sábado, 3 de maio de 2008

1688/1968: Iluminismo & Relatividade

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O Liberalismo pode encontrar algumas de suas raízes no humanismo que se iniciou com a contestação da autoridade das igrejas oficiais durante a Renascença, e com a facção Whigs da Revolução Gloriosa na Grã-Bretanha, cuja defesa do direito de escolherem o seu próprio rei pode ser vista como percussora das reivindicações de soberania popular.
Wikipédia
O ano de 1968 ressoa como mágico.
Jornalista Flávio Tavares 
Foi um movimento espontâneo, sobre o qual os líderes dos partidos de esquerda e os sindicatos tiveram pouco controle e no qual algo semelhante a um programa anarquista parauma revolução libertária foi realmente organizado. George Woodcock
O MUNDO ASSIM (RE) BALANÇAVA:

Nesse contexto, o mês de maio de 1968 aparecera como um acontecimento que ninguém previra. Generalizado, o discurso político perdeu então seu privilégio. A proclamação do que era científico ficou abalada; as ciências políticas não souberam antecipar esta explosão internacional.
(Descamps, Christian, p. 15)
Mesmo que fizessem esforços desesperados para falar de 'seu tempo', agitando os grandes significantes novos (comunicação, interação, inteligência artificial), mesmo que se esmerassem em manipular, em seus discursos, toda uma quinquilharia de objetos considerados concretos, posto que retirado do vivido mais banal (walkman, minitels, pílulas e robôs domésticos), os filósofos fugiam das questões mais decisivas. Porque as consideravam resolvidas.
(Contre la peus, Hachette, 1990, p. 112; cit. Japiassú, Hilton, Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, p. 17.)
A década famosa apresentava um desapercebido neo-Iluminismo:
A convergência em que se achavam os que estavam adiantados e os que estavam atrasados, os que haviam aberto o caminho e os que haviam tentado em vão segui-lo, teve lugar nos anos 60, quando os homens do Iluminismo pareceram trabalhar em uníssono." Apesar disso, a cronologia da circulação de tais ideais iluministas permitiu aos franceses testemunharem insurreições e revoltas antes nas margens mais extremas desse espaço iluminista, e só aos poucos "o círculo da revolução foi se apertando em torno da França.
ZERON, Carlos Alberto, O espaço das Luzes, Folha de São Paulo, 14/6/2003
"O explosivo ano de 1968 começou luminoso" (F. Tavares, ZH, 4/12/2007, p. 21.)
Como nos instantes que precederam 1688, não por acaso houve o respaldo da ciência:
“Nos últimos anos foram lançados uns quatrocentos livros sobre Einstein e seu trabalho.”
(Jammer, Max, Einstein e a Religião: física e teologia, p. 9)
Um pouco antes a grande pira fora reacesa:

A obra de Alexis de Tocqueville somente começou a ser valorizada na França, neste século, a partir dos anos 50. Em segundo lugar, os anos 60, período no qual os sociólogos, filósofos e etnólogos focalizam a Segunda Democracia, aprofundando a concepção tocquevilliana acerca da cultura democrática. Em terceiro lugar, os anos 70, período no qual François Furet e o grupo de seus colaboradores (entre os quais se situa Françoise Mélonio) reunidos no Centre de Recherches PolitiquesÉcole des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris) deram ao trabalho de Tocqueville O Antigo Regime e a Revolução (editado pela primeira vez em 1856) um lugar de destaque na interpretação da história da França.
(Furet François, Pensar a Revolução Francesa (trad. R. Fernandes de Carvalho), Lisboa, Edições 70, 1988. Também em Rodríguez, Ricardo Vélez, p. 108.)
O ano de 1960 foi um marco para os estudos sobre Locke. Em um só ano, além da edição crítica de Laslett, já lembrada, foram publicadas três monografias importantes* que representam muito bem o interesse renovado pelo filósofo do liberalismo e do cristianismo racional. Todas as três enfatizam Locke moralista e político, mais do que o teórico do conhecimento, sobre o qual se havia detido especialmente os trabalhos e a crítica precedente.
(Bobbio, Norberto, Locke e o Direito Natural, p. 78.)
A humanidade escapulia do labirinto platônico:

Nos anos 70, uns poucos cientistas nos Estados Unidos e Europa começaram a encontrar um caminho através da desordem. Eram matemáticos, físicos, biólogos, químicos, todos procurando conexões entre os diferentes tipos de irregularidades. Fisiólogos encontraram uma surpreendente ordem no caos que se desenvolve no coração humano, a causa da morte súbita inexplicada. Ecologistas exploraram a ascensão e queda das populações de mariposas-ciganas. Economistas desencavaram velhos dados sobre preços de ações. Os insights que emergiram levaram diretamente ao mundo natural - as formas das nuvens, os riscos dos relâmpagos, o entrelaçamento microscópico dos vasos sangüíneos, o ramalhete galáctico de estrelas.
(Gleick, James, Chaos, cit. Lemkow, Anna: 161)
1688/1968: Iluminismo e Relatividade
Todos propugnam pela alfabetização. Raros a usam. As obras permanecem nas prateleiras.
A Relatividade, como a Ciência Quântica, o Iluminismo, o Laissez-faire e a Mão Invisível não se difundem na universalidade desejada. A gente comum supõe ser prerrogativa de cientistas, e desse modo raras obras são editadas, que dirá lidas. O preconceito pressupõe a complexidade, e que exigiria enclausuramento em torres-de-marfim. Ninguém tem tempo para se alienar da realidade. Todavia, seus princípios são acacianos, ainda mais se comparados às elucubrações em voga. E suas matemáticas, dispensáveis. Entretanto, o inusitado, o inimaginável até mesmo a simplicidade afugenta a gente.
A dificuldade das pessoas raciocinarem diversamente da voz corrente vem consubstanciada no vêzo dos impostores em conduzir povos ingênuos:
Devo acrescentar que estávamos em meados de 68, ano dos protestos juvenis, que foram particularmente mais inflamados na Itália. A Universidade italiana (embora não apenas a italiana) mostrara-se politizada - e mal politizada - sobretudo nas Faculdades de Ciências Humanas.
(Bobbio, N., A teoria das formas de Governo, prefácio à edição brasileira.)
Como animais, custamos a entender; ainda mais em épocas de interesses escusos, as quais atravessam os séculos. Bertrand Russel, ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1950, bem sabia ser espirituoso:
“Todo o mundo sabe que Einstein fez algo assombroso, mas poucos sabem, ao certo, o que foi que ele fez”. (Cits. Filippi, Marco Antônio, O Maior Cientista do Século XX: O Homem e o Gênio, Einstein por Ele Mesmo, p. 112.)
Por isso resignava-se Voltaire (cit. Stewart, D., in Smith, Adam, Teoria dos Sentimentos Morais, p. XLVI.), em carta ao escocês endereçada:
Meu caro Sr. Smith, tem paciência; tranquiliza-te; mostra-te na prática tão filósofo como és na profissão; pensa na vacuidade, aridez e futilidade dos juízos comuns dos homens: como são poucos governados pela razão, notadamente nas questões filosóficas, que tanto excedem a compreensão do vulgo.
O repórter francês, como Russel, adivinhava o futuro. Ormerod (p. 223) confirma:
“A mensagem de Adam Smith, em particular, foi grotescamente distorcida durante os últimos duzentos anos.”
O mundo era (e ainda é!) dominado por alienados da família platônica:
A grande epopéia das Luzes incluía no mesmo movimento o justo e o belo. Organizava um afresco tranquilizador da natureza e da sociedade. Os romances de aprendizagem diziam como se conduzir e se comportar. Ora, as indicações foram se desagregando nas sociedades industriais contemporâneas. Como poderiam ter consciência?
(Descamps, C., As Idéias Filosóficas Contemporâneas na França, p. 27.)
Por isso o físico nuclear Richard Feynman (O significado de tudo: reflexões de um cidadão cientista, p. 14) assim abria suas palestras:
“Não há praticamente nada do que vou dizer esta noite que não pudesse já ter sido dito pelos filósofos do século XVII”.
Para encerrá-las, o pesquisador de Los Alamos trocava o “vou dizer” por “eu disse“; e praticamente repetia as concepções de Locke e Smith:
Nenhum governo tem o direito de decidir sobre a verdade dos princípios científicos nem de prescrever de algum modo o caráter das questões a investigar. Também nenhum governo pode determinar o valor estético da criação artística nem limitar as formas de expressão artística ou literária. Nem deve pronunciar-se sobre a validade de doutrinas econômicas, históricas, religiosas ou filosóficas. Em vez disso, tem para com os cidadãos o dever de manter a liberdade, de deixar os cidadãos contribuírem para a continuação da aventura e do desenvolvimento da raça humana. Obrigado.
Se 1688 ainda não chegou, que dirá 1968!
Infelizmente sociólogos banidos do terceiro mundo só estavam interessados em tentar justificar seus embustes; não poderiam descartar, ainda mais simultaneamente, os fetiches de Hegel, Marx e e Comte.; imagine renunciar ao sonho juvenil de poder!
Do alto da estação 2008, aquilatamos a frustração:
O ano de 1968 talvez haja constituído um divisor de águas: desde então assistimos ao progressivo refluxo da maré, o qual se acentuou em 1989/91. O século XXI poderá conhecer, após calamidades imprevisíveis - guerras, novas revoluções e catástrofes ecológicas - o princípio da reconstrução da ordem internacional, uma reorganização em escala mundial do Estado de Direito Liberal.
(Penna, J. O. de Meira, O Espírito das Revoluções, p. 46.)
Por uma espécie de difusão atômica, as manifestações, embora não conscientemente combinadas, de origens e objetivos aleatórios, paradoxalmente foram encadeadas:
O que começou a aparecer em 1960 foi na verdade o surgimento da corrente de pensamento anarquista acompanhada de movimentos ativistas que surgiram entre os jovens de vários países da Europa e da América. Muitas vezes o nome não era o mesmo; muitas vezes a doutrina acabava diluída por outras correntes de pensamento radical; raramente houve a tentativa de reestabelecer a continuidade com algum movimento do passado. No entanto, a idéia ressurgiu, clara e facilmente reconhecível, em países tão diferentes quanto a Inglaterra e Holanda, a França e os Estados Unidos. Ela conseguiu atrair seguidores numa escala nunca vista desde os dias que antecederam a I Guerra Mundial. Por toda a Inglaterra começaram a nascer grupos dedicados à prática de ação direta e à exploração de uma sociedade sem guerra nem violência e, portanto, sem coerção.
(Woodcock, G., Os grandes escritos anarquistas, p. 48.)
No entanto, nas páginas do mesmo jornal que escreve a abalizada apreciação de Flávio Tavares, encontramos o símbolo da resistência burocrática, na perversa figura do ex-presidente, alheio à cambagem da Sorbonne.

A premência
A consciência humana está transpondo um limiar tão importante como o que transpôs da Idade Média para a Renascença. O homem está faminto e sedento após tanto trabalho fazendo o levantamento de espaços externos do mundo físico começa a ganhar coragem para perguntar por aquilo que necessita: interligações dinâmicas, sentido de valor individual, oportunidades compartilhadas, efeitos. Nosso relacionamento com os símbolos de autoridade do passado está se modificando, porque estamos despertando para nós mesmos como seres, cada qual dotado de governo interior. Propriedades, credenciais e status não são mais intimidativos. Novos símbolos estão surgindo: imagens de unidade. A liberdade canta não só dentro de nós, como em nosso mundo exterior. Sábios e videntes previram esta segunda revolução. O homem não quer se sentir estagnado, o que deseja é ser capaz de mudar.
(Richards, M.C., The Crossing Point; cit. Ferguson: 57/8.)
Destaca Naisbitt:
“De fato, a vida no espaço cibernético parece estar se moldando exatamente como Thomas Jefferson gostaria: fundada no primado da liberdade individual e no compromisso com o pluralismo, a diversidade e a comunidade.”
(55)
Quarenta anos de revoltas ainda não são suficientes. Então, dê-lhe rebelião:

PARIS, novembro de 2007: Pelo menos 77 policiais ficaram feridos na madrugada desta terça-feira, 27, em Villiers-le-Bel, durante a segunda noite consecutiva de confrontos entre jovens manifestantes e a polícia francesa. Os protestos trazem à lembrança os episódios ocorridos em 2005, quando a morte de dois jovens em Clichy-sous-Bois também desencadeou uma onda de violência que se alastrou pelos subúrbios de toda a França. Na época, os confrontos duraram três semanas e deixaram mais de 10 mil carros queimados e centenas de prédios públicos destruídos. O estado de emergência chegou a ser instaurado na França.
O estado de emergência está em vigor há tempo, lá e alhures. Todavia, embora permaneçam hegemônicos, o certo é que mecanicistas, dialéticos, racionalistas, deterministas e positivistas perderam seu rumo; embora a relutância, restam-lhes apearem de suas engenhocas para que possamos desmontar, sem ferimentos, peça por peça, os cenários institucionais criados para acomodá-los, trocando-os por alguns outros, eticamente mais louváveis e espiritualmente mais reconfortantes, na liberdade conjugada com a cooperação espontânea, adequada às responsabilidades de quem as exerce:
“A aceleração da mudança na nossa época é, ela própria, uma força elementar, fundamental. Este impulso de aceleração oferece conseqüências pessoais e psicológicas, assim como sociológicas.” (Toffler, Alvin, O choque do futuro, Introdução)
Pela mesma aridez científica, apanágio platônico que outrora ofuscou os caminhos da humanidade, podemos descortinar a silhueta do paraíso sempre lembrado, que pode ser diferente a cada um, mas é esperado por todos. É possível e necessário abrir os olhos para ver e viver, conhecer, trabalhar, criar, amar, ser feliz, solidário, cada qual a seu modo. O que lhe corresponde não pode e não deve ser abafado, truncado ou alterado por nenhum sistema ou interesse alienígena. 1688 aconteceu e é vitorioso; 1968 foi anunciado e será fatal. O ser tem direito, pelo menos, à sua existência.
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Nota
* As três monografias são: Viano, C. A., John Locke: dal razionalismo all'illuminismo, Polin, R., La politique morale de John Locke, onde o autor enaltece a validade temporal e espacial das hipóteses do iluminista; Cox, R. H., Locke on war and peace.











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