quinta-feira, 29 de maio de 2008

Jehan Bodin e o direito divino

Então veio, parece, um sábio astuto,
o primeiro inventor do medo aos deuses...
Forjou um conto, altamente sedutora doutrina, 
em que a verdade se ocultava sob os véus de mendaz sabedoria. 
Disse onde moram os terríveis deuses das alturas, 
em cúpulas gigantes, de onde ruge o trovão,
e aterradores relâmpagos do raio aos olhos cegam. 
Cingiu assim os homens com seus atilhos de pavor
rodeando-os de deuses em esplêndidos sólios, 
encantou-os com seus feitiços, e os intimidou –
e a desordem mudou-se em lei e ordem. 
Crítias¹

A hierarquia foi mesmo presente grego ao Império Romano, e ao seu desdobramento clerical³.  Por ela se organizam o governo eclesiástico e o civil, os impérios, a cúria e os exércitos. Não por coincidência, de Roma partiu o trem:
A sociedade grega e romana se fundou baseada no princípio da subordinação do indivíduo à comunidade, do cidadão ao Estado. Como objetivo supremo, ela colocou a segurança da comunidade acima da segurança do indivíduo. Educados, desde a infância, nesse ideal desinteressado, os cidadãos consagravam suas vidas ao serviço público e estavam dispostos a sacrificá-las pelo bem comum; ou, se recuavam ante o supremo sacrifício, sempre o faziam conscientes da baixeza de seu ato, preferindo sua existência pessoal aos interesses do país. Toynbee, Arnold J.,: 196.
Esparta assim era, mas não Atenas:
Por sua doutrina da similaridade entre Esparta e o estado perfeito, tornou-se Platão um dos propagandistas de maior sucesso do que eu gostaria de chamar ‘o Grande Mito de Esparta’, o perene e influente mito da supremacia da constituição e do modo de vida espartanos. Popper, Karl, 1998, Tomo I, p. 54
Ao prodigioso meio de vida, o Estado pertinente só poderia ser forte, centralizado:“ A responsabilidade absoluta do soberano exige e pressupõe a dominação absoluta de todos os sujeitos.” (BODIN, Jehan, cit. Chevallier, Jean Jacques, p. 56)  Pois este advogado, Jehan Bodin (1530/1596),5 nasceu a tempo de ser cognominado “pai” do governo absoluto. Na respeitável observação do senador italiano Norberto Bobbio, (A Teoria das Formas de Govêrno: 95) ele é mais relevante do que Althusius e até do quase contemporâneo Maquiavel: “A obra mais importante do período de formações dos grandes Estados territoriais é De La Republique, de Jean Bodin.”
Bodin (République, 1576; cit. Perelman, C.: 325) sentenciava: “É necessário que os soberanos não estejam, de forma alguma, sujeitos às ordens de outrem e que possam dar leis aos súditos, quebrando ou aniquilando as leis inúteis para fazer outras.”
O ordenamento de outrora, quase toda lastreado nas formulações de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino, se esvaiam execrados, pisoteadas.Tornavam-se, pois, inúteis. Eis a razão do “despreendimento”, o divino motivo de Jehan Bodin: "A partir de 1571 passou a servir o Duque de Alençon, mais tarde Duque de Anjou, irmão do futuro rei de França Henrique III." http://farolpolitico.blogspot.com/2006/12/jean-bodin.html
Estamos explicados?
* * *
Johannnes Althusius (1557-1638)
4 entrou na onda:

Assim como o navio não é mais do que madeira, sem forma de embarcação, quando lhe tiramos a quilha, que sustenta o costado, a proa, a popa e o convés, também a República, sem um poder soberano que una todos os seus membros e partes, e todos os lares e colégios, num só corpo, não é mais República. (Chevallier, Tomo I: 316)
Ética, se havia alguma, tornou-se envolta na interessante mística:

Mesmo os ateus estão de acordo acerca de que não há coisa que mais mantenha os Estados e as Repúblicas do que a religião, e que esse é o principal fundamento do poderio dos monarcas, da execução das leis, da obediência aos súditos, da reverência dos magistrados, do temor de proceder mal e da amizade mútua para com cada qual; cumpre tomar todo o cuidado para que uma coisa tão sagrada não seja desprezada ou posta em dúvida por disputas; pois deste ponto depende a ruína das Repúblicas. Bodin, Jehan, cit. idem: 55
As comunicações eram precaríssimas, bem o sabemos; as regiões, distantes; os acessos, dificultados; as noites, negras; do inverno europeu, conhecemos sua impiedade; e iluministas contavam-se nas mãos. O esforço empregado para esclarecer todo aquele povo, tão distantemente espalhado pelos campos do imenso país, precisava igual fôlego. A Igreja tinha interesse direto no enfeixar das ovelhas. Liberalismo lembrava protestantismo; merecia a condenação:

À medida em que as nações começaram a se formar, no fim da Idade Média, o ataque contra a descentralização começou a ser dirigido não apenas pelos monarcas e ditadores que criaram nações altamente organizadas, como a França dos Bourbons e a Inglaterra de Cromwell, mas também pela Igreja e especialmente pelas ordens monásticas mais poderosas, que em suas sedes estabeleciam regras de comportamento uniformes e uma contabilidade rígida sobre os atos dos seres humanos que antecipava o ataque iminente às liberdades e à independência regionais e, na prática, determinava o sistema de ajuda mútua. (Woodkock, G.: 57)
Na fresta surgiu a cabeça de ponte positivista:

Vê-se como, ao transferir para a vontade geral as funções cumpridas anteriormente pela vontade divina (vox populi vox Dei) o positivismo jurídico veio a fundamentar toda a regra jurídica positiva no poder legislativo do Estado e na sanção, que garante a obediência à lei. Recusando qualquer outro fundamento do direito, o positivismo jurídico negou a existência a de um direito que não fosse a expressão da vontade do soberano. (Perelman, C., : 395)
A democracia liberal esvazia o poder; per se, é incompatível com aventuras megalomaníacas: “Como conseqüência natural, foram promulgadas leis restritivas sobre o laissez-faire em todos os países e por partidos que professavam filosofias diferentes.” (Polanyi, Karl, The Great Transformation, 1944, p. 145; cit. Sabine, G., p. 682.)  O Direito Natural virou desprezo natural:

Depois das críticas conjuntas das correntes utilitaristas no Reino Unido, historicistas na Alemanha e positivistas na França, o jusnaturalismo perdeu seu prestígio como teoria da moral e foi quase completamente abandonado, salvo por algum reacionário retardatado. (Bobbio, Norberto, Locke e o Direito Natural: 62)
Sempre lúcido, o ex-senador italiano complementa:

Com o declínio dos limites à ação do Estado, cujos fundamentos éticos haviam sido encontrados pela tradição jusnaturalista na prioridade axiológica do indivíduo com respeito ao grupo, e na consequente afirmação dos direitos naturais do indivíduo, o Estado foi pouco a pouco se reapropriando do espaço conquistado pela sociedade civil burguesa até absorvê-lo completamente na experiência extrema do Estado total (total exatamente porque não deixa espaço algum fora de si.). (Bobbio, N., Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política: 25)
A população costuma acreditar na certeza e nos altos desígnios dos tais “descobridores das leis”, especialmente se forem novos profetas. Organizado no racionalismo de integração, “à sua própria segurança e eficiência”, o homem apeia de sua própria verdade, cedendo-a ao condottieri de plantão:

O que a ciência faz é precisamente mascarar, por detrás da racionalidade, sua função ideológica de justificar o poder, deformar o irracionalismo das relações humanas e dissimular a heteronomia dessas mesmas relações. A racionalidade, como ideologia, ocasiona uma cegueira parcial da inteligência humana, entorpecida pela propaganda dos que a forjam. (Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito: 340)
Para impor a ideologia, o direito positivo precisa solapar direitos individuais:

Racionalização significa a transformação do mundo dominante em nome de um plano racional: a organização construída sobre um método e uma seleção racionais, que é totalmente onipotente (...) Sabemos por experiência (...) que o totalitário não é propício à tolerância. (Gallas, Z StW, 1963, cit. Andrade, Manuel da Costa: 27)
A ameaça conduz as ovelhas diretamente à boca do lôbo: “Ser tolerante seria mais perigoso que ser severo ou cruel, pois as consequências de qualquer complacência derramaria mais sangue e seriam mais devastadoras que a severidade momentânea”. (Koselleck, R.: 22)
A França por muito tempo ficou enredada na mistificação, uma doutrina que de tão pobre e falsa, só poderia ser imposta a
manu militaire: A França inaugurou o placar com a presença do célebre Cardeal de Richelieu, (1585 - 1642) primeiro-ministro de Luís X III de 1628 a 1642, inaugurou o placar ao receber preciso passe florentino: por causa do passe florentino aséçp pass. r; Eis o notável arquiteto do absolutismo na França e alhures, mantendo a liderança francesa sobre a Europa. “Em 1641, Richelieu encomenda ao cônego Machon uma Apologia de Maquiavel.” (CHEVALLIER, Tomo I: 55: 454)
É preciso que o Estado governe em acordo com as regras de ordem essencial', diz Mercier de la Rivière, 'e então deve ser todo-poderoso'. Segundo os economistas, o Estado não deve unicamente comandar a nação, também deve formá-la de uma certa maneira; cabe-lhe moldar o próprio espírito dos cidadãos, enchê-lo com certas idéias e fornecer ao seu coração certos sentimentos que julga necessário. Na realidade, não existem limites aos seus direitos nem ao que pode fazer; não reforma simplesmente os homens, quer transformá-los; talvez, se o quisesse, poderia fabricar outros! 'O Estado faz dos homens tudo o que quer', diz Bodeau. Esta frase resume todas suas teorias.
TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução: 157
__________
Notas
1. Crítias, tio de Platão e líder dos Trinta Tiranos em Atenas após a guerra do Peloponeso, cit. Popper, Karl M., 1998, Tomo I, p. 158.
2. Hierarquia: soma de hieros, sagrado, mais arkhia, regra, ordem, provavelmente oriunda da figura geométrica do arco.
3. Clero: de klero, grego, significando terras produtivas. Pipes, R., p. 127.
4. Althusius, Johannnes, criador do método qualificado como "genético"; considerava a família como última instância, desprezando o interesse do indivíduo, porque submisso à causa maior.
5. Jehan Bodin é considerado por muitos o pai da Ciência Política devido a sua teoria sobre soberania. Baseou-se nesta mesma teoria para afirmar a legitimação do poder do homem sobre a mulher e da monarquia sobre a gereontocracia. As idéias de Bodin retratam o que foi o Estado Absolutista no ancien régime da França:
um Estado onde se considerava o poder do monarca como absoluto e de origem divina (teoria do "direito divino dos reis"); onde a propriedade privada era inviolável segundo os princípios do direito civil romano (jus), contando com forte apoio por parte da burguesia mercantil. A idéia de poder absoluto de Bodin está ligada à sua crença na necessidade de concentrar o poder totalmente nas mãos do governante; o poder soberano só existe quando o povo se despoja do seu poder soberano e o transfere inteiramente ao governante. Para esse autor, o poder conferido ao soberano é o reflexo do poder divino, e, assim, os súditos devem obediência ao seu soberano. Wipédia

Sobre a Bibliografia da Nav 's ALL

Google Pagerank Checker


Um comentário: