quinta-feira, 15 de maio de 2008

Sobre a inflação

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"A liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam".
Spinoza (1632-77)

FUNÇÃO, valor, e significado do dinheiro são elementos
praticamente desconhecidos à sociedade em geral.
Todavia, cada cidadão porta um conceito.
Pobres e analfabetos lhes concedem a primaz importância,
mas sem a menor noção.
Via-de-regra o quadro se vai colorindo, de modo experimental.
O instantâneo colorido ofusca o artista, e ele jamais cogitaria do bizarro: o quadro pode ser passível de embranquecer, e com ele, a cara e o cabelo do pintor.
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Até precisamente ao crash de 1929, o dinheiro representava a quantidade de metais, essencialmente do ouro acumulado em determinado sítio. Pelo diapasão, pela singeleza do denominador comum, sua expressão atingia a compreensão internacional. Não foi este acidente que transtornou a Economia. Aliás, sequer foi acidente, porque intencional.
O insólito se precipitou mercê "do mau gerenciamento monetário do Federal Reserve, espécie de Banco Central daquele país, que permitiu que os meios de pagamento fossem reduzidos em um terço de 1929 a 1933." (Friedman, M., Capitalism and Freedom, cit. Peringer: 126)
Com o fato, a Economia se tornou manipulável; e seus atores, marionetes, ao gáudio do diretor. Mas esqueçamos este desvio, por enquanto. Teremos oportunidade de reencontrá-lo ainda nesta semana. Para uma melhor nitidez, ora fiquemos com o cenário incólume durante tantos séculos.
Para simplificar, suponhamos que o rincão detivesse uma tonelada de ouro, para seus riquíssimos cem mil habitantes. Para não reparti-lo, deixa-se guardado na caixa-forte. Este caixa emite os vales. Para facilitar as transações, esses vales podem ser divididos em vales de um, de dois, dez, ou de cem. A soma de todos os vales traduzem o valor do ouro estocado. Fica evidente que não se pode ultrapassar a soma, sob pena de cada pedaço perder seu poder, seu valor de representação. Se você possuir algum vale, por exemplo, isto lhe daria o direito de retirar o equivalente em ouro, quando quisesse. Mas se repentinamente começam a circular mais vales, dobrando os vales em circulação, e o ouro estocado permanece o mesmo, é trivial concluir que o metal estará mais fatiado. Seus vale agora significa apenas a metade do que anteriormente atingia.
A inflação não é, e nunca foi, proveniente de alta de preços no mercado. Estes podem variar, evidentemente, mas em virtude do resultado da equação oferta/demanda, ou então do monopólio ou oligopólio da produção e/ou distribuição, como sói acontecer com preços administrados. Tirante as exceções, a variação de preços, a alta dos produtos é apenas reflexo, sinais de que a trama do guarda da moeda foi descoberta. Neste caso o valor expresso na face do dinheiro já não porta a mesma importância, e por isso é exigido maior número, para a aquisição da mesma coisa.
A identificação do valor da cédula por qualquer fonte que não seja a Casa da Moeda, o Banco Central, é simplesmente um engôdo, estimulado pelo próprio guardião, no fito da cortina-de-fumaça.
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Os cordões
Estranhos órgãos de aferição se postam como radares, e vem sendo criados alhures.
Por eles todos anseiam afinar seus instrumentos. Apuramos um coral de bigodudos:
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1 IGP
2 IPA
3 IGP-DI
4 IGP-M
5 IGP-10
6 IPC-RJ
7 IPC-Fipe
8 IPC-IEPE
9 ICV-DIEESE
10 INPC
11 IPCA
12 INCC
13 CUB -
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Todas essas letrinhas se ocupam na tarefa. A especialidade ostenta o pomposo cognome de Econometria. Sua função é propalada como a ferramenta quantitativa das Ciências Econômicas e Sociais. Ela utiliza métodos estatísticos e funções matemáticas aplicadas à economia, e proclama traduzir em números os objetos de estudo econômico.
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As falhas
Oferta de emprego, mão de obra disponível (como se trabalhadores fossem peças de estoque/reposição), capitais financeiros de estado, gigantescas, por isto incomensuráveis taxas de retorno, medições de renda, poupança, consumo, investimento, só faltando medir também o QI de inteligência de toda a população, lastreado na fria e dura, porém “científica” fórmula estatístico-matemática, servem a balizar pari passu os tradutores das peripécias governamentais.
Metros, litros, quilogramas, quantidades, as quatro operações presumem-se suficientes; porém, os dados aferidos não correspondem à realidade:
"Em nenhum outro campo da investigação empírica foram usados tantos mecanismos estatísticos de forma tão massiva e sofisticada, e com resultados tão nulos." (Gleick: 120).
Dessarte, todas se aproximam da verdade; contudo, nenhuma a traduz:
Os índices da economia são muitas vezes enganosos. Por exemplo, os números do Produto Nacional Bruto incluem os gastos para o tratamento de doenças, reparo de veículos acidentados e eliminação dos fatores de poluição; isto é, estamos medindo atividades e não verdadeiramente a produção. E cada vez mais evidente que os esforços para controlar, explicar e compreender a economia são completamente inadequados.
FERGUNSON, M.: 308
Esses dados são necessariamente colhidos no pretérito, que pode ser recente ou não, mas sempre será passado:
A macroeconomia falha teoricamente porque faz afirmações não comprovadas sobre a estabilidade de relações empíricas entre agregados, pressupõe que sua composição seja constante, deixa de lado elementos essenciais da atividade econômica e usa conceitos fora de seu contexto. As contribuições recentes no campo da teoria macroeconômica não têm solucionado esses problemas; na realidade os têm agravado.
SIMPSON: 95
Nossos instrumentos só podem ficar desafinados, dissonantes, com tantos diapasões. No entanto, todos brigam para se mostrar com razão, e muitos são obedecidos ao pé-da-letra, mesmo que apresentem esdrúxulos resultados. É que para a sociedade, incapaz de entender tanta mistificação, interessa o peso do órgão medidor, sua tradição, sua representatividade, sua responsabilidade. Nenhuma instituição, tampouco os órgãos difusores, todavia, são responsáveis. Eles se põem apenas como intérpretes de uma obscura realidade; portanto, são capazes de dimensionar os sintomas; jamais as causas. Os meios econométricos expressam apenas meros palpites, talvez alguma tendência fundada nas miscelâneas que logram colher, malgrado a faina de exatidão.

A mão visível
A responsabilidade, única e exclusiva, pela circulação e consistência da matéria traduzida nas notas é apenas do emissor dos vales:
Aumentos rápidos da quantidade de moeda provocam inflação. Quedas acentuadas provocam recessão. Esta é uma proposição igualmente bem documentada. Não está diretamente documentada neste livro, embora sejam mencionados alguns tópicos: a depressão de 1873-79 nos Estados Unidos, os anos deprimidos do início da década de 1890, a grande retração de 1929-33 que levou Franklin Delano Roosevelt à Casa Branca e armou o palco para o programa de compra de prata da década de 1930.
FRIEDMAN, M.,: 242
Em qualquer país ou sociedade, em qualquer tempo, a inflação ou a deflação, o desenvolvimento ou a recessão só podem ser calibrados pela mão, bem visível, do titular governamental. Infelizmente.

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