceram as cabeças-de-ponte à moderna democracia, um sistema eminentemente relativista e tão correto que logrou abalar todas as estruturas absolutistas já conhecidas, e mesmo as futuras, hoje unânime diante da dissipação das pernas platônicas, a esquerda e a direita.
A grande epopéia das Luzes incluía no mesmo movimento o justo e o belo. Organizava um afresco tranquilizador da natureza e da sociedade. Os romances de aprendizagem diziam como se conduzir e se comportar. Ora, as indicações foram se desagregando nas sociedades industriais contemporâneas. Como poderiam ter consciência?DESCAMPS, C., As Idéias Filosóficas Contemporâneas na França, p. 27.Locke propôs um novo paradigma ao exercicio político. Nada havia de empírico. O poder migrava do absoluto, ao encontro da relatividade de cada cidadão. Todavia, por faltar os instrumentos, e por se tratar de gente, não de objeto, só o tempo poderia assegurar a correção da assertiva, mormente por não se coadunar com as proposições cartesianas, ou newtonianas.
Thomas Hobbes por lá nunca mais obteve sucesso, mas a garrafa do Leviathan seria apanhada nas costas da Normandie pelo falso idealista democrático, o atormentado cartesiano J.-J. Rousseau. Enquanto a França derivou por tocentas constituições, a Grã-Bretanha se impôs pela harmonia.
Ao consagrar a ecologia como bem supremo, Capra comete outro arranhão. Desse modo saímos do relativismo, para retornar ao absolutismo. Trocamos a máxima de Platão, que reservou o pedestal ao Estado; e da Igreja, que o desviou ao Celestial; ou até de Marx, que pelo lado contrário consagrou o dinheiro, para endeusarmos a natureza.
Não resta dúvidas que temos uma dependência vital com as questões ecológicas, mas não menor das que ainda cultivamos pelo Estado, pela riqueza, e pelas designações religiosas. Antes de tudo, entretanto, tão ou mais importante do que o cenário, e mesmo o script preliminar, o que prevalece é o desempenho e o motivo do ator. São as relações pessoais que determinam tudo o mais:
Tirando a parafernália grudada no trem da história, podemos divisar o brilhante esteio, compatível com os sonhos individuais, sim, mas coadunados com a esperança geral. A tanto ele requer esse tecido de material muito abstrato, por isso nem tanto considerado. Refiro-me à ética. Esta qualidade pode e deve ser aquilatada no âmbito da Ecologia, do Estado, das ciências, da Filosofia, da Religião, da Economia. Eis a linguagem que a tudo é comum:Não existe essa verdade absoluta. A mesma paisagem apresenta diferentes aspectos a diferentes pessoas que a vêem de diferentes pontos de observação. É uma coisa para o pedestre, uma coisa totalmente diversa para o motorista e ainda outra coisa diferente para o aviador.Toda experiência é relativa a pessoa exposta a essa experiência particular.Albert Einstein
Todas as formas de cooperação social legítima são portanto obra de indivíduos que nela consentem voluntariamente; não há poderes nem direitos exercidos legalmente por associações, inclusive pelo Estado, que não sejam direitos já possuídos por cada indivíduo que age sozinho no justo estado de natureza inicial.Por isso o físico nuclear Richard Feynman (O significado de tudo: reflexões de um cidadão cientista, p. 14) assim abria suas palestras:
RAWLS, J.: 11
“Não há praticamente nada do que vou dizer esta noite que não pudesse já ter sido dito pelos filósofos do século XVII”.
Para encerrá-las, o pesquisador de Los Alamos trocava o “vou dizer” por “eu disse“; e praticamente repetia as concepções de Locke e Smith:
Nenhum governo tem o direito de decidir sobre a verdade dos princípios científicos nem de prescrever de algum modo o caráter das questões a investigar. Também nenhum governo pode determinar o valor estético da criação artística nem limitar as formas de expressão artística ou literária. Nem deve pronunciar-se sobre a validade de doutrinas econômicas, históricas, religiosas ou filosóficas. Em vez disso, tem para com os cidadãos o dever de manter a liberdade, de deixar os cidadãos contribuírem para a continuação da aventura e do desenvolvimento da raça humana. Obrigado.
Aprecie contrapontos:
A falta de ética da Totalidade Ética
A impotência do poder
Complemente sua pesquisa
Numerocracia
A lei como expressão da vontade de poder
O Leviathan afrancesado
Do nivelador
O Triunfo da Doilética
A Má Temática da Igualdade
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