domingo, 18 de maio de 2008

Pop-ciência

NÃO SÃO POUCOS os que presumem ser o conhecimento científico espinhoso, e estéril. De certo modo, esses práticos tem alguma razão. A sociedade costuma valorizar o produto da ciência, pelo qual se tem certeza, em detrimento da causa que o permite. A fome faz o homem mirar apenas o fruto, não lhe interessando a árvore que o conduz.
Nossa passagem pela crostra, entretanto, não deve ser consumida apenas em nossa manutenção, evidentemente; tampouco na procriação. Isso é o que mais tem, especialmente no reino dos
animais. Embora não possamos fugir da espécie, nosso procedimento não precisa ser assemelhado. --
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Não é o que pensam, todavia, as academias. Voltadas à profissionalização, ou seja, ao equipamento de sobrevivência, elas são reflexo do seu norte, e espelho da ansiedade social.
Antigamente, ela era voltada a formar batalhões, com vistas às guerras. Ultimamente, o que tem lhes interessado é ganhar dinheiro, ensinando como ganhar dinheiro. Presume, com isso, diferenciar o homem do animal, que desconhece esta solução. Nem assim. Embora mais civilizado do que o canhão, o dinheiro apenas representa o idêntico anseio que nos remete ao mundo animal: a busca pelo alimento, e por um lugar onde descansar, depois de ingeri-lo.
Onde foi que erramos? Por acaso há uma razão à razão não vir ao caso?
Despachamos Foca Lisa no EspaçoTempo, a fim de cumprir um jornalismo investigativo.
Ela pegou uma carona com o pessoal da Folha da Manhã, para ir ao reencontro do cientista mais popular da humanidade. Albert Einstein concordou em conceder mais alguns minutos de atenção.
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Não conhecemos por aqui nenhum outro cientista, além do senhor. Ademais, já faz tempo, e o pessoal parece ter esquecido suas oportunas observações. Há século ninguém surge; e se surgiu, ninguém soube. Parece haver um desinteresse, um fosso entre os cientistas, instalados nas torrres-de-marfim, e a plebe, o povo, a comer capim. O senhor, que soube ser tão popular, recebido por cortes, países e até por índios, poderia apontar alguma razão à tanta discrepância?
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"Na realidade não há entre nós um abismo. Os cientistas também são homens da rua. A ciência é somente sublimação do pensamento humano na sua generalidade. De fato, o leigo está mais perto do cientista do que o acadêmico que sabe a ciência tradicional e que pensa de acordo com os costumes; não existe diferença entre um leigo e um devoto da ciência, mas sim, entre aqueles que são capazes de pensar com independencia e aqueles em que esta faculdade foi atrofiada."
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Oigalê! Então é a própria academia a responsável pelo distanciamento? Qual a razão?
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A origem, até o ALLmirante já sabe. Tem uma coleção de fatos. Eis uma amostra:
A academia foi fundada nas terras de Academus, por Platão. Lá não havia lugar para devaneios. Os poetas foram expulsos. Só a matemática poderia ser o liame entre a ignorância e o conhecimento. Depois vieram Galileu, Bacon e Newton. A terceira parte dos Principia afina com a estória contada pelos religiosos. Na criação, Deus tomara a matéria prima para dividi-la e a colocá-la em movimento:
“Para construir esse sistema com todos seus movimentos, foi necessário uma Causa que compreendeu e comparou as quantidades de matéria dos vários corpos diferentes; essa causa não pode ser uma simples conseqüência cega do acaso, mas sim uma especialista em mecânica e geometria.” (cit. Schwartz, J., p. 45.)
Tudo parecia perfeitamente lógico; e rentável, principalmente:
“A filosofia mecânica forneceu uma resposta para o problema da ordem cósmica e, portanto, da ordem social, mas ao fazê-lo indicou a necessidade de poder e domínio sobre a natureza.” (Henry, John, p. 101.)
Assim, desde Platão, a poesia, a espiritualidade, a própria filosofia e principalmente a imaginação foram apartadas, diminuídas, arbitrariamente marginalizadas, tomadas de assalto pelo vitorioso esquema geométrico, que passou a vigorar alhures, por todos os tempos:
“A tradição filosófica do Ocidente, em todo caso desde o século XVII, foi profundamente influenciada pelo desenvolvimento da física matemática e das ciências naturais fundamentadas na experiência, na medição, na pesagem e no cálculo. Tudo quanto não era redutível a grandezas quantificáveis foi, por isso mesmo, considerado vago e confuso, alheio ao conhecimento claro e distinto.” (Perelman, Chaïm, Ética e Direito, p. 672)
A academia cuida de equipar o homem para o domínio:
"A ciência moderna está estreitamente associada a um poder sobre as coisas, e sobre o próprio homem, e é por isso que ela aparece ligada à tecnologia a ponto delas serem indiscerníveis. (Ladrière, J., Um saber do tipo operatório : as questões da racionalidade; Le défit de la science et de la technologie aux cultures [O desafio da ciência e da tecnologia às culturas], Aubier-UNESCO, 1977; Chrétien: 205.)
Por outro lado, em que pese o advento da Internet, e muitos esforços, ainda falta muito para a ciência se tornar mais popular, e atrair um maior número de adeptos. Veja, por exemplo: são vários brasileiros que participam das pesquisas sobre o Dark Energy Survey (DES), um projeto internacional de dez anos, para o estudo da energia escura. Alguém conhece algum pesquisador? Nem eu;. Pergunte-me quantos jogadores brasileiros atuam na Europa, para ver se não dou os nomes e as datas de transferência. É uma questão de divulgação, e interesse do público, claro.
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Bem, mas queremos a palavra do Grande Mestre. Falávamos da segmentação, das carências no meio educacional. O senhor foi bem enfático, mas gostaríamos que discorresse um pouco mais. O que pode levar essas instituições ditas superiores a ministrar iniquidades?

"As causas da atrofia nos meios acadêmicos são as igrejas, as universidades, as instituições de ensino e, finalmente, todos os organismos que formam e moldam mentalidades em vez de as desenvolver. Não se devem aceitar piamente as informações sem as analisar. A maneira de ensinar é trabalhar em conjunto, para que depois os alunos possam aprender com autonomia. O poder de recepção analitica acaba por ser estrangulado por todas as tradições, as repetições de idéias cristalizadas e os habitos mentais de todos esses velhos... esses velhos como eu..."
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Modéstia. O senhor é eterno, e a eternidade não envelhece.
Mas e o governo? Por que não age? Porque não estabelece incentivos, linhas-de-pesquisa?
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"São este habitos mentais que tornam o homem tão incapaz de ver livremente o problema mundial e de organizar um governo de conjunto para a solução dos problemas internacionais. Esta organização não pode ser abandonada à iniciativa dos governos: será alcançada quando os povos tiverem uma vontade firme e ativa, porque é renovação radical de todas as antiquadas tradições politicas. Os individuos é que tem de ser os promotores: você, eu, cada um de nós temos uma responsabilidade nestes anos, porque a idéia terá de ser levada aos poucos e com grande esforço."
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Concordamos plenamente. As conseqüências são graves...
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Se me permite um reforço, trago a moderna palavra de Michel Serres (De duas coisas, a outra; cit. Derrida, J., p.67):
"O que você diria hoje do grande número de estudantes que consideram o saber como meio utilitário, como um meio de se tornarem uma engrenagem na máquina econômica e social? Os estudantes da máquina de que você fala fazem o que lhes mandam fazer. Adultos construíram essa máquina, essa ratoeira, esse labirinto. Num labirinto onde os ratos se perdem, as pessoas não dizem, ao observá-los 'os ratos estão loucos'; dizem 'construiu-se um labirinto para deixar os ratos loucos'. Em muitos países, o ensino foi construído para deixar os estudantes não muito felizes."
Então é isso:
“Não é suficiente ensinar a um homem uma especialidade. Através dela ele pode tornar-se uma espécie de máquina útil mas não uma personalidade desenvolvida harmoniosamente. A sobrecarga necessariamente leva à superficialidade”. (Cit. Pais, Abraham, Einstein viveu aqui, p. 271.)
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Muito agradecida, Dr. Albert.
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Volte sempre, doce Foca Lisa.

2 comentários:

  1. Os clichés - os estereotipos- a mesmice- e a repressão inconsciente? Qual dos factos que apontei como sobrecarga do meio académico é o mais pernicioso?

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  2. Salve o Parelheiro do Além-mar!
    O curso leva a canoa do incauto a um despenhadeiro. Isso é o que interessa ao antropófago mentor: formam-se peões para um jogo cujo Rei frequentemente é suicida!
    O que se vê é um lento declínio do ocidente, mas prenúncio da nova aurora, no quadrante em que lhe compete nascer.
    Continue conosco.

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