Em muitos Estados do Terceiro Mundo, o assim chamado povo soberano não é nada. Ou quase nada. Fica à margem ou ausente do jogo político, limitado a um círculo restrito. Chamam-no somente para ratificar, plebiscitar e aplaudir. [...] Sobretudo por ocasião das eleições presidenciais. (Schwartzenberg: 320)
A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor.(Pipes:251)
A massa ignora o papel do Estado, ainda que o tome por uma grande coisa . Para gáudio dos impostores, ela crê em qualquer futuro pintado:"Quanto mais facilmente os eleitores acreditarem nas forças mágicas do Estado, tanto mais estarão dispostos a votar a favor do candidato que promete maravilhas.
(Sorel: 145) "Mas quando o legislador é finalmente eleito – ah! Então o seu discurso muda radicalmente [...] o povo que durante a eleição era tão sábio, tão cheio de moral, tão perfeito, não tem mais nenhuma espécie de iniciativa."
(Bastiat: 59)
Torna-se communis opinio que quem detém o poder e deve continuamente resguardar-se de inimigos externos e internos tem o direito de mentir, mais precisamente de ‘simular’, isto é, de não fazer aparecer aquilo que existe, e de ‘dissimular’, isto é, de fazer aparecer aquilo que não existe.
(Bobbio: 372)
Vamos ao tema - a história dos povos e a ciência de ponta dissipam as dúvidas: nem a igualdade, tampouco a participação popular são fundamentos democráticos:"A doutrina da igualdade!... Mas não há nenhum veneno mais venenoso: pois ele parece estar sendo pregado pela própria justiça, enquanto é o fim da justiça." (
Nietzsche: 106) "A lei só será um instrumento promotor da igualdade se tirar de algumas pessoas para outras pessoas. E nesse momento ela se torna instrumento de espoliação."
(Bastiat: 33) "Aplicado aos outros domínios da vida em sociedade, o formalismo igualitário das regras coexiste mal com a exatidão das diferenças naturais."
(Guéhenno: 37)
A increpação só atende ao gosto do rei: “O igualitarismo não é imposto pela sociedade ao Poder, mas pelo Poder à sociedade.”
(Cannac: 107)
Resta indagar “igualdade de quê?”, fulcro do prêmio Nobel de Economia 1998, Amartya Sen.
Não há igualdade entre os homens, tampouco nos reinos animal, vegetal, e até no mineral. Se a procurarmos na teia cósmica, sequer nos anéis de Saturno. Não existe igualdade na natureza, nem entre os átomos que a compõem. O espaçotempo de cada partícula diverge da vizinha, seja por variações das órbitas dos elétrons pelos saltos quânticos, seja por deformar o espaço à sua volta pela simples passagem, ou por que o Universo, desde o
Big-Bang, se expande, tornando-nos, ainda, peculiarmente complexos, originais, evolutivos, por tudo mutantes:“Uma das conseqüências da ‘diversidade humana’ é que a igualdade num espaço tende a andar, de fato, junto com a desigualdade noutro.”
(Sen: 51)
Tudo muda. Tudo flui, disse Heráclito. O rio nunca é o mesmo - são outras águas, em novas margens. Universo é movimento. Vivemos num caldo de energia cósmica fluente do caos atômico. As aspirações e necessidades de cada ser mudam constantemente. A flecha do tempo se distancia de si mesma. Somos diferentes de ontem, e de tudo o mais, na estupenda dança universal. A riqueza da Terra aí reside. E no entanto, ardemos de paixão pela justiça, pela igualdade!
* * *
“Sem homens livres não há possibilidade de um Estado livre.” (Rosselli: 149)
O mais reverenciado jurista do século XX tardou trinta anos, mas dobrou-se à grande diferença: “É o valor de liberdade e não o de igualdade que determina, em primeiro lugar, a idéia de democracia.” (Kelsen: 141)
Os soviéticos demoraram o dobro, mais dez. Na implosão da
Perestróika, o que se viu foi uma casta encastelada, a
Nomenklatura dissipando-se no buraco-negro do blefe. A faina era utópica, do vírus platônico, apenas ideológico; e, como tal, estéril: “Aparentemente a desigualdade – não a igualdade – é uma condição natural da humanidade.” (Dahl: 77)
O distintivo da democracia é a partilha do poder, não a igualdade entre as gentes:
A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir- se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios.
(Russell: 24)
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*Após quase 50 anos, Cuba deve começar a reduzir os generosos benefícios de seu sistema de Bem-Estar Social. O chefe do departamento de análise de macroeconomia do Ministério da Economia cubano, Alfredo Jam, disse que os cubanos têm sido "protegidos demais" por um sistema que subsidia os custos com alimentação, limita os ganhos e diminui a força de trabalho em setores industriais chaves para a economia:
"Nós não podemos dar às pessoas tanta segurança em relação às suas rendas que afete sua disposição para o trabalho", disse ele ao Financial Times de 19/8/2008. "Nós podemos proporcionar igualdade no acesso à educação e à saúde, mas não igualdade de renda".
Quase. Assim como não podym fazer passes-de-mágica para criar riqueza, tampouco podem igualar algo.
FONTES
BASTIAT, Frèderic, A lei; trad. Ronaldo da Silva Legey. – Rio de Janeiro : José Olympio Editora, 1987.
BOBBIO, Norberto, Teoria geral da política : a filosofia política e as lições dos clássicos; organizado por Michelangelo Bovero; tradução Daniela Beccaccia Versani, - Rio de Janeiro : Campus, 2000.
CANNAC, Yves, O justo poder; tradução Célia Neves Dourado. - Rio de Janeiro : Instuto Liberal, 1989.
COELHO, Luiz Fernando, Teoria crítica do direito. - Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991
DAHL, Robert A., Sobre a democracia; tradução Beatriz Sidou. – Brasília : Editora Universidade de Brasília, 2001.
GUÉHENNO, Jean-Marie, O futuro da liberdade : a democracia no mundo globalizado; tradução Rejane Janowitzer. – Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2003.
KELSEN, Hans, A democracia; tradução Ivone Castilho Benedetti, Jefferson Luiz Camargo, Marcelo Brandão Cipolla, Vera Barkow. - São Paulo : Martins Fontes, 1993.
MONTESQUIEU, Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência; tradução Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro : Contraponto, 2002.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm, Crepúsculo dos ídolos; tradução Marco Antonio Casa Nova; revisão técnica, André Luís Mota Itaparica. – 2. ed. – Rio de Janeiro : Relume Dumará, 2000.
ROSSELLI, Carlo, Socialismo liberal; tradução Sérgio Bath. - Brasília, D.F. - Rio de Janeiro : Instituto Teotônio Vilela - Jorge Zahar Editor, 1997.
RUSSELL, Bertrand, Ideais políticos; tradução Pedro Jorgensen Jr. - Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 2001.
SCHWARTZENBERG, Roger-Gèrard, O Estado espetáculo; tradução Heloisa da Silva Dantas. - Rio de Janeiro : Difel, 1978.
SEN, Amartya, Desigualdade reexaminada; tradução e apresentação Ricardo Doninelli Mendes. - Rio de Janeiro : Record, 2001.
SOREL, Georges, Reflexões sobre a violência; tradução Paulo Neves. - São Paulo : Ed. Martins Fontes, 1992.
Entrando no teu blog tive a grata surpresa de constatar um pouco do que vc é e escreve.Achei tudo ma-ra-vi-lhoso.Tens uma leitura de vida incrível E que sensibilidade!!A descrição estética e a interpretação que fazes sobre a foto dos indios foi sensacional.Com sou formada em artes e uma das disciplinas que leciono é" Estética"gostei e aprendi bastante com tudo que li e vi no teu blog.A leitura me proporcinou uma viagem enorme..Como dirijo um grupo de teatro na universidade ,imaginei fazer diversas performances com teus textos.Fiquei encantandíssima ...confesso mais uma vez.
ResponderExcluirProfessora Ilsa, Tubarão, SC