sábado, 23 de agosto de 2008

Razões de Estado

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Em outros tempos, se dissessem a um homem que, ao recusar-se a reconhecer a autoridade do Estado ele ficaria à mercê dos ataques de homens perversos - inimigos internos e externos - e que teria que lutar sozinho sujeitando-se a ser morto em combate, sendo portanto vantajoso suportar algumas dificuldades em troca de proteção, ele poderia acreditar, já que os sacrifícios que viesse a fazer pelo Estado seriam apenas pessoais e lhe garantiriam pelo menos a esperança de uma vida tranquila numa Nação estável. Mas no momento em que não apenas os sacrifícios parecem ter se tornado mil vezes mais penosos, mas os benefícios parecem ter desaparecido, é natural que os homens tenham chegado à conclusão de que a submissão à autoridade é algo totalmente inútil. Leon Tolstói
Dia desses fui interpelado para formular um horizonte sem nuvens, uma democracia isenta de interesses particularizados, e inacessível a oportunistas. Todos estamos cansados de críticas, mas carentes de soluções. Convoquei Foca Lisa, que andava vagando pelo EspaçoTempo. Disse-me a amável repórter:-
Posso informar o que vi, não o que pode vir. O futuro depende de algum plano, de preferência integrado, mas é necessário arrolar concepções e interesses individuais, acomodar as gentes para que elas se desenvolvam mais solidárias entre si, seja no âmbito abstrato, ou mais concreto, na energia para se dispor da matéria, fortalecer o espírito para que ele possa se dedicar ao que precisamos, por aqui, neste mundão real. Neste momento, contudo, não estou preparada para decliná- lo, porque me ocupava em fotografar as atrocidades cometidas pelos nossos ancestrais.
Se queremos o advento de novos tempos, no presente cabe a profilaxia dos aposentos.
O homem que descobre uma nova verdade científica precisou, anteriormente, despedaçar em átomos tudo o que aprendera, e chega à nova verdade com as  mãos sujas de sangue do massacre de mil superficialidades.
(
Gasset, José Ortega Y, Rebelião das massas, cit. Rohmann, Cris, p. 298.)
Tecerei algumas observações, à cerca do que vi, e do que de certo modo tentei fazer.
O plano das idéias desconhece fronteiras, podemos fazer terra arrasada de tudo, para daí edificarmos um sistema compatível com o cenário da natureza, e com seu ator principal. O espetáculo, contudo, não pode parar. Somos vedados a promover total implosão dessa arapuca na qual uns sobrepujam os outros através de uma dialética de inversão de valores, onde o mais esperto, não o mais competente, o amoral, não o ético, o impostor, não o autêntico, o malandro, não o responsável, assume as rédeas de uma carruagem sempre destinada, pela loquacidade do condutor, a despencar nas pirambeiras. E já que não é possível tudo arrasar, e a fim de não sujar demasiadamente minhas mãos, utilizei um laser para retirar os tumores diretamente de onde eles foram instalados.
Identifiquei a diligência. Ela foi criada no fito de defender os passageiros dos malvados índios, aqueles desenfreados renascentistas dos oltramonti que teimavam varar a minicordilheira para saqueá-los. Em busca exclusiva da segurança, a Nação criou o Estado, e suas fronteiras. Por paradoxo, mas não por acaso, a começar pelos rincões latinos, e se espraiar por outros ladinos, ninguém mais teve sossêgo: "A guerra significa o Estado no seu mais efetivo crescimento e elevação; significa política." Scheler, Max, cit. Popper, K.: 78Napoleão confirmou a necessidade dos povos continentais concentrarem suas forças na defesa de todos, e a Germânia, espoliada, estuprada, para ser mais enfático, haveria de juntar o rescaldo em torno da bandeira humilhada. Hegel traduziu o manual de intruções dos franceses Descartes e Rousseau, os prussianos demoraram uns dez lustros, mas afinal veio Bismarck.

A isso se dava o nome de “progresso”:“Hegel, como Heráclito, acredita ser a guerra o pai e a mãe de todas as coisas.” (Popper, K.: 44)
Tanta mutilação nos campos de batalha requeria uma mínima responsabilidade dos executores. Então o marechal-da-guerra criou o sistema de recuperação e acompanhamento dos inválidos.
O Estado passou a prover a saúde, não só dos infaustos digladiantes, mas das famílias que eles abandonavam, de modo obrigatório.
Ao retirar do campo, da produção, o enorme contingente que necessitava, o qual invariavelmente seria dizimado, o Estado se obrigava também à subsistência alimentar daquelas desgraçadas famílias. Sua assistência se fazia imperial, no âmbito da previdência.
Marx convocara todos os operários do mundo a se unirem contra os patrões, o maior patrão. O Estado, logo trataria de arrefecer o furor. Ao conceder pequenas benesses, retiradas dos espólios, alguns da própria produção, e depois por artificialismos, aos infortunados, o Estado garantia a fidelidade. Deste modo, ele passou a interferir, diretamente, no aparelho produtivo, taxando os produtores em prol dos desafortunados operários requisitados à bucha-de-canhão.
Os senhores-da-guerra, que jamais se importaram com o destino de seus soldados, a não ser quando lhes servissem, enviava-lhes aos campos talados de minas e canhões, mas criaram um sistema pelo qual compensavam as agruras dos sobreviventes com a retirada dos lucros da produção, como se esta, e não ele, fosse a responsável pela miséria. Nasceu o direito do trabalho, mas não do capital.
Para se desenvolver os artefatos bélicos, mister preparar o pessoal: o Estado passou a ser responsável também pela educação de todos.
Com tamanha atividade, não poderia ele, Estado, sobreviver apenas das guerras, posto serem de vitória incerta, e muito custoso até qualquer desfecho. Como nada produzia, o Estado passou a amealhar a riqueza na fonte que a gerava. Eis como foi instituído o Imposto sobre a Renda.
No advento da horrorosa confirmação soviética, o Estado foi requisitado de modo mais veemente para brecar a volúpia proletária:

Nunca esqueçamos que os governantes da Rússia atual são criminosos comuns de mãos ensangüentadas; que são a escória da humanidade, a qual, favorecida pelas circunstâncias, avassalou um grande Estado em hora trágica, chacinou e exterminou milhares de seus guias intelectuais numa furiosa orgia de sangue.
Hitler, A, Mein Kampf, cit. Downs, R.: 145
Então seria o seu Estado que participaria de todas as atividades, das famílias e da produção, do ensino, da agricultura, da indústria, do comércio, dos transportes, dos meios de comunicação, da assistência médica e hospitalar, de aposentadorias, e, naturalmente, das leis, outrora emanadas das tradições populares.
Na extrema obediência se presume os comandados carentes de consciência. O mesmo se aplica aos feitores, os quais não precisam pensar, nem deliberar, ou dialogar - basta-lhes mandar. Mussolini atingira pleno sucesso, mas o macaco amestrado do andar de cima lhe superou.
As notícias correram o mundo, e o mundo escorregou na armadilha, pela qual, malgrado o linchamento do Duce, a morte no Bunker e o suicídio do nanico, os novos senhores continuam exercendo o poder em nome do povo, para melhor enganá-lo.
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O grave dano social cartesiano

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