segunda-feira, 5 de maio de 2008

A difusão atômica de 1968

.

O MOVIMENTO levantava a bandeira da revolta, porém não juvenil, romântica, freudiana, ou marxista. A revolução veio colorida sem combinações preestabelecidas,imposições absurdas, dogmáticas, deterministas, positivistas, sufocantes, cartesianas, cientísticas.. Atores de todos os segmentos se precipitavam avessos a qualquer ideologia:
Os guardiães da língua inglesa brigavam devido a questão da legitimidade do inglês negro. Os criminologistas brigavam devido a definição de crime. Os psicólogos discordavam das definições de personalidade. Os psiquiatras foram obrigados a rever a definição de homossexualidade como doença. Os sociólogos começaram a lidar não com problemas de pobreza, mas com a riqueza. Historiadores radicais resituaram as categorias supostamente atemporais de sexualidade, maternidade e inteligência como entidades subordinadas à historia e mutáveis, sujeitas a direcionamentos e influências humanas. Na ciência os ativistas desafiaram as instituições em questões relativas à raça e Q.I., a sociobiologia, preconceito sexual na ciência, o ensino da ciência, o controle da ciência pelas corporações e o envolvimento americano na guerra do Vietnã. A manifestação mais profunda dessa corrente pré-revolucionária nas sociedades ocidentais foi o Maio de 68, na França. Estudantes enfrentando polícia. Uma semana depois, violenta repressão aos estudantes e greve geral dos sindicatos em 13 de maio. Em Saclay, um contingente de 2.000 trabalhadores organizou-se para participar da gigantesca manifestação de 800.000 pessoas. As faculdades estavam ocupadas. As fábricas pararam. Os trabalhadores ocupavam-nas. Cerca de 9 milhões aderiram às greves. Todos estavam confusos com o estonteante rumo dos acontecimentos.
(Schwartz, Joseph, O momento criativo - mito e alienação na ciência moderna, p. 310/11)
O muro da Sorbonne e a imprensa internacional apontavam o rumo:
A revolução que está começando questionará não só a sociedade capitalista como também a sociedade industrial. A sociedade de consumo tem de morrer de morte violenta. A sociedade da alienação tem de desaparecer da história. Estamos inventando um mundo novo e original. A imaginação está tomando o poder.
(
Mortimer, Edward, reportagem para The Times, Londres, 17 de maio de 68, cit. em Roszack, Theodore, A contracultura, p. 33)
Era o que vaticinava, dez anos antes, John Dewey (p. 205):
“Quando a filosofia vier a cooperar com o curso dos acontecimentos e tornar claro e coerente o significado dos pormenores diários, a ciência e a emoção hão de interpenetrar-se, a prática e a imaginação hão de abraçar-se”.
Edgar Morin também conhece a possibilidade. Descamps (p.102) relata:
O movimento de maio de 1968 demonstrou que as crises culturais não estão ligadas às crises econômicas. Após ter considerado as grandes marés da emancipação humana, Morin quer fundamentar as noções de autonomia, de sujeito e de indivíduo no interior de uma razão renovada. Seu saber alegra, emancipado de todos os totalitarismos, pensa com a complexidade.
A difusão
Por uma espécie de efeito atômico, as manifestações, embora não conscientemente combinadas, de origens e objetivos aleatórios, paradoxalmente foram simultâneas e espontaneamente encadeadas:
O que começou a aparecer em 1960 foi na verdade o surgimento da corrente de pensamento anarquista acompanhada de movimentos ativistas que surgiram entre os jovens de vários países da Europa e da América. Muitas vezes o nome não era o mesmo; muitas vezes a doutrina acabava diluída por outras correntes de pensamento radical; raramente houve a tentativa de reestabelecer a continuidade com algum movimento do passado. No entanto, a idéia resurgiu, clara e facilmente reconhecível, em países tão diferentes quanto a Inglaterra e Holanda, a França e os Estados Unidos. Ela conseguiu atrair seguidores numa escala nunca vista desde os dias que antecederam a I Guerra Mundial. Por toda a Inglaterra começaram a nascer grupos dedicados à prática de ação direta e à exploração de uma sociedade sem guerra nem violência e, portanto, sem coerção.
(Woodcock, G., p. 47)
Se lembrarmo-nos de que a trajetória da Revolução Gloriosa e mesmo o Iluminismo partiram da Holanda, com Spinosa e Locke, instalando-se na Grã-Bretanha, para daí atingir os Estados Unidos e a França, podemos confirmar as coincidências. Depois de três séculos chega, de novo, o futuro; com ele, as mudanças, a começar pelos padrões científicos:
Nos anos 70, uns poucos cientistas nos Estados Unidos e Europa começaram a encontrar um caminho através da desordem. Eram matemáticos, físicos, biólogos, químicos, todos procurando conexões entre os diferentes tipos de irregularidades. Fisiólogos encontraram uma surpreendente ordem no caos que se desenvolve no coração humano, a causa da morte súbita inexplicada. Ecologistas exploraram a ascensão e queda das populações de mariposas-ciganas. Economistas desencavaram velhos dados sobre preços de ações. Os insights que emergiram levaram diretamente ao mundo natural - as formas das nuvens, os riscos dos relâmpagos, o entrelaçamento microscópico dos vasos sangüíneos, o ramalhete galáctico de estrelas.
(Gleick, James, Chaos, cit. Lemkow, Anna, p. 161)
Thomas Kuhn apresentava The structure of scientific revolutions; Roszac detectava a contracultura, enquanto Abraham Maslow (cit. Ferguson, Marilyn, p. 54) propunha a feliz analogia:
“É cada vez mais claro que uma revolução filosófica se encontra em marcha. Um sistema abrangente está se desenvolvendo com rapidez, como uma árvore que começa a dar frutos em todos os seus galhos ao mesmo tempo.”
-
O bloqueio
Antônio Cícero (Antônio Cicero ensina o que é ser moderno; O Estado de São Paulo, 18/8/ 1995, p. D4) permanece inquieto pelo novo tempo, curiosamente oxigenado por aquela antiga planta:
O que nos falta é radicalizar a ideologia iluminista, que os Estados Unidos deixaram para trás. A concepção moderna de mundo não admite que haja um universal positivo. É por isso que a concepção moderna de mundo é não-religiosa. Hoje temos cada vez mais medo da diversidade. O Estado brasileiro nos dá freqüentes provas disso. Montesquieu já dizia que as leis ruins prejudicam as boas. Mas no Brasil de hoje, tudo tem de ser regulamentado. Isso é um perigo. Temos de ter um mínimo de lei absoluta para ter um máximo de experimentação. Mas o que se dá no Brasil é o contrário, temos o máximo de lei e um espaço cada vez menor para experimentar.
E experimente, para ver!

Nenhum comentário:

Postar um comentário