quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Keynes: go home!

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A democracia só é possível onde os homens, em sua
maioria, tomam consciência da relatividade das soluções.
Do contrário, o que domina é o sentimento, tipicamente
totalitário, das soluções absolutas – ou absolutistas.
Carlos Lacerda

A concepção metafísico-absolutista está associada a uma
atitude autocrática, enquanto à concepção crítico-relativista
do mundo associa-se uma atitude democrática.

...............................Hans Kelsen


O ADVENTO da barbárie soviética a todos assombrava, especialmente os vizinhos do Alaska.
Segundo as antigas previsões o capitalismo iria ruir, e a maior fratura já se expunha.
Apresentou-se o doutor, para estancar o terror. Expert na sedução de menores, foi trivial convencer os apavorados americanos, e de resto os parceiros fascistas e nazistas espalhados pelo globo, que seu plano de falsificar dinheiro (fabricando-o sem lastro) e distribuí-lo a troco de bananas iria tornar o operário mais rico, e, como tal, o proletário abandonaria a convocação à guerra contra os patrões, em troca da guerra contra outras nações, preferivelmente aquelas mesmas que lhes adulavam com os sonhos do velho Marx.
Ao intento, primeiro foi cavada a violenta recessão, para anestesiar o povo por inanição. Em seguida subiu ao palco o paladino, sob os auspícios de Roosevelt, em primeiro plano, mas não só dele: Hitler, e Mussolini já tinham sido instruídos a obedecer a cartilha, mercê de vultosas quantias retiradas do povo americano durante toda a década fatídica, e para aqueles criminosos destinadas.
Gegê se adiantou como gaiato para abiscoitar uma rebarba. Assim é que simultaneamente entramos no joguinho torpe, uma chicana não só política, mas artística, onde a ideologia encobria a sangria.
Os nazi-fascistas tiveram o fim conhecido, os americanos a sorte de seus despojos, mas por aqui a perfídia se estenderia, assim envenenando a economia e de resto a sociedade brasileira a conta-gotas.
A 'heróica" morte do caudilho assanhou os asseclas, que mantiveram, e até ampliaram o maquiavélico plano. Não seria apenas um bruxo montado numa parca vassoura que espantaria o exército de vampiros espraiados na mais nova caverna do Planalto Central. Só uma guerra, ou, pelo menos, uma ameaça, como sói acontecer por aqui, desde o valente Grito do Ipiranga, esbravejado contra o pai, morador do outro lado do Atlântico, é que poderia desbaratar a estupenda quadrilha.
Como os militares se atinham apenas em administrar os víveres à caserna, e na permanência da ameaça da foice e do martelo, imagine, podendo destruir os canhões, os estrelados requisitaram os préstimos da única plêiade disponível, oriunda da cátedra do velho patrono ilusionista. O milagre brasileiro não poderia ser diferente daquele oferecido pelo santo-do-pau-ôco americanizado. A verdade veio à tona, e os alto-coturnos imploraram pelo esquecimento.
Os vampiros voltaram robustecidos; e o povo, desgraçado. Dessarte, em lugar do Estado Novo, a Nova República. Em lugar dos Cincoenta Anos em Cinco, temos o Programa da Aceleração do Crescimento. Não temos mais a Hora do Brasil, na qual o trabalhador era obrigado a ouvir os delírios acariocados, mas uma Voz, na verdade um coro, um Coral de Bigodudos bafejado por toda espécie de volúpia, preocupado com seus próprios interesses, e que por isso se faz inimigo da liberdade, da verdade e das ciências, relacionando tudo às suas paixões e utilidades, digo futilidades particularizadas, que já não escolhem hora, e geralmente ecoam na calada da noite, quando então são ouvidas por qualquer gatuno em atividade, ou por alguém com insônia, atormentado com contas a pagar.
Assemelhado intento extinguiu o famigerada DIP, e o SNI. No lugar da publicidade, Marcos Valério é mais capaz; e quanto menos imprensa tiver, melhor. E para substituir o "serviço" nacional de informações, não foi preciso prática, nem habilidade: o imaginativo da Sorbonne trocou seu nome para ABIN. E fez mais, gostava de um slogan como poucos. Para nosso desespero, Pra Frente Brasil levara a Copa 70; mas Avança Brasil, a devolveu.
De todo modo, desde então, o povo não mais se submete à prepotência dos decretos presidenciais. Dizem-se candidamente medidas. São desmedidas. Mussolini jaz, mas nem precisa mais Congresso fechado; basta ele ser comprado*. Ademais, a Constituição Cidadã, na verdade vilã, até porque costurada por esses estelionatários do plano cruzado, trouxe esta outra elucubração italiana, aqui aportando travestida de provisória, porém permanente, e no interesse exclusivo do subscritor: o Executivo legisla, executa, e julga seus próprios atos, isto é, os engaveta, ad eternum. Nada de novo na fonte (ocidental), exceto na imprensa, que é livre para tudo denunciar. Todavia, tanto faz. A corrupção assola de todo canto. Venha de onde vier é tomada como inevitável, por isso admitida; portanto, sem novidades no front, nem se vende mais tanto jornal, a não ser para contabilizar enormidades contra pais-de-famílias, estudantes e trabalhadores.
Ao que se saiba Getúlio não era bissexual, mas foi cognominado pai dos pobres e mãe dos ricos, por criar o PTB e o P$D. Ora o que vemos é o PT e o P$DB. A marmelada continua, a mesa da pizzaria é repleta, mas o tamanho do disco é fenomenal. Nada de fato mudou de lugar; exceto o prosaico "B".
Os danos sociais só não é maiores porque Reagan, mercê da iminente globalização, e na tentativa de remissão dos pecados cometidos pelos seus ancestrais, determinara que o FMI e a própria ONU monitorassem todos os bancos centrais do planeta, a fim de retirar da praça os cheques-sem-fundos keynesianos. Eis a razão do mundo estar curado do surto inflacionário. Eis o motivo de se requisitarem as sobras dos depósitos dos bancos remanescentes para cobrir o estupendo furto de trinta bilhões de reais perpetrado sobre as contas dos correntistas daqueles bancos patrocinadores da campanha presidencial: a Casa da Moeda, outrora de tolerância, agora está impedida de rodar a impressora. Por isso os juros são os mais altos do mundo: não se pode mais emitir sem lastro, e as notas de cem rumaram às Caymanns para serem convertidas em dólares, e daí retornarem à pátria esverdeadas, portanto, escamoteadas, a fim de adquirirem vultosos patrimônios a troco de bananas, dos esquálidos sobreviventes. Não há disponibilidade de dinheiro, nem nos bancos. Elevando seu preço, desaparecem candidatos, mas não os lucros desses estabelecimentos apadrinhados, e cada vez mais assombrosos.
O
Euro nasceu sob a égide do rígido contrôle, assim como essa nossa mais nova moeda. O da Fazenda, propalado pai da ocasião, foi um mero papagaio-de-pirata, fantástico oportunista.
Todavia, sempre damos um jeito, um jeitinho que só nós podemos dar. Se naquela data se "fabricava" dinheiro até para comprar um portaviões, por nossos dias logramos um feito ainda maior, ao adquirirmos um moderno Brucutú dos verde mares de Iracema, mais equipado, e muito maior que o antecessor, sem precisar emitir uma cédula: bastou a Copa do Mundo, entregue delivery, ao fornecedor J. Chirac, o mesmo que atirou sete bombas atômicas na Polinésia, tida como francesa. Imagina se não fosse!
Não estariam Os Amigos da Onça ora de cabelos brancos, e ondulados, porque sem brilhantina?
* * *
Porque a subida ao poder sobre um povo muitas vezes atônito, e sempre mal-informado, faz-se trivial, e seu exercício sói se desenrolar por demais prazeiroso, regado em festas de arraiás e passeios supersônicos, ainda mais acrescido de total isenção de responsabilidade, olvida o incauto, ou nem procura saber, para onde leva seu devaneio plagiado:
Quando a mente toma a dianteira do espírito, constrói uma sociedade contra a natureza e persiste em seus conceitos até que apareça a Grande Complexidade proveniente de seus próprios processos. Ela percebe então que já não pode administrar essa realidade, nem quantativamente, nem qualitativamente.
(Random: 208)
Se lhe passasse um trailer, pelo menos, já seria suficiente para perceber que Maquiavel, o diretor do original, programou um roteiro sem variação, reservando um final melancólico, mas de preferência trágico, ao seu astro principal, justamente para o deleite da platéia, a qual, no fim das contas, é a que vem lhe garantindo êxito de bilheteria já há cinco séculos.
Uma pena que não se ensine História no chão-de-fábrica, mas nada surpreende tanto assim: afinal, nem mesmo faculdades de economia dela tomam conhecimento, e as de sociologia, outrora berço de notáveis impostores, pantomimeiros, e saltimbancos, a ministram enviesada, como convém aos próceres da religião alcunhada, ironicamente, da humanidade. (O conto de Augusto Comte)

Fugindo do Inferno
Há muito o que recuperar:
O que agora excita o espírito agressivo dos novos liberais é o efeito, considerado desastroso, das políticas keynesianas adotadas pelos Estados econômica e politicamente mais avançados, especialmente sob o impulso dos partidos social-democráticos ou trabalhistas. Nestes últimos anos lemos não sei qua
ntas páginas sempre mais polêmicas e sempre mais documentadas sobre a crise deste Estado capitalista mascarado que é o Estado do bem-estar, sobre a hipócrita integração que levou o movimento operário à grande máquina do Estado das multinacionais. Agora estamos tendo outras tantas páginas não menos doutas e documentadas sobre a crise deste Estado socialista igualmente mascarado que, com o pretexto de realizar a justiça social (que Hayek declarou não saber exatamente o que seja), está destruindo a liberdade individual e reduzindo o indivíduo a um infante guiado do berço à tumba pela mão de um tutor tão solícito quanto sufocante
(Bobbio, O Futuro da Democracia: 132).
Um russo do XIX anda por aqui, em nosso século XXI. Uma pena que os grandes ídolos contra-revolucionários de 1964, ora pelo mesmo tempo hegemônicos, não admitam o que vem pela proa, o delta do futuro apregoado naquele logínquo no passado:
O verdadeiro progresso está no rumo da descentralização, tanto territorial como funcional,
no desenvolvimento do espírito de iniciativa local e pessoal, e da livre federação que caminha
do simples para o complexo, em lugar da atual hierarquia do centro para a periferia.
(Pyotr Kropotkin, Anarquismo, cit. Fadiman: 161).
Mas não me venham com a velha cantilena de que ninguém quer anarquia, e que só a ordem traz o progresso, porque põe o povo nos trilhos. Isso era do tempo da Maria-Fumaça, e até o russo sabia que poderia existir muita mais coisas, até no ar, além dos aviões de carreira, embora naquele tempo Santos Dumont ainda não fosse sequer uma unidade santuária, muito menos tivesse começado sua escalada ao monte.
Trilhos têm fins-de-linha Ao desembarque, por favor. A viagem ora será através das sutis freeways da ciência moderna, as highways. Como trens, elas existem para conduzir a gente; mas cada qual toma o rumo que lhe convém. Exige-se apenas simples radares voltados ao virtualmente almejado, e vontade de sair do atoleiro, desse mar-de-lama que sói bater em nossas costas, até o pescoço.
A reversão pode ser tão ou mais espetacular do que os dramáticos eventos que nos conduzem, fatalmente, ao infortúnio:
Assim, neste quadro dualista da ordem sustentada pela desordem,
da estrutura apoiada pela aleatoriedade, o papel desempenhado
pelos efeitos quânticos e pelos clássicos parece quase o oposto
daquele quadros mais tradicionais

(Popper, 1999: 31)
Tais feitos não são provenientes de uma planificação, de um artifício ideológico:
Economistas redescobrem o trabalho de Joseph Schumpeter, que falou da 'destruição criativa' como necessária ao progresso. Numa tempestade de tomadas de controle acionário, alienação de bens, reorganizações, falências, deslanches, joint ventures e reorganizações internas, toda a economia está adquirindo uma nova estrutura que é anos-luz mais diversa, ágil e complexa do que a antiga economia das chaminés.
(Toffler & Toffler: 74.)

São expressões naturais; e como tais, inexoráveis:
É cada vez mais claro que uma revolução filosófica se encontra em marcha.
Um
sistema abrangente está se desenvolvendo com rapidez, como uma
árvore que começa a dar frutos em todos os seus galhos ao mesmo tempo.
(Maslow, A.
cit. Ferguson: 54)
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Nota:

*23/08/2008 - 05h05 Folha de São Paulo:
Congresso tem "mercado de votos", diz projeto do governo

Aprecie, ainda:

-
A introdução de Keynes no Brasil
O desenvolvimento de Keynes no Brasil
A Má Temática da Economia
Sobre o caráter de Keynes
Sobre a Teoria Geral de Keynes -
Engenharia de Papel
A conta do Vigário
Perón, Keynes e a corrupção
A dialética da manipulação monetária
A renovação do infortúnio

O obscuro papel do juro
Juros & Depressão
O desvio do padrão
O espanto de Schumpeter
Para sair da depressão macroeconômica
Mercado & Economia Federativa
A atual crise americana
Sobre a inflação
Da Escola Austríaca de Economia
Economia & Interdisciplinaridade
A Economia através de Fractais*
A Economia como Ecossistema
Para a redistribuição de renda
Sobre a Moderna Economia

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