quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A impossibilidade da Igualdade

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Se há alguém com direito a mentir,
este só pode ser o governante da cidade;
mais nenhum outro deve gozar desse privilégio.
Platão, (cit.
Pereira, J.C.,p. 153)-

O AVATAR do marxismo e da democracia mora na igualdade.
Aquele buscou atingi-la com fuzis. Não deveria nem ter tentado: se E=Mc2,
o materialismo não tem, sequer, objeto! Até o muro desapareceu. Não há o quê abordar.
A aferição consensual tem por princípio “cada cabeça, um voto”. Às controvérsias dos imperfeitos humanos, basta equacionar contendores em eleições, agora eletrônicas.
Em todos regimes somos “iguais perante a lei”, mas no Estado de Direito a maioria é mais igual (?!), e por isso supõe ser a fonte da lei. A voz do povo deve ser a voz de Deus. A maior soma expressa a Vox apregoada, mas será mesmo ela, vibrante com os gladiadores, histérica na queima das bruxas e aguda na praça da guilhotina, originária ou expressão celestial?
Ao venerar a condição primaz, o eleitor se aliena:

Em muitos Estados do Terceiro Mundo, o assim chamado povo soberano não é nada. Ou quase nada. Fica à margem ou ausente do jogo político, limitado a um círculo restrito. Chamam-no somente para ratificar, plebiscitar e aplaudir. [...] Sobretudo por ocasião das eleições presidenciais.
(Schwartzenberg: 320)
"A democracia fala de um governo comandado pelo povo e sujeito às suas leis; na realidade, entretanto, os regimes democráticos são dominados por elites que planejam maneiras de moldar e dobrar a lei a seu favor." (Pipes:251)
A massa ignora o papel do Estado, ainda que o tome por uma grande coisa. Para gáudio dos impostores, ela crê em qualquer futuro pintado:
"Quanto mais facilmente os eleitores acreditarem nas forças mágicas do Estado, tanto mais estarão dispostos a votar a favor do candidato que promete maravilhas. (Sorel: 145)
"Mas quando o legislador é finalmente eleito – ah! Então o seu discurso muda radicalmente [...] o povo que durante a eleição era tão sábio, tão cheio de moral, tão perfeito, não tem mais nenhuma espécie de iniciativa." (Bastiat: 59)
"Não existe tirania mais cruel do que a exercida à sombra da lei e com uma aparência de justiça, quando, por assim dizer, os infelizes são afogados com a própria prancha em que tinham sido salvos." (Montesquieu: 109)
"A ideologia chega ao seu ponto máximo quando coloca o direito como instrumento acionado por uma “vontade”, a da maioria, através de seus ‘representantes’ - de ‘legisladores racionais.’ Jamais se questiona se os ‘representantes’ não estariam sujeitos as conveniências políticas." (Coelho: 341)
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O berço da increpação

A palavra 'poder', pelo tratamento que lhe dá a ciência política,
virou eufemismo para dissimular o fato da 'dominação'.

(Coelho, Luiz Fernando, Teoria Crítica do Direito, p. 133)
A Revolução Francesa trouxe ao mundo, especialmente ocidental, esse dois estupendos embustes, um em decorrência do outro. A faina da Igualdade, em primeiro plano. E diante do impossível, instituiu novo poder, o Judiciário, a referendá-la. (Do conceito de justiça*)
Na democracia, especialmente nas eleições, o povo se arvora supremo julgador. Para se pesarem as razões, colocam-se os números nas balança. O mais pesado é declarado o vencedor da ocasião:
“Paris define embate entre esquerda e direita.” (Folha de São Paulo,18/3/2001, p. A23).
O hábito de se enredar nas dialéticas é compatível com a paixão do povo ocidental, ao infortúnio:

Essa contradição de idéias reproduziu-se, infelizmente, na realidade dos fatos na França. E, apesar de o povo francês ter-se adiantado mais do que os outros na conquista de seus direitos, ou melhor dito, de suas garantias políticas, nem por isso deixou de permanecer como o povo mais governado, mais dirigido, mais administrado, mais submetido, mais sujeito a imposições e mais explorado de toda a Europa.
(Gusdorf, Georges, As Revoluções da França e da América, p. 59)
Ora, se o telos é ilusório, o veículo é compatível: trata-se de um poder acessório, incapaz per se. A Justiça deriva do Legislativo, e depende do Executivo. Por isso lhe serve. E o povo, por incrível, também!
* * *

O flamante lema projeta
Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas o meado é estranho aos polos. “igualdade de quê?”, questiona o prêmio Nobel de Economia 1998, Amartya Sen. E contrapõe (2001: 29):
"A idéia de igualdade é contrariada por diversidades de dois tipos distintos: 1) a heterogeneidade básica dos seres humanos e 2) a multiplicidade de variáveis em cujos termos a igualdade pode ser julgada."
Não há igualdade entre os homens, tampouco nos reinos animal, vegetal, e até no mineral. Se a procurarmos na teia cósmica, sequer nos anéis de Saturno. Não existe igualdade na natureza, nem entre os átomos que a compõem. O espaçotempo de cada partícula diverge da vizinha, seja por variações das órbitas dos elétrons pelos saltos quânticos, seja por deformar o espaço à sua volta pela simples passagem, ou por que o Universo, desde o Big-Bang, se expande, tornando-nos, ainda, peculiarmente complexos, originais, evolutivos, por tudo mutantes:
“Uma das conseqüências da ‘diversidade humana’ é que a igualdade num espaço tende a andar, de fato, junto com a desigualdade noutro.” (Sen: 51)
A increpação só atendia ao gosto dos novos imperadores:
"O igualitarismo não é imposto pela sociedade ao Poder, mas pelo Poder à sociedade.” (Cannac: 107)

"Aplicado aos outros domínios da vida em sociedade, o formalismo igualitário das regras coexiste mal com a exatidão das diferenças naturais." (Guéhenno: 37)
Os soviéticos demoraram para entender, e ainda assim não completamente. Na implosão da Perestróika, o que se viu foi uma casta encastelada, a Nomenklatura dissipando-se no buraco-negro do blefe. A faina era utópica, do vírus platônico, apenas ideológico; e, como tal, estéril:
"A lei só será um instrumento promotor da igualdade se tirar de algumas pessoas para outras pessoas. E nesse momento ela se torna instrumento de espoliação." (Bastiat: 33)
“Aparentemente a desigualdade – não a igualdade – é uma condição natural da humanidade.” (Dahl: 77)
O distintivo da democracia é a partilha do poder, não a igualdade entre as gentes:

A difusão de poder, nas esferas política e econômica, em lugar da sua concentração nas mãos de agentes governamentais e capitães de indústria, reduziria enormemente as oportunidades para adquirir- se o hábito do comando, de onde tende a originar-se o desejo de exercer a tirania. A autonomia, para distritos e organizações, daria menos ocasiões para que os governos fossem chamados a tomar decisões nos assuntos alheios.
(Russell: 24)
A razão é elementar:
“É o valor de liberdade e não o de igualdade que determina, em primeiro lugar, a idéia de democracia.” (Kelsen: 141)

Um comentário:

  1. "Se há alguém com direito a mentir,
    este só pode ser o governante da cidade;
    mais nenhum outro deve gozar desse privilégio."

    Nossa essa foi boa!!

    =)

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