domingo, 25 de maio de 2008

A pobreza metodológica de Thomas Hobbes

A concepção do universo que por sua influência alcançou aceitação geral era um mecanismo dirigido por princípios matemáticos, sem cor, perfume, sabor e som. A ciência havia estendido os limites do universo, mas convertido em máquina sem vida, que marchava de acordo com forças capazes de ser formuladas matematicamente, não a expressão poética. (2)
Descartes cortou o pescoço da poesia,; e Hobbes saboreou o prato com Bacon. Dessarte o trio atrofiava a Filosofia, reduzida a fenômenos de movimento. Tomado pelo vírus platônico, a Hobbes Deus não era mais do que o primeiro motor, o primeiro passo de uma cadeia causal que uma vez em movimento não necessitava maior ajuda.
A tradição de Hobbes nunca concebia a imaginação como força criadora. Para Hobbes a mente humana, como o universo, é uma simples máquina, e de uma máquina não cabe esperar nenhuma criação. BOBBIO, N., Thomas Hobbes:  72.
Ralph Cudworth protesta:“Criaram um mundo morto e de madeira, como se fora uma estátua talhada, sem nada vital nem mágico nele, em nenhuma parte.” (3)  Bastos explica:
O essencial para Hobbes não era a desmistificacão do poder, mas antes a representação da ordem política como um gigantesco autômata, que autorizaria a intervenção de técnicos qualificados. Governantes sensatos, inspirados pela razão científica, poderiam modificar o curso da vida social num sentido favorável a maioria dos interessados. (4)
Eis sua prosaica razão:
Thomas Hobbes é outro filósofo cuja vida está vinculada à monarquia inglêsa; não menos que a Bacon, a política e as intrigas da Corte afetaram sua existência e, sem dúvida, também seu pensamento filosófico. Pelo relato de um antiquário seu contemporâneo, sabe-se que Hobbes, em certas ocasiões entre 1621 e 1625, secretariou Bacon ajudando-o a traduzir alguns de seus Ensaios para o latim. COBRA, Rubem Q., Thomas Hobbes, Página de Filosofia Moderna, Geocities, Internet, 1997.
A tanto nada mais exato do que a matemática, a geometria, aquela que ele mesmo diz ser “a única ciência que até agora Deus quis presentear o gênero humano cujas conclusões tornaram-se atualmente indiscutíveis.” (5) O protótipo mecanicista-social veio no Short Tract on First Principles, de 1630:
À maneira de Descartes, mas antes de Descartes, conforme prova claramente esta obra, ele concebe o mundo nos termos de um estrito mecanismo, em termos de movimentos que caracterizam corpos definidos pela sua extensão e forma.(7)
Thomas, como os dedicados de então, indicava o próprio homem como repositório de mecanismos. Nossas ações seriam previsíveis porque se pensava restritas a apetites ou aversões à matéria, tudo embrulhado no puro e primário empirismo*; mas combinava. Marx não o menciona, mas a afinidade é evidente por vários ângulos: “Materialista inveterado, Hobbes via tudo como tangível e todos os fatos como mecânicos.” (8)
O homem dotado de razão seria capacitado a operar cálculos. “Ratiotinatio est computatio”. Então, o que o platônico Euclides fizera para a geometria, Galileu para a física, Descartes para ambos, julga-se Hobbes à altura para revolucionar a política, coroando-lhe com a pretensa cientificidade que reduziu a nação à mera engrenagem, já velha analogia do relógio, a machina machinarum:
Na própria introdução ao De Cive declara que, para se conhecer uma coisa, é preciso conhecer os elementos de que ela é constituída, dando o exemplo do relógio, cujo funcionamento só pode ser plenamente compreendido quando desmontamos (9)
Russel enfatiza:“Assim como Galileu e Descartes, Hobbes sustenta que tudo o que experimentamos é causado pelo movimento mecânico dos corpos externos.” (10) “Sabe-se que Thomas Hobbes ficou fascinado pela geometria euclidiana.” (6)
No modelo proposto por Descartes e seguido por Hobbes, a geometria era a única ciência que Deus houve por bem até hoje conceder à humanidade. Retomava-se Galileu, para que a língua da natureza era a matemática. O pensamento moderno é assim marcado por este ritual do pensamento a que logo se opôs Pascal com o chamado esprit de finesse. A matematização do universo desenvolve-se com Newton e atinge as suas culminâncias em Comte. Nos Estatutos pombalinos da Universidade, determinou-se expressamente que os professores usassem do e.g. para poder discorrer com ordem, precisão, certeza. Respublica, JAM
Os parcos conhecimentos não lhe impediram de ministrar matemática. Os ensinamentos foram exercitados em Paris (1646), ao futuro rei Charles II, na França também de quarentena. Como Bacon e Maquiavel, Hobbes gravitava em torno do poder, mesmo virtual, não titubeando em professorar essa matéria cuja essência mal arranhava, mas os franceses souberam afastá-lo. Foi logo visto como oportunista e repudiado até por outros exilados, enquanto o governo o tinha sob suspeita devido a seus ataques ao papado. Um século depois, Rousseau cataria a garrafa do gênio.
A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin (1530/1596)
Em 1651 Hobbes apresentou o resultado dos mirabolantes cálculos, intitulado The Leviathan. Em fins do mesmo ano, consagrar-se-ia pioneiro da sociologia positivista, ao galante de Cromwell.
Autorictas, non veritas, facit legem **
THOMAS HOBBES
“De volta à Inglaterra, tornou-se um dos precursores do materialismo positivista, considerando a filosofia como uma espécie de matemática, que soma, subtrai, combina e separa as coisas suscetíveis dessas operações.” (11)
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (Bobbio, N., Thomas Hobbes: 186) 
“Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglêsa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (Bobbio, N., Locke e o Direito Natural:165)
Para melhor aquilatarmos a preponderante mediocridade que comandou o raciocínio de Thomas Hobbes, vejamos a seqüência do seu pensamento pelo detalhista Prelot (vol II, p. 258):

A essência da natureza humana é o egoísmo e não a necessidade altruísta da vida em comum. Quando o homem procura a comunidade, não o faz a fim de conseguir a sua realização pessoal, ou, como pensava o fundador da Escola, em virtude de uma tendência natural que o faz procurar seus semelhantes, mas unicamente com vista ao seu próprio interesse nasce do temor mútuo que existe entre os homens, e não da boa vontade mútua.
Shaftesbury se deu conta que as doutrinas de Hobbes solapavam toda a interpretação espiritual do universo e convertiam a moral em simples conveniência. Deu-se conta, também, que estas doutrinas e outras parecidas destruíam os estímulos da arte e as grandes obras artísticas da humanidade. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.
Em carta a Thomas Poole, (cit. Brett: 109) Shaftesbury também discordou do "incomparável" Newton, algo que nem Locke (3) ousou: "Newton era um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema."
Toda a teoria darwineana da luta pela existência é simplesmente a transferência, da sociedade à natureza viva, da teoria de Hobbes sobre a guerra de todos contra todos e da teoria econômica burguesa da concorrência, bem como da teoria da população de Malthus. (A.R. Wallace & R.Young, Sciences studies, 1971: 184; cit. Japiassú, 1978: 56)
Eis o lamento de Werner Heisenberg, há algumas décadas atrás: “A cisão cartesiana penetrou fundo na mente humana nos três séculos após Descartes e levará muito tempo para ser substituída por uma atitude realmente diferente diante do problema da realidade.” (14)
A física nuclear Anna Lemkow também levanta o alto custo da experiência:
Podemos julgar uma filosofia por seus frutos. A visão reducionista-mecanicista-materialista cultivou inúmeras dicotomias, cismas, fragmentações, alienações: alienação de si (o vácuo espiritual) e, por conseqüência, dos outros; alienação da natureza (autômatos não podem sentir muito por outros autômatos - se somos apenas máquinas, podemos muito bem nos apoderar do máximo possível, conquistar e explorar a natureza por completo); a dicotomia entre conhecimento e valores, meios e fins, mente e matéria, universo de matéria e universo de vida, entre ciências e humanidades, entre ricos e pobres, industrializados e de Terceiro Mundo, entre gerações presentes e gerações futuras. (15)
Mientras continúa el fértil debate para dilucidar los entuertos propios del 'síndrome de Hobbes' en relación a los bienes públicos, los free-riders, las externalidades, el dilema del prisionero, las confusiones en torno a la 'tragedia de los anticomunes' y, en el contexto de la asimetría de la información, la selección adversa y el riesgo moral, mientras esto tiene lugar decimos, es menester buscar sa17lidas al atolladero en el que estamos si no queremos correr el riesgo de que todo termine abruptamente en el Gulag. Alberto Benegas Lynch, 17/2/2011
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Veja também:

A má temática de Thomas Hobbes

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Notas
* "O empirismo sustenta que toda a afirmação para que expresse conhecimento está limitada por algum processo experimental"; Hayek, Friedrich August von, Os erros do socialismo - Arrogância Fatal, p. 88;
Empirismo: "Doutrina, defendida em particular por D. Hume, segundo a qual qualquer conhecimento deriva da experiência, e apenas dela", Lacoste, Jean, A Filosofia no Século XX, p. 223.
** É a autoridade, não a verdade, que compõe a lei. Hobbes, T. Leviathan II, 18, cit. Koselleck, Reinhart, p. 31.
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2. Hobbes, Thomas, cit. Gusdorf, Georges, p. 164; também em Bastos, Wilson de Lima, p. 173.
3. Cudworth, Ralph, cit. Brett, R. L., p. 13.
4. Hobbes, T., cit. Bastos, Wilson de Lima, p. 173.
5. Hobbes, T., Leviathan, 21, 27, cit. Bobbio, Norberto, Thomas Hobbes, p. 29.
6. Hobbes, T., cit. Henry, J., p. 35.
7. Descartes, R. e Hobbes, T., cits. Alquié, Ferdinand, p. 75.
8. Rohmann, C., p. 61.

9. Hobbes, T., De Cive; Leviathan; cit. Koselleck, Reinhart, p. 26 : "Por temor, Hobbes torna-se o mais forte defensor do Estado”.
10. Galilei, G; Descartes, R.; Hobbes, T., cits. Russel, B., p. 275
11. Hobbes, Thomas, cit. Bobbio, Norberto, Thomas Hobbes, p. 76/77.

12. Toffler, A. e Toffler, H., p.41.
13. Bobbio, N., Thomas Hobbes, p. 72.
14. Capra, Fritjof, Sabedoria Incomum, Conversas com pessoas notáveis, p. 16.
15. p. 15


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