quarta-feira, 28 de maio de 2008

O perene Thomas Hobbes

O culto do Leviathan é uma enormidade moral, (no sentido de um grande absurdo ou de uma anomalia moral) mesmo em sua forma mais nobre ou suave.1

A tradição de Hobbes nunca concebia a imaginação como força criadora. Para Hobbes a mente humana, como o universo, é uma simples máquina, e de uma máquina não cabe esperar nenhuma criação.2
Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus. (A.R. Wallace & R.Young, Sciences studies, 1971: 184; cit. Japiassú, 1978: 56) 
"Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglêsa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico." (COBRA, Rubem Q., Thomas Hobbes, Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.) 
A civilização vista por Hobbes era a mesma massa ignorante:
Nas sociedades dos irracionais (das abelhas, formigas, térmitas, etc.) a defesa da espécie parece ser o objeto soberano. Desinteressada e indiferente, mantém-se a comunidade, ante a sorte individual de seus componentes. Em verdade, nesses agrupamentos, os indivíduos são apenas partes de um todo e, em conseqüências, integralmente submetidos aos interesses da sociedade global. (Telles Jr., Goffredo, O Direito Quântico, p. 255.)
Thomas não conheceu Marilyn: “Uma formiga submete-se a seu destino; um ser humano modela o seu.” (Ferguson, M.:160)
Poder-se-ia aproveitar algo se o precursor do descalabro fosse menos dogmático na confirmação da ciência pelo poder totalitário, onde procurou misturar o conhecimento com seus próprios interesses, e neste ponto há uma concordância geral, de Tom Paine a Jacques Mourgon. (La science du pouvoir totaliteire dans le Leviathan de Hobbes:281) O receio, todavia, sempre apontou para o único horizonte:
A única forma de constituir um poder comum, capaz de defender a comunidade das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos próprios comuneiros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio trabalho e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Esta é a geração daquele enorme Leviatã, ou antes - com toda reverência - daquele deus mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa. HOBBES, T, The Leviathan, cap. 17.
A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin.  Brett, R. L.: 29 
Ao que contrapos J. Locke:
Do momento em que se supõe que se detenha em si todo o poder, tanto o legislativo como o executivo, não se pode encontrar nenhum juiz, nem é possível qualquer apelo que decida, com eqüidade, imparcialmente, e com autoridade e cuja intervenção se possa esperar socorro e reparo das ofensas e danos causados pelo príncipe, ou por ordem sua. LOCKE, John, cit. BOBBIO,N., Locke e o Direito Natural:219
“A última conseqüência lógica da filosofia de Hobbes é o absolutismo estatal, a ditadura entronizada como lei suprema.” (Rohden, H.: 54)
"A filosofia política de Hobbes culmina na conclusão de que might is right - poder é direito, sendo o Governo suprema norma ética, não havendo ética contrária a ele. O chefe de governo paira acima do bem e do mal."  (ROHDEN, H. Filosofia Contemporânea: 53)
Carl Schmitt (cit. Prelot, Marcel, vol II: 266) não deixa por menos: Hobbes foi, claramente, precursor do totalitarismo. O estereotipado secretário inglês se liga diretamente com Maquiavel, Vico, e Sorel - este ídolo e mentor intelectual de Mussolini. "Toda a política dos filósofos se resume em por a onipotência do Estado ao serviço da infalibilidade da razão, a fazer da razão da razão pura uma nova razão de Estado." (SOREL, Alberto, L'Europe et la Revolution Française, T.I, Cap.II, cit. em PRELOT, Marcel, Vol. II: 293)
Joseph Viatoux Prelot, Marcel, vol II:p. 263) confirma e acrescenta: "A doutrina do Estado de Hobbes é a mesma doutrina do Estado totalitário contemporâneo.” Hobbes contribuiu à cruel Revolução Francesa através do retransmissor: “O De Corpore Político e o De Cive contém uma imensa quantidade de conceitos políticos em que se inspiraram, mais ou menos confessadamente (antes menos do que mais) tantos autores que se seguiram, a começar por Rousseau.” (Davy, G., L'anne sociológique, p. 169; cit. Prelot, Marcel, vol II, p. 266) Daí a Hegel foi apenas um passo ao lado. Ao duo perverso o indivíduo naturalmente deve se anular, alienar-se no ideal supremo da igualdade radical, peões ao diletante:
O único meio para isso é que todos consintam em renunciar a seu próprio poder e em transferi-lo para uma única pessoa (uma pessoa física ou jurídica, como por exemplo uma assembléia), que, a partir de então, terá o poder suficiente para impedir o indivíduo exerça seu próprio poder em detrimento dos outros. Bobbio, N., Thomas Hobbes: 41.
A presença de Shaftesbury
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (Bobbio, N., idem,: 186)
Na sua pátria, contudo, Thomas Hobbes foi logo desmascarado: “Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglêsa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (Bobbio, N., Locke e o Direito Natural:165)
Por esta época (1666) Locke tornava-se médico de Anthony Ashley Cooper (1621-1683), o qual acabou por lhe atribuir a função de assessor-conselheiro. En passant, milhares conhecem Locke. Poucos sabem desse Lord Ashley, deslize histórico, injustiça intelectual. Provavelmente Ashley possuia mais capacidade, mais conhecimento e, pode-se afirmar, trabalhava com menor incidência empírica do que o próprio Locke (Dois tratados sobre o governo: 37):
“Devemos os Dois Tratados ao prodigioso conhecimento das questões de Estado adquirido por Locke no curso de seus frequentes diálogos com o primeiro conde de Shaftesbury."
Seis anos após Locke ter começado a lhe prestar serviços, Ashley ganhou este título honorífico, tornando-se Presidente do Conselho de Colonização e Comércio da Royal Society.
Shaftesbury discordava do grande Newton, algo que nem Locke ousou. Sua intuição, porém, era forte. Estava, de fato, mais perto da verdade. Einstein e principalmente Max Planck, trezentos anos depois, dariam completa razão a essas suas precoces observações:
Newton é um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo... há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema.  (Shaftesbury, carta a Thomas Poole, cit. Brett, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII: 109)
R. L. Brett (idem, p. 32) se reporta a outras peculiaridades da rica percepção do “padrinho” de Locke:
Shaftesbury se deu conta que as doutrinas de Hobbes solapavam toda a interpretação espiritual do universo e convertiam a moral em simples conveniência. Se deu conta, também, que estas doutrinas e outras parecidas destruíam os estímulos da arte e as grandes obras artísticas da humanidade. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
O paradigma fez-se no grande diferencial. Por paradoxo e coincidência, na terra de Newton havia esta resistência ao mecanicismo cientificista: “Na Grã-Bretanha, contudo, em particular no final do século XVII, a metáfora do relógio foi tratada com muito mais ambivalência do que no continente. O relógio sempre apareceu ali como uma metáfora de arregimentação e compulsão irracional.” (Henry, John, p. 100)
Em 1671, Henry Stubbe (cit. Schwartz, Joseph, p. 44.) disparou contra o pragmatismo baconiano, o maior associado de Hobbes, apontando seu “desrespeito às antigas jurisdições eclesiásticas e civis, ao antigo govêrno, bem como aos governadores do reino”.
Assim a grande ilha escapuliu do fetiche: "Montesquieu dizia que os ingleses eram o povo mais livre do mundo porque limitavam o poder do rei pela lei." (Pipes, Richard: 151)
Os anglo-saxões apearam da limitada, tosca, perniciosa, antiecológica e antieconômica montaria do Leviathan para ascender pelo balão mágico da Revolução Gloriosa. E o mundo começava a tomar conhecimento que poderia viver sob a égide democrática dividindo o poder, desde o núcleo até a extremidade, onde vive o cidadão:
"A democracia inglesa é a única democracia moderna que combina o sentido de independência e excelência com o impulso da classe média em direção à liberdade de consciência e à responsabilidade pessoal." (Barbu, Zevedei, apresentação de Tocqueville, A., O Antigo Regime e a Revolução: 17)
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Dos tempos modernos
Contudo e infelizmente, malgrado o flamante momento ser lavrado já há mais de tres séculos, The Leviathan mantém uma perene atualidade, especialmente no mundo latino.
Napoleão, Bismarck, Lenin, Hitler, Mussolini, Salazar, Franco, Roosevelt, Tito, Mao, e Getúlio Vargas, entre nosotros, macaquitos brasileños, estrelaram ótimas performances, e obtiveram muitos filhotes.
O Estado transcende a vida pública e abarca as mais diversas manifestações de atividade social: a vida familiar, econômica, intelectual, religiosa, etc. Sua indiscrição é completa. Penetra no interior das famílias e das empresas; desce até ao segredo das consciências; julga as intenções e abstenções; retira todo o sentimento ao qualitativo privado e arrasa alegremente o famoso 'muro' simbólico tão penosamente edificado pelo direito do século XX. Sendo controlador o Estado torna-se o único motor social. Dirige o trabalho, mas ocupa-se também dos tempos após o trabalho - dopo lavoro: proíbe certos espetáculos e incita a que assistam outros; são criadas colônia de férias para as crianças e viagens de núpcias para jovens casais; ordena que usem chapéu de palha e que desçam a bainha dos vestidos. Opõe a autonomia do indivíduo liberal, que ele julga irrisória às vantagens da poderosa solidariedade orgânica que ele realiza. Não se limita a enquadrar e apoiar a nação, confunde-se com ela. MUSSOLINI, Benito, Lo Estato Corporativo.
Durante o auge nazista Carl Schmitt (cit. Bobbio, N., Thomas Hobbes: 188) saudava a estupenda máquina, a machina machinarum, “a interpretação do Estado em termos mecanicistas nos quais se reflete a gradual tecnização do aparelho estatal, característica do Estado burocrático moderno.”
De nação em nação, de continente a continente, as trágicas conseqüências foram gradualmente ampliadas, atingindo o ápice da performance há meio século, também o começo de seu declínio, que nunca acaba, para levar de roldão numerosos adeptos, ideólogos, interesseiros, oportunistas líderes políticos e inocentes povos, embarcados em inúmeras estações, rumo ao precipício da estupidez.
Mientras continúa el fértil debate para dilucidar los entuertos propios del 'síndrome de Hobbes' en relación a los bienes públicos, los free-riders, las externalidades, el dilema del prisionero, las confusiones en torno a la 'tragedia de los anticomunes' y, en el contexto de la asimetría de la información, la selección adversa y el riesgo moral, mientras esto tiene lugar decimos, es menester buscar sa17lidas al atolladero en el que estamos si no queremos correr el riesgo de que todo termine abruptamente en el Gulag. Alberto Benegas Lynch, 17/2/2011
Como disse James Buchanan (cit. Klaus, Václav, Ministro das Finanças da Tcheco-Eslováquia de 1991), “o socialismo está morto, mas Leviathan ainda vive”. O monstro ama o Brasil, também.
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor. PIPES, R.:251
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Notas
1. Toynbee, Arnold J., Estudos de História Contemporânea - A civilização posta à prova, p. 219.
2. Bobbio, N., Thomas Hobbes, p. 72.


Um comentário:

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