sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A fixação Positivista no Brasil

Os sábios deverão dirigir e governar,
e os ignorantes deverão segui-lo.
PLATÃO, cit. WHITEHEAD, A.N.,:31
Recém estendida a cabeça-de-ponte que baniu o tenro sistema federativo brasileiro, a estratégia militar para instalação da república positivista no Brasil requeria a consolidação das posições sobre o esquálido e patético povo. Como por aqui nada se cria, mas tudo se copia, lá fomos nós, de volta ao Velho Mundo, buscar naturalmente as velhas soluções para a fixação do novo regime.
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Da Vaca Leiteira*
Os mestres-escolas da França são especialistas em pancadaria.
Quando questionados a respeito, respondem que aquele povo,
tal como dizem dos frígios, só se corrige a 'pauladas'.

Erasmo de Roterdã
(De pueris, p.70)
A dona da língua diplomática se arvorava diapasão do mundo. Sua nada
diplomática Revolução ensinara como exercer o poder em todo seu esplendor:
Constitui um lugar-comum histórico relacionar o surgimento do nacionalismo moderno com a Rev. Francesa. A afirmação é válida, no sentido de que a Revolução Francesa evoluiu para uma espécie de totalitarismo democrático devido ao seu culto do povo sem restrições, o primeiro a instituir algo como o serviço militar universal, 'uma nação as armas'. LUCKÁCS, John, O Fim do Século 20: 226
Republicanos tupiniquins adoravam seus adereços:
Quatorze de Julho - A data de hoje, que a República Brasileira comemora solenemente incluindo-a no seu calendário de festa nacionais, tem alta significação para o espírito de liberdade que domina a civilização contemporânea. Quaisquer que fossem os erros e os excessos que se seguiram a grande conquista de 1789, a histórica já consagra o estupendo legado que a humanidade recebeu dessa grande revolução, - o início da transformação política de todas as nacionalidades modernas, o berço fecundo de onde frutificou a semente generosa de todas as liberdades.
O Estado de São Paulo, ed. de 14/julho/ 1895; republicado em 14/julho/ 1995
Ainda bem que não comemoramos o 17 de outubro, da Bolchevique, descendente direta. Não obstante, o que a tal revolução francesa ensejou além de um rastilho de pólvora generalizado, capaz de varar séculos de desatino? Se a queda da Bastilha livrou meia-dúzia infaustos hóspedes, os grilhões de Napoleão não só aprisionaram toda a Nação, como impingiram a desgraça aos vizinhos, especialmente aos esparsos alemães, fatos que desencadeariam a retaliação germânica durante os dois séculos subseqüentes! Zbigniew Brzezinsk (A desordem, in Veja 25 anos - Reflexões para o futuro: 67) concorda plenamente: "A Revolução Francesa produzira um impacto galvanizado sobre os vizinhos europeus da França, desencadeando as idéias utópicas que reinaram soberanas nos séculos XIX e XX."
Tal perfídia ser divulgada como "semente generosa de todas as liberdades" só pode ser explicada pela ausência de uma delegacia de defesa do consumidor, não acha?
Nossa fonte de inspiração provém justamente da utopia daquela cartesiana Paris, “também capital da astrologia, medicina marginal e religiosidade pseudo-científica". (JOHNSON, Paul, p. 119)

O transplante
O fato de, no Brasil, o Estado ter se organizado antes da sociedade,
impondo-se sobre esta, teria sufocado processos autônomos de organização
cujo resultado se via na debilidade da sociedade civil. COSTA, V.: 33
A seita de Comte mantinha missionários no Chile e no México, além do Brasil. A pretensão buscava suplantar a matriz:"As idéias de Comte foram aplicadas aqui com um rigor tal que não se encontrava no próprio seio do Positivismo, ou seja, na França." (SILVA, Alexsandro; BENVENUTTI, Ana Gilda Benvenutti e SAID, Fabio M.)
Os pernósticos se sentiam aproximados dos primos ricos:
O sucessor oficial de Comte foi Pierre Lafitte. Sob seu patrocínio, foi fundada, em 1878, a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, com o objetivo de divulgar o Positivismo na imprensa. Entre os intelectuais envolvidos na Sociedade estavam Benjamin Constant e os jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Esse foi o embrião do Apostolado Positivista do Brasil, que tanta influência teria mais tarde, durante a República. Enquanto se reformulava a Sociedade Positivista do Rio de Janeiro, em 1879, Miguel Lemos viaja para Paris com o intuito de estudar medicina.
  www.geocities.com/positivismonobrasil
Tal iniciativa se deu justamente quando Dom Pedro II retornava repleto de novidades dos Estados Unidos. Já havia o prenúncio marxista, e os contatos com aqueles liberais fornecia a senha administrativa que poderia garantir a paz e a estabilidade da nação - bastaria conclamá-la à participação, por uma radicalização federativa, já em curso. O pessoal, contudo, os traíras afinal, porque não afirmar categoricamente, ansiavam tomar conta da caixa-forte com exclusividade. Para tanto, não hesitaram em colorir seus parcos intentos. O Positivismo logrou subverter a mentalidade pela "lavagem cerebral", sim, mas coberta pela baioneta:
Os representantes mais esclarecidos das classes médias – médicos, professores, advogados e engenheiros – do último quartel do século XIX, viveram num clima intelectual positivista, não apenas comtiano mas littreísta e spenceriano. Maior penetração teve, porém, a filosofia positivista entre os militares, sobretudo nos jovens oficiais daquele tempo, que fizeram a República e que quase a dominaram, de 1889 a 1894. (COSTA, C.: 38)
O Positivismo - encarnado em Benjamin Constant - foi uma das causas da Proclamação da República, juntamente com outros fatores de ordem nada especulativa e nada filosófica e sim social e de conjuntura política. Os então mais jovens Miguel Lemos e Teixeira Mendes procuraram Constant, poucos dias após a Proclamação, para oferecer seus conselhos à nova República. Ao serem aceitos os dois "apóstolos" do Positivismo religioso no grupo dos orquestradores da República, estava inaugurada a temporada de influência plena do Positivismo sobre nossas instituições políticas... Entre os juristas que mais se opuseram às articulações de Miguel Lemos e Teixeira Mendes estavam Ruy Barbosa e Quintino Bocaiúva... À parte a contradição entre militarismo e Positivismo, há que observar que a doutrina de Comte era perfeitamente a favor da ditadura. Na visão dos positivistas, um governo entregue às 'discussões infindáveis' de políticos profissionais ou atrelado ao poder da Igreja não poderia sustentar-se sobre bases sólidas.
SILVA, Alexsandro; BENVENUTTI, Ana Gilda Benvenutti e SAID, Fabio M.

A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. Esta descrição, e as diferenças entre as tradições anglo-americana e francesa, ainda hoje são válidas.
(SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_05/rbcs05_03.htm)
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A Politécnica também produzia empresários,equipados com sobrenomes que convinha, e tinha os contratos necessários para obter as licenças, autorizações econcessões especiais para seus projetos. Este tipo de empresário era, decididamente, um defensor da iniciativa privada, mas só tinha condições de se desenvover à sombra do Estado.
(www.anpocs.org.br)
Restou ao poeta o lamento: "Caymmi pegou o barquinho o violão, e se pos mar a dentro cantando. 'O mar, tá assim de francês, e cadê português? E cadê português?'"
http://www.saopaulominhacidade.com.br/list.asp?ID=665
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A safadeza

O líder paulista César Nascimento dizia, em 1887, que se sobreviesse uma mudança súbita de governo, seria difícil atingir o ideal republicano, devido à diversidade de pontos de vista e à confusão de idéias. Aliás, a única doutrina que teve influência e deu certa unidade aos anseios republicanos foi, por certo, o positivismo.
COSTA, C.,: 33
O original Benjamin Constant ( 1767-1830) (BOBBIO, N. , 1993: 59) já havia assinalado a ascendência da empulhação pela qual, por bizarro, até hoje permanecemos enredados:
Nossos contemporâneos imaginaram um poder único, tutelar, onipotente, mas eleito pelos cidadãos; combinam centralização e soberania popular. Isso lhes dá um pouco de alívio. Consolam-se do fato de estarem sob a tutela pensando que eles mesmo escolheram os tutores. Num sistema desse gênero, os cidadãos saem por um momento da dependência, para designar o seu patrão, e depois nela reingressam.
Vejamos um momento-chave para entendermos o grau do retrocesso no qual estamos submetidos:
No segundo decênio deste século, num Brasil que perdeu o pulo da passagem do séc. XIX para o XX, surge como expressão das oligarquias dominantes, a candidatura do marechal Hermes da Fonseca; e como reação liberal e progressista, a desse grande rejeitado que o Brasil tantas vezes usou quantas desperdiçou, Ruy Barbosa. Naturalmente, venceu Hermes da Fonseca, pois a eleição era uma ficção jurídico-política. Algumas dezenas de pessoas - se tanto! - conduziam a nação e decidiam do seu destino. O povo não participava do processo, senão como mera figura retórica. A Ruy ficou-se devendo o serviço de criar, por assim dizer, uma opinião pública atuante. Através de estados de sítio e habeas-corpus, de peregrinações cívicas, palmas e perigos, ele começou a mobilizar a consciência coletiva. E se o acusam de tê-la inventado, ainda é maior o seu mérito. Pois o homenzinho valeu, sozinho, por toda uma comunidade incapacitada para o uso da razão.
LACERDA, Carlos, Em vez: 30
O Sistema de Política Positiva sustentava o combate à democracia e ao voto popular como medida legítima para a implantação de um mandato governamental; a centralização do poder em mãos do Chefe do Executivo, inclusive as tarefas legislativas, como por exemplo, a elaboração de leis, e conseqüente redução da assembléia política à votação dos orçamentos; e a continuidade administrativa garantia pela reeleição do governante, prevista pela Constituição.
Segundo Antônio Paim (História das Idéias Filosóficas no Brasil),
a evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campos (1891/1968).
O ilustre e conceituado professor de História, Décio Freitas (As ditaduras gaúchas, Zero Hora, 1/11/1996: 27) recentemente falecido, conheceu a tal “filosofia”, e suplicou:
A doutrina do mal-inspirado profeta (Comte) teve escassa influência na França. Sua maior influência foi no Brasil, e, aqui, só teve integral aplicação no Rio Grande do Sul, através de uma impiedosa e sanguinária ditadura que durou quase 40 anos. Para se consolidar no poder, a ditadura usou da fraude sistemática e do terror jacobino. Provocou guerras civis que alagaram em sangue o RS. Matou-se mais do que na Revolução Francesa: o facão da degola foi a guilhotina dos pampas. Criou-se um regime totalitário de partido único avant la lettre. O modelo de ditadura gaúcha adotado em âmbito nacional em 1930 teve apoio militar, mas foi exercida por civis. A história das ditaduras brasileiras na República é, afinal, a história das ditaduras gaúchas. Temos que reescrever a história das nossas patologias autoritárias: será uma catarse salutar.
Eis o maior legado da estupidez:
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento. Mais ainda, o comtismo considerava a ciência como fechada, como já sintetizada. Ambos os argumentos vão de encontro a um conceito liberal de universidade. A presença do comtismo pode ter realmente significado um contrapeso a qualquer iniciativa de convidar Einstein a vir ao Brasil. Um argumento forte é o fato de que a polêmica entre comtianos defensores da mecânica clássica e einstenianos era pública e reconhecida nos jornais. LOVISOLLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, em MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil: 242
Augusto Comte, falecido na metade do século retrasado, ainda consegue ditar o futuro, pelo presente:
Pesquisa dá respostas ao atraso do Brasil - O positivismo não foi apenas o primeiro movimento filosófico moderno a influenciar as autoridades brasileiras, já no século passado, mas também conduziu a supervalorização da ciência, a ponto de considerá-la perfeita e acabada, simplesmente pronta a ser ensinada, mas não a ser pesquisada. E desta vez, mais do que nunca, o responsável pelo atraso não é o estrangeiro. Mas deliberadamente local. MAKIYAMA, Marina R., O Estado de São Paulo, 21/5/1995: D14.
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* Como Hitler alcunhou a França.

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