sábado, 24 de novembro de 2007

O Triunfo da Doilética

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DE QUE MANEIRA A ESTRATÉGIA de Hegel pode ser acolhida, ainda mais como manifestação científica, embora repleta de carências e absurdos? Como a dialética recebeu tão cobiçado galardão? De que modo a simples lei positiva, essa expressão de vontade unilateral e e comumente paranóica brilha tal qual pura expressão da ciênciae até da democracia?-
“A cisão é a fonte da exigência da filosofia”, diz Hegel no Differenzschrift. (1)
O instrumento sectário platônico, já utilizado com êxito por Maquiavel, Bacon, Hobbes, Newton, Rousseau e, principalmente, Descartes, atingira o ariano:
O abandono da universidade da Idade Média deve-se a uma iniciativa de um pequeno país chamado Prússia, no começo do século XIX, que criou uma universidade de maneira inovadora, dividida em departamentos: de Ciências, de Química, de Matemática. (2)
Dentre elas, a grande vedete era a última:
Na matemática não há fatos fora do seu próprio campo que exijam comparação. Por causa dessa certeza, os filósofos de todos os tempos sempre admitiram que a matemática propicia um conhecimento superior e mais confiável do que o reunido em qualquer outro campo do saber.(3)

Como ele cruzamos propriamente o umbral de nossa filosofia independente. Aqui, podemos dizer, estamos em casa e podemos, como o navegante após longo périplo por mar proceloso, exclamar ‘terra’! (5)
Só enganchando suas elucubrações na locomotiva científico-filosófico-mecanicista é que Hegel poderia alcançar o status almejado. Na má temática mistificada, o venerando caia bem: “Hegel tem Descartes na conta de um herói." (4)
Hegel não titubeou homenagear o ídolo:

Sinceramente, era preferido ter ficado no mar.
O olvidado Newton emprestara ainda maior certeza. No começo da terceira parte dos Principia, a demonstração cabal de fenômenos de ação e reação, fenômenos mensuráveis, por isso com carga científica, vinha bem a calhar:
“Na natureza, nenhuma coisa muda senão pelo encontro das outras”. (6)
Agora demonstrarei a estrutura do Sistema do Mundo: todo o corpo continua no próprio estado de repouso ou de movimento uniforme numa reta, a não ser que seja impelido a mudar esse estado por forças que lhe forem aplicadas. A mudança de movimento é proporcional à força motriz aplicada e ocorre na direção da reta em que a força foi aplicada. Para toda ação existe sempre uma reação igual e oposta. (7)
A medição de fenômenos físicos de acordo com sua intensidade variável, mas de regular constância sobre um eixo epistemológico arbitrado, como se tudo pudesse ser resolvido por aperfeiçoados medidores, passou aplicada em todos os temas relevantes, especialmente nas ciências humanas, e por Hegel.
Jean T. Desanti analisa os esforços, tentativa de “emendar os encadeamentos operatórios da matemática com seus encadeamentos conceituais.” (8)
A operação redunda em trazer à tona o dark side, o negativo subliminar da trajetória histórica conhecida, à luz de uma virtualidade completamente fantasiada, na moda evolucionista. Geólogos viam a Terra como produto de ação contínua das forças naturais (só não sabiam quais) durante enorme período, enquanto Lamarck apresentava uma coerência evolutiva capaz estabelecer até a Origem das Espécies, de Darwin. A evolução detectada na “força maior” encaixava-se no estudo das ciências humanas e Hegel buscou o sucesso pela mesma escada, deixando-a estendida a Darwin. Na tentativa de afastamento das antigas concepções rigorosamente deterministas, tanto este como aquele caíram vitimas dos próprios desígnios. Destarte, ao invés de se aproximarem da moderna concepção de natureza (que dezenas de anos após seria cabalmente demonstrada por Einstein) Hegel, alguns antepassados, contemporâneos e sucessores reforçavam o equívoco mecanicista com outro, embora pensado biológico, porém mais nefasto e mais baconiano, porque no sentido da dominação pela força. O absurdo pairou preconizado por esta biologia mecanicista, uma psicologia behaviorista, uma história empírica, uma sociologia descritiva, coisificante, e um direito que lhes corresponde, totalmente opressor.
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Notas
1. Hegel G.W., cit. Cicero, A., p. 73.
2. “Em seminário internacional do MEC, pensador Edgar Morin fala na educação do futuro: ‘Ensino sem espírito não funciona’”; jornal Folha do Sul, Porto Alegre, 24/9/2000, p. 17.
3. Russell, B., 2001, p. 137.
4. Hegel, G.W.; Descartes, R., cits. Alquié, F., p. 17
5. Descartes, R., cit. Hegel, G. W., Conferências e escritos filosóficos de Martin Heidegger; Hegel e os gregos, p. 20
6. Newton, Isaac, cit. Capra, F., 1991, p. 60.
7. Newton, I., cit. Rohden, H., 1993, p. 169.
8. Cits. Descamps, C., p. 93.

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