segunda-feira, 26 de maio de 2008

O liame de Thomas Hobbes


A indivisibilidade do poder soberano é uma das idéias fixas de Hobbes; e, de resto, era esse um dos fundamentos da doutrina política do primeiro e mais célebre teórico do absolutismo, bastante conhecido de Hobbes, ou seja, Jean Bodin. ¹
J. Bodin (1530/1596) é cognominado “pai” do governo absoluto: De La Republique, (2) coincidiu com o perìodo de formacao dos estados com seus territórios, Sua lógica se arvorava teológica,. O fito justificava a indivisibilidade(3), mesmo fundamento do vizinho Hobbes, do patrício Rousseau e de sua criação prática, Napoleão. Em seguida, bem serviu ao filósofo da catástrofe, Hegel, e seus exterminadores - Lenin, Stálin, Hitler e Mussolini. Dividir o poder seria dissolvê-lo. E assim coesos, hipnotizados, nazistas e soviéticos se atiraram à miragem, mesmo sem nenhuma dinastia a encantá-los, exceto a utopia impregnada: “A responsabilidade absoluta do soberano exige e pressupõe a dominação absoluta de todos os sujeitos.” (4) -É necessário que os soberanos não estejam, de forma alguma, sujeitos às ordens de outrem e que possam dar leis aos súditos, quebrando ou aniquilando as leis inúteis para fazer outras. (5)-
.O divino
Oliver Cromwell (Huntingdon, 25 de Abril de 1599Westminster, 3 de Setembro1658) foi um político e usurpador do trono britânico. Adquirindo o título de Lorde Protector no seguimento do derrube da monarquia britânica, ele governou a Inglaterra, Escócia e Irlanda de 16 de Dezembro de 1653 até à sua morte, a qual se crê ter sido causada por malária ou por envenenamento.
Nos trinta anos de reinado católico dos sucessores Charles II e Jaime II invocou-se a autoridade religiosa para a imposição dos respectivos desmandos, mas coube ao puritano Cromwell, bem armado por Hobbes, impor a doutrina de Bodin e Boussuet:
“Afirmando que a autoridade provinha de Deus, ele restabeleceu o que praticamente equivalia ao direito divino dos reis.” (6)
Além de Deus, portanto excedendo a Verdade, o simples capricho real já determinava a obediência incondicional:
Autorictas, non veritas, facit legem.” (7)
O individualismo benevolente e confiante do internacionalista Hugo Grotius diluia-se no pessimismo dito realista de Hobbes:
“Retirem seja de que Estado for a obediência (e conseqüentemente a concórdia do povo) e ele não só não florescerá, como a curto prazo será dissolvido. E aqueles que empreendem reformar o Estado pela desobediência verão que assim o destróem.” (8)
Para melhor aquilatarmos a preponderante mediocridade que comandou o raciocínio de Thomas Hobbes, vejamos a seqüência do seu pensamento pelo detalhista Prelot:
A essência da natureza humana é o egoísmo e não a necessidade altruísta da vida em comum. Quando o homem procura a comunidade, não o faz a fim de conseguir a sua realização pessoal, ou, como pensava o fundador da Escola, em virtude de uma tendência natural que o faz procurar seus semelhantes, mas unicamente com vista ao seu próprio interesse nasce do temor mútuo que existe entre os homens, e não da boa vontade mútua. (9)
Não é o que pensa o notável neurocientista chileno H. Maturana, por exemplo:
“A constituição biológica humana é a de um ser que vive no cooperar e compartir, de modo que a perda da convivência social traz consigo doença e sofrimento.” (10)
Giddens também desfaz a confusão de Hobbes:
“No entanto, o egoísmo deveria ser distinguido do individualismo, que nem brota dele, nem (necessariamente) leva a ele.” (11)
Tanto para o novo maquinista do Estadomonstro, como para Maquiavel no século anterior, o povo deveria conceder tudo ao soberano, o representante do céu, em troca da segurança. Toynbee não perdoa o absurdo:
Em termos religiosos, este tratamento do indivíduo, considerado simplesmente como parte da comunidade, é uma negação da relação pessoal entre a alma e Deus e uma substituição do culto de deus por um culto da comunidade humana - o Leviathan, isto é, a repulsa ao isolamento que está onde não devia estar. O culto do Leviathan é uma enormidade moral, (no sentido de um grande absurdo ou de uma anomalia moral) mesmo em sua forma mais nobre ou suave. (12)
The Leviathan (presumia-se) só poderia realizar o bem à nação, “a razão em ato”. (13)
Carl Schmitt, no auge nazista, apreciava esta estupenda máquina, a machina machinarum, “a interpretação do Estado em termos mecanicistas nos quais se reflete a gradual tecnização do aparelho estatal, característica do Estado burocrático moderno.” (14)
Dessa incrustração metida a racional também saiu a cola do “cientismo marxista” ou, quiçá mais apropriado, marxiano, ou, ainda, marciano, pelo que possui de inusitado e desumano:
“A historiografia hobbesiana foi descobrindo conexões cada vez mais estreitas entre sua concepção materialista e mecanicista do mundo e o nascimento-crescimento-triunfo da ciência moderna.” (15)
Em 1640, The Elements of Law Natural and Politic apresenta a célebre conclusão, na verdade premissa, preconceito: Homo homini lupus - o homem é lobo do homem.
De Cive pousou dois anos depois. Por dois capítulos, no primeiro e segundo, o “filósofo do mêdo” rechaça a formação e a vigência de partidos, “factions or conspiracies”, destarte rotulando-os virtuais desestabilizadores. Ingenuidade ou esperteza?
Daí ao Leviathan passaram-se nove anos de mau juízo sobre nossa natureza:
“O Estado de Natureza descrito por Hobbes é aquele em que cada um vive por sua conta e precisa cuidar da própria defesa, pelo que termina em uma guerra de todos contra todos.” (16)
Einstein, em tese, pode explicar:
Com o homem primitivo é acima de tudo o medo que invoca noções religiosas - medo de fome, bestas selvagens, doença, morte. Já que nesse estágio da existência a compreensão das conexões causais é geralmente pouco desenvolvida, a mente humana cria seres ilusórios mais ou menos análogos a ela mesma, de cujas vontades e ações dependem esses acontecimentos temerosos. (17)
A superstição, as crenças infundadas, já vinham atravessando gerações:
“A afirmação mitológica da maldade inata na natureza humana encontra-se, como se sabe, na Bíblia. Ela está explicitada no episódio de Caim e Abel, como corolário da tese do Pecado Original; e foi filosoficamente elaborada por Santo Agostinho.” (18)
A alienação, a miragem contemplada por povos sedentos de segurança vara o EspaçoTempo:
Em conseqüência, tanto o platonismo quanto o cristianismo distanciam os seres humanos do meio que os rodeia. A natureza e a experiência eram encaradas como o mundo das modificações perturbadoras, o mundo do erro e do caos. Para o cristianismo, a dúvida e a incerteza são obra do diabo. (19)
Na queda religiosa, o medo recíproco e generalizado poderia ser minimizado com a praticidade leviatânica. Taine desconsidera essa “natureza” humana sentida por Hobbes:
“O homem não é inimigo do homem a não ser por meio de um falso sistema de governo.” 20)
A consequência do “falso sistema” pilhado por Taine foi lamentada por B. Jouvenel:
“O Minotauro é um protetor sem limites, mas, por isso mesmo, autoritário sem limites (...)
Teseu e o Minotauro
As pessoas têm o sentimento de que já não há espaço para o que dantes se chamava de vida privada.” (21).
Qual consequência? Responde-nos Rosseli:
“Sem homens livres não há possibilidade de um Estado livre.” (22)

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Notas
1. Hobbes, Thomas, cit. Brett, R. L., p. 29.
2.Bobbio, N., A Teoria das Formas de Govêrno, p. 95.
3. Chevallier, Jean Jacques, p. 56.
4. République, 1576; cit. Perelman, C., p. 325.
5. Koselleck, Reinhart, p. 22.
6. Burns, Edward McNall, Lerner, Robert E. e Standish, Meacham, p. 432.
7. É a autoridade, não a verdade, que compõe a lei. Hobbes, T. Leviathan II, 18, cit. Koselleck, Reinhart, p. 31.
8. Hobbes, Thomas, O Leviatã, Os Pensadores, p. 206.
9. vol II, p. 258.
10. Maturana, H., cit. Pellanda, Nize M.C. e Pellanda, Eduardo Campos, p.115.
11. Giddens, A. p. 144.
12. Estudos de História Contemporânea - A civilização posta à prova, p. 219.
13. Hobbes, Thomas, cit. Polin, Raymond, Galileu, Descartes e o Mecanismo, p. 77.
14. Schmitt, C., cit. Bobbio, N., Thomas Hobbes p. 188.
15. Idem, p. 186.
16. Thoureau, H., in Downs, Robert Bingham, p. 75.
17. Einstein, Albert, cit. Pais, Abraham, Einstein viveu aqui, p. 139.
18. Penna, O.M., O espírito das revoluções, p. 83.
19. Zohar, D., 2000, p. 188.
20. Taine, H., cit. Paine, Thomas, Os Direitos do Homem, p. 122.
21. Jouvenel, Bertrand de, cit. Andrade, M. C., p. 28.
22. Rosseli, C., p. 149.




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