quinta-feira, 20 de março de 2008

O retorno Iluminista

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Que haja desordem na Natureza, ninguém tem o direito de o afirmar, pois que ninguém conhece todas as causas para daí poder concluir. Baruch Spinoza

A grande epopéia das Luzes incluía no mesmo movimento o justo e o belo. Organizava um afresco tranquilizador da natureza e da sociedade. Os romances de aprendizagem diziam como se conduzir e se comportar. Ora, as indicações foram se desagregando nas sociedades industriais contemporâneas. Descamps: 27
A Banda da Holanda
O HOLANDÊS do XVII guardava a tolerância, a relatividade, até a quântica, a complementariedade: “A metafísica de Espinosa prenunciou a física de Einstein." (Sylvaia Zac, cit. Jammer: 114) -
O holandês contemporâneo resgata justamente a “tolerância” como valor cultural a ser preservado, "relativismo que devemos adotar como remédio contra a arrogância." (P. Feyerabend, cit. Silva: 310)
A ciência desabrochou naquele sítio, não em Florença. As luzes do Íluminismo foram literalmente acesas nos Países-Baixos, a começar por Christiaan Huygens (1629-1695), dedicado aos estudos das luzes e cores. Huygens foi pioneiro em falsear o mecanicismo de Newton, tanto quanto seus contemporâneos da Banda. De certo modo também se antecipou às provas trazidas pela Teoria Quântica, ao propor que a luz viajava em pulsares, daí aferindo os fenômenos intrínsecos da refração e da reflexão. (Tratado sobre a luz ) De quebra, ele ventilou a hipótese dos anéis de Saturno, e provou sua existência, um feito verdadeiramente extraordinário, ainda mais se nos ativermos aos parcos instrumentos que dispunha, somado ao radiante preconceito de Newton, sempre hegemônico.
Por perto a civilização ainda contava com Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646-1716), uma genialidade à serviço da lei, religião, política, história, literatura, lógica, metafísica, filosofia, e principalmente da matemática, onde legou à humanidade o famoso cálculo diferencial. Newton, contudo, melhor servia aos escusos interesses, ao mercantilismo, ao egoísmo da Coroa. O Brasil se quedou envolvido em expulsar a gema holandesa, que seria a oportuna profilaxia ao nosso ovo podre. Nova York, contudo, não. Pobre Calabar, (Domingos Fernandes Calabar c. 16001635) tornado traidor, na verdade grande feitor, assassinado em "nome da lei", e esquartejado em nome do terrorismo de Estado. Pobre de nossos escolares, até hoje tão mal ensinados, assim, de modo tão acabrestado.
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Coroa à toa
Também foi em Amsterdã que Locke formulou os arrazoados que viriam inaugurar a moderna democracia, na pioneira Inglaterra.
Mais conhecida pelo toque que embalou o marxismo e o fascismo, a relação dialética foi apreciada através do Tratado Sobre a Tolerância. Por Locke, entretanto, os polos não são paradoxais, contraditórios ou hierárquicos. Ambos vértices se interagem, em caráter integrativo, não destrutivo, como sói acontecer nas proposituras de Platão, Hegel, Darwin e Marx. Para a realização da Revolução Gloriosa, um movimento políotico radical, porém sem derramamento de sangue, o Canal da Mancha transportou a somalética, rito mais complexo, por isso também mais completo do que a simploriedade platônica da contraposição de vetores:
"Foi igualmente pela recusa do dualismo cartesiano, e pela defesa da observação e da análise contra o espírito sistemático, que Locke se impôs como 'mestre da sabedoria' aos filósofos franceses do século XVIII." (Châtelet: 228)
O mestre iluminista escreveu os acordes científicos à modernidade conhecida recentemente:
"A ideologia política do liberalismo originou-se de um sistema de idéias fundamentais que foram, inicialmente, desenvolvidas como teoria científica, sem qualquer significação política." (Mises, 1987: 158).
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O Coral Mundial
Hans Kelsen (p. 105), por fim, configurou a ligação da democracia (desde que liberal) com a relatividade, fato que determinou o abandono às causas que lhe fizeram famoso:
"A concepção metafísico-absolutista está associada a uma atitude autocrática, enquanto à concepção crítico-relativista do mundo associa-se uma atitude democrática."
Carlos Lacerda (p. 50) seguramente não o leu, mas de certa forma o repetiu:
"A democracia só é possível onde os homens, em sua maioria, tomam consciência da relatividade das soluções. Do contrário, o que domina é o sentimento, tipicamente totalitário, das soluções absolutas – ou absolutistas."
Por ironia, é a própria ciência que, pela matemática endeusada, deparou-se com a paradoxal impossibilidade da verdade absoluta: "A Teoria da Relatividade Geral freqüentemente é considerada a derrota final do absolutismo.” (Ray: 179).
De fato, a vida no espaço cibernético parece estar se moldando exatamente como Thomas Jefferson gostaria: fundada no primado da liberdade individual e no compromisso com o pluralismo, a diversidade e a comunidade.
NAISBITT, J., Paradoxo global: 96
Resta avisar o pessoal da Bobbone; mas que não se esqueça também daqueles do chão-de-fábrica, ora voando nas alturas. Correm grande perigo.
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Nota
* Cit. Châtelet, 1995, vol. II: 127.

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