sábado, 24 de novembro de 2007

"Balão Mágico"

-
A liberdade é uma necessidade fundamental
para o desenvolvimento dos verdadeiros valores.
Albert Einstein

-
NO AUGE DO INTRÉPIDO Leviathan morreu seu cavaleiro, Lord Protector Cromwell. The Parliament reindroduziu as dinastias reais, primeiro na pele de Charles II, o ex-aluno de matemática do "professor" Hobbes. De 1660 a 1685, paulatinamente, Charles II foi se agigantando, fazendo com que o catolicismo voltasse a ter força, desafiando, por várias ocasiões, a Câmara dos Comuns. A subserviência a Roma era o grande temor, acabando por gerar revoltas no seio da população, mas Jaime II, o irmão que o sucedeu, ainda veio para estreitar a ligação. Por esta época (1666) Locke tornava-se médico de Anthony Ashley Cooper (1621-1683), o qual acabou por atribuir-lhe a função de assessor-conselheiro. Milhares conhecem Locke. Poucos sabem desse Lord Ashley, deslize histórico, injustiça intelectual. Provavelmente Ashley possuia mais capacidade, mais conhecimento e, pode-se afirmar, trabalhava com menor incidência empírica do que o próprio Locke:
"Devemos os Dois Tratados ao prodigioso conhecimento das questões de Estado adquirido por Locke no curso de seus frequentes diálogos com o primeiro conde de Shaftesbury." (2)
Seis anos após Locke ter começado a lhe prestar serviços, Ashley ganhou este título honorífico - Conde Shaftsbury. Tornou-se Presidente do Conselho de Colonização e Comércio da Royal Society discordando do grande Newton, algo que nem Locke ousou. Sua intuição, porém, era forte. Estava, de fato, mais perto da verdade. Einstein e principalmente Max Planck, trezentos anos depois, dariam completa razão a estas suas precoces palavras:

"Newton era um mero materialista. Em seu sistema o espírito é sempre passivo, espectador ocioso de um mundo externo há motivos para suspeitar que qualquer sistema que se baseie na passividade de espírito deve ser falso como sistema." (3)
R. L. Brett relata-nos outras peculiaridades da rica percepção do “padrinho”de Locke:
Shaftesbury se deu conta que as doutrinas de Hobbes solapavam toda a interpretação espiritual do universo e convertiam a moral em simples conveniência. Se deu conta, também, que estas doutrinas e outras parecidas destruíam os estímulos da arte e as grandes obras artísticas da humanidade. A filosofia de Shaftesbury foi planejada para combater a interpretação mecanicista da realidade, mas sobrepujou a filosofia daqueles em seus esforços para salvar as artes dos efeitos das idéias mecanicistas: aspirou fundar bases não só para a verdade e a bondade, como também para a beleza.(4)
O paradigma fez-se no grande diferencial. Por paradoxo e coincidência, na terra de Newton havia a resistência ao mecanicismo cientificista:
"Na Grã-Bretanha, contudo, em particular no final do século XVII, a metáfora do relógio foi tratada com muito mais ambivalência do que no continente. O relógio sempre apareceu ali como uma metáfora de arregimentação e compulsão irracional." (5)
Lord Shaftesbury tornou-se Chanceler; e Locke, Secretário para a Apresentação de Benefícios, participou da elaboração constitucional da Colônia de Carolina, dos EUA.

Na estada em Exeter House (residência Shaftesbury em Londres) Locke convivia com os círculos intelectuais e políticos que por ali gravitavam, época em que começou seu Ensaio sobre o Entendimento Humano. As primeiras incursões ao universo científico foram acompanhadas pelos amigos pessoais, quase todos integrantes da recém-fundada Royal Society, abrigo de cientistas de Oxford e Cambridge, de expurgados ex-colaboradores de Cromwell e de avulsos, como Sir William Petty, este até então modesto agrimensor irlandês. Ali estavam presentes o revolucionário cientista médico Thomas Sydenham e o Alchymistarum Roberto Boyle, pesquisador capaz de oferecer algumas dúvidas quanto à velha teoria aristotélica dos quatro elementos. Compunham uma heterogeneidade mutuamente complementar. A plêiade tinha claro escopo:
A sociedade se comprometia a buscar conhecimentos úteis ao progresso do comércio e colaborar para fortalecer os alicerces da religião contra todas as manifestações de ateísmo mecanicista. O exercício da física deveria ser restrito a homens de mentes mais livres; se os mecanicistas fossem elaborar uma física sozinhos, eles a levariam para suas oficinas e a obrigariam a consistir exclusivamente de molas, pesos e rodas.(6)
Os participantes possuíam outro segredo em comum: elementos obsessivamente políticos não deveriam ter acesso. Thomas Hobbes, entre alguns marcados, por ali jamais transitou. Bobbio relembra:
“Como se comentou recentemente, Hobbes foi a ovelha negra da sociedade inglêsa do seu tempo, assim como Maquiavel, no século precedente.” (7)
A ovelha negra marcou seu protesto com virulência, chegando ao ponto de atacar diretamente um daqueles famosos membros, R. Boyle. Formulou sua obssessão num inóquo Dialogus Physicus sive de Natura Aeris, de 1662.
Sete anos após, a Universidade de Cambridge organizou debate sobre filosofia experimental. Alvo: o universo coperniciano.

"Em 1671 Henry Stubbe disparou contra o pragmatismo baconiano, o maior associado de Hobbes, apontando seu “desrespeito às antigas jurisdições eclesiásticas e civis, ao antigo govêrno, bem como aos governadores do reino.” (8)
A lógica argumentativa desses ilustres súditos balançaram o sistema, mas os principais conceitos de Locke eram subversivos, por isso não divulgados. De 1675 a 1679, ele conheceu a França:
"Além disso, Locke e Shaftesbury consideravam realmente o despotismo como um mal francês e, quando escreveu o documento, em 1679, Locke acabava de voltar da França, após estudar o mal francês enquanto sistema político." (9)
Sobre a estada francesa, existe a edição de 1953, por Cambridge, de John Lough editor, a coletânea Locke’s travels in France (1675-1679) as related in his journals, correspondence, and other papers. Também há o estudo de Gabriel Bonno, Les relations intellectuelles de Locke avec la France, da University of California Press, Berkeley e Los Angeles. (1955) (10)
São obras raras a nosotros aqui do terceiro mundo. É certo, contudo, que a semente que germinou pela geração subsequente veio das mãos de Shaftesbury e Locke, não de Hobbes: "Montesquieu dizia que os ingleses eram o povo mais livre do mundo porque limitavam o poder do rei pela lei." (11)
A Inglaterra apeava do limitado, tosco, pernicioso, antiecológico e antieconômico Leviathan, para ascender no balão mágico da Revolução Gloriosa. E o mundo começava a tomar conhecimento que poderia viver sob a égide da democracia. Era só dividir o poder, desde o núcleo até a extremidade, onde vive o cidadão:

" A democracia inglesa é a única democracia moderna que combina o sentido de independência e excelência com o impulso da classe média em direção à liberdade de consciência e à responsabilidade pessoal." (12)
Voltaire bem soube reverenciae o farol mais intenso do iluminismo:
"Talvez nunca tenha havido espírito mais sensato, mais metódico, um lógico mais exato que o senhor Locke; não era, contudo, um grande matemático." (13)
Felizmente.
___________
Notas
1.Einstein, A., cit. Brian, Denis, p. 253.
2.Shaftesbury, cit. Locke, J., Dois tratados sobre o governo, p. 37
3.Shaftesbury, carta a Thomas Poole, cit. Brett, R. L., La Filosofia de Shaftesbury y la estetica literaria del Siglo XVIII, p. 109.
4.Brett, R. L., idem, p. 32.
5.Henry, J., p. 100.
6.Schwartz, J., O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência Moderna, p. 44
7.Hobbes, T., cit. Bobbio, N., Locke e o Direito Natural, p. 165.
8.Stubbe, H., cit. Schwartz, p. 44.
9.Locke, J., Dois tratados sobre o governo, p. 90.
10. Obras citadas por Bobbio, N., Locke e o Direito Natural, p. 78.
11. Montesquieu, cit. Pipes, R., p. 151.
12. Barbu, Zevedei, apresentação de Tocqueville, A., O Antigo Regime e a Revolução, p. 17
13. Voltaire, Vida e Obra, p. 25.

Nenhum comentário:

Postar um comentário