sexta-feira, 30 de maio de 2008

Fontes de Augusto Comte


Em que  fontes poderia Comte recolher as fitas e adereços para enfeitar seu Leviathan "latinizado"? Nem precisava sair de casa; sequer ler em inglês. O patrício Claude Henri de Saint-Simon (1760-1825) vinha com seu barquinho, no embalo das ondas de Helvécio e Rousseau, somadas a Holbach. Antes de escrever Memórias Sobre a Ciência doHomem (1813-1816), Sistema Industrial (1821-1823) e Novo Cristianismo (1825) Claude requisitou os préstimos deste estagiário de incomensurável talento, nosso Auguste Comte, o Pai do Positivismo. Na ocasião era apenas filho. Seu patrão é quem fora pioneiro em se autodenominar Físico Social. Pela Memoire sur la science de l’homme, o mais velho “físico social” afirmava orgulhoso, como Bacon, que seu estudo desprezava conjeturas filosóficas. No afã de tapear, não titubeou se valer da mesma assertiva que animou o carrasco da natureza: “A sociedade não tem por objetivo dominar os homens, mas a Natureza”. (Oeuvres, vol V, 1966, cit. Japiassú, Nascimento e Morte das Ciências Humanas: 114)
Seria mais um mero inescrupuloso? Um bufão? Um mentiroso? Um louco, pelo diagnóstico de Ludwig. von Mises? Talvez "apenas" demagogo? Ou um equivocado pela penumbra do tempo? Como qualificá-lo? Investiguemos melhor a pantomima.
Em matéria de etnologia os conhecimentos de COMTE, reduzidos quase ao livro do Presidente DE BROSSES, Du culte des dieux fétiches, eram muito rudimentares. Mas nem a etnologia nem a psicologia lhe foram favoráveis. Idéias e fatos condenaram o pré-logismo; depois de muitos outros BERGSON, na sua última obra, deu-lhes o golpe de misericórdia. Pe. FRANCA, Leonel S.J. www.permanencia.org.br/revista/filosofia/leonel2.htm
A julgar por seus escritos, a natureza pouco lhe importava, mas não a política, a "ciência da produção." O homem, integrante desta natureza, com ela era esterelizado. Como disse Goytisolo, (p. 61) “pouco a pouco, se substitui a natureza “natural” por uma natureza de laboratório e de fábrica, que o homem conhece “porque é sua obra”.
A pauta de todas as ciências coube a Newton dispor, de acordo como método do patrício Descartes.   “A mecânica de Newton promete um poder de previsão vastíssimo que faz com que um instante forneça todas as informações possíveis sobre o passado e o futuro do Universo.” (Coveney, Peter e Highfield, Roger, p. 24)  A moda, pois, requeria “newtons” em todas as áreas.
 Assim como Newton formulou as leis fundamentais da realidade física, os filósofos e sociólogos, viajando na sua esteira, esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. Seu universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo a partir do qual comparava-se o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e retratavam-se os seres humanos qual máquinas viventes. ZOHAR,  D., 2000,: 23.
A sociedade, a massa, também haveria de ser aquela expressão do relógio, em movimento homogêneo, linear, geométrico, euclidiano, cartesiano, exato e hierárquico. Variariam, apenas, intensidades. Todos os fenômenos, no diagnóstico do maior dos cientistas, “deveriam ter também uma explicação racional no sentido da mecânica”. Também uma ordem exata. (Não se imaginava que nem o relógio, por depender da velocidade e da posição geográfica em que se encontra, tem um movimento homogêneo, exato, linear, de compasso constante: as horas, a bordo de um foguete, passam mais devagar. No Equador, o relógio é mais lento do que nos pólos.) O padrão racional de conduta deveria ser pautado pela simples aritmética - o maior bem para o maior número. Quem a isso se opusesse taxava-se egoísta, devendo sofrer a marginalização e o descaso. Mostrava Saint-Simon os males da conduta “explorativa” ao povo, ao tempo em que.a.“moralidade” tornava-se o grande “problema", do legislador, mas o povo, seu objeto, nunca sujeito, era apenas a soma das peças da engrenagem. Mister, pois, um corpo de "sábios calculistas" (de novo Platão!) regentes a regular o funcionamento da estupenda maquinaria do Estado, porque conhecedores das “leis físicas”: “A visão sain-simoniana do futuro, que ajudou a inspirar o socialismo, considerava que a vida política passaria a ser dirigida por peritos – neste caso cientistas e engenheiros.” (Giddens, A.: 111.)
Outros ídolos
Os batedores de Comte eram práticos, pragmáticos da estirpe maquiavélica. Bodenheimer (p. 57 ) cita Thomas Hobbes, assim como Bentham e Austin, mas Sir Francis Bacon (1561-1626), de fato, não pode ser menosprezado:
Segundo a maior parte dos críticos, os Ensaios constituem o retrato mais real de Bacon. Encerram um repositório de conhecimentos teóricos das paixões e da natureza humana, aproximando-se do maquiavelismo. Esse maquiavelismo que se esconde nas entrelinhas das opiniões dos Ensaios, foi uma constante na vida real do autor.
Maquiavel, porém, a todos se antecipou:
O relato recente da filosofia positiva inicia-se com a análise, na segunda metade do século XIX, da reação ao realismo transcendental, especialmente de Hegel; o antigo, porém, recua ao século XV, com a política prática de Nicolau Maquiavel, ao século XVI, com o método experimental de Francis Bacon e ao século XVII, com o materialismo de Thomas Hobbes.  Gusdorf, G.: 163
Até a chegada do tático italiano, a sociedade se compunha em espectro pluralista. Cada agrupamento adotava a resposta jurídica compatível. com suas circusntâncias de EspaçoTempo. O Direito provinha dos cidadãos, diversificando-se na clivagem dos usos e costumes próprios de cada região. Julgadores não se vinculavam a normas superiores, até por que de difícil comunicação. Bastava-lhes o exame de alguns elementos circunstanciais e incidentais, à luz do “direito natural”. As sentenças observavam as características da relatividade intrínseca às partes conflitantes, suas condições. Com Maquiavel, todavia, iniciara o que Bobbio chama de “monopolização da produção jurídica por parte do Estado.” (O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do Direito: 28)
No reino Leviathan, sujeição à racionalidade requer absolutismo. Mister a hierarquia preconizada por Bacon (Novo Organum ou Verdadeiras Indicações Acerca da Interpretação da Natureza: 109):
Mas, na verdade, a história natural e experimental é tão variada e ampla que confunde e dispersa o intelecto, se não for estatuída e organizada segundo uma ordem adequada. Por isso devem ser preparadas as tábuas e coordenações das instâncias, dispostas de tal modo que o intelecto com elas possa operar.
E lá se foi Comte operando por conta. Mister ordenar o povo, como rebanho ou exército, ao progresso da ignorância.“No Século XIX os positivistas incidiram em tal erro ao reivindicarem a generalização do método experimental que se aplicava eficazmente nas ciências naturais, para estendê-lo também as ciências humanas.” (Hugon, P.: 128)
Einstein (Popper, K., A Lógica da Pesquisa Científica: 525 ) detonou:
Não me agrada absolutamente a tendência 'positivista' ora em moda (modishe), de apego ao observável. Considero trivial dizer que, no âmbito das magnitudes atômicas, são impossíveis predições com qualquer grau desejado de precisão e penso que a teoria não pode ser fabricada a partir de resultados de observação, mas há que ser inventada.
A prova primordial se evidenciara justamente no Brasil, mas por aqui também houve, (e ainda há!?) sérias resistências - um quarto desconhece; outro não acredita; o terceiro presume que não venha ao caso, e ao último, definitivamente, nada disso pode aflorar, sob pena de ficar nú: “O senhor Licínio Cardoso, na primeira fila, tinha o ar de quem, acompanhando a exposição feita, contrapunha mentalmente aos princípios da mecânica einsteniana os dogmas de Augusto Comte.” (Moreira, Ildeu de Castro e Videira, Antonio Augusto Passos Org., Einstein e o Brasil: 124.)
Ora pesquisadores europeus se debatem pela reversão:
Do lado da sociologia, sabe-se que mesmo um autor como Luhmann acabou por se ver compelido a introduzir uma mudança radical no paradigma das relações entre a pessoa e o sistema social. Deixando de ser categorizada como mero ambiente do sistema social, a pessoa passa a valer, também ela própria, como sistema. Um sistema social, a figurar como seu (da pessoa) ambiente. A pessoa vê-se, assim, chamada - e legitimada - a desafiar permanentemente o sistema social, como fonte de “contingência”, "irritação”, mesmo desordem. De acordo com o “novo paradigma luhmanniano”, “na construção de sistemas sociais, a complexidade opaca dos sistemas pessoais aparece como indeterminabilidade e contingência, não sobrando para o sistema social outra alternativa que não seja “interiorizar a complexidade” irredutível, emergente da pessoa. O que bem justificara a pretensão de apresentar a nova teoria de Soziale Systeme (1984) como uma Zwang zur Autonomie. (Andrade, M. C.: 26)
No país de Morin, Bachelard, Gèny, Serres, Sorman, Chardin, d’Estaign e da Estrêla da Tolerância, a Sorbonne não rebentou o busto de Comte, como fez a Rússia com o de Marx; sintomaticamente, porém, ela o deslocou:
Durante dez dias recarreguei as baterias em Paris, no Quartier Latin, que freqüento há quase 50 anos. A não ser a mudança do monumento a Augusto Comte da frente da Sorbonne para sua direita, desobstruindo a visão da fachada da Universidade, não noto qualquer mudança notável.
Gomes, Flavio Alcaraz, Paris, Correio do Povo, 15/6/1997: 4

A natureza e a ciência evoluem assim, diversificadas e descentralizadas:
“Se os seres humanos houvessem de inspirar-se nos exemplos da Natureza, fazendo deles normas de conduta, a anarquia, a independência, o individualismo e o princípio do menor esforço passariam a ser os ideais humanos” (Garbedian, H. G., p. 161)
Se até o Universo está em expansão, porque nosso conhecimento não?


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