terça-feira, 12 de agosto de 2008

Estranhos no ninho (a democracia tomada de assalto)

-

Salve bravos carregadores,
'Mais longo o trabalho, maiores favores',
Sem ânimo ou vontade de sorrir,
sempre duros de cabeça e braço,
de originalidade nenhum traço.
Sans géni et san esprit .
F. Nietzsche, Acima do bem e do mal, p. 121.

Existem duas ou três oficiais corporações avessas à democracia, em que pese dela participarem ativamente. São entidades que via-de-regra congregam elementos movidos por interesses egoísticos, por isso exclusivistas. Como seus fins justificam quaisquer meios, seus arautos não hesitam se valerem de quaisquer artimanhas, estratégias e encenações.
Da terceira por ora não me ocuparei.
Da segunda, são os sindicatos, entidades criadas no fito de defender uma classe, como se
apenas o fato de nela ingressar correspondesse a um direito.

Das representações classistas, corporativas; portanto, não-democráticas
O filme em cartaz no vizinho era em preto-e-branco, na protagonização do tarado general Marcos
Evangelista Pérez Jiménez:
Acabo de voltar da Venezuela. Lé o grosso da economia é dirigida pelo governo. Nacionalizou as companhias de petróleo. O maior banco é dirigido pelos sindicatos e subsidiado pelo governo. Numerosas outras indústrias são empresas públicas. E o que foi que aconteceu? Depois de ajudar a OPEP e de ganhar bilhões de dólares, a Venezuela está atolada em dívidas.
(
Toffler, Alvin, Previsões e Premissa, p. 105)
Os sindicatos resplandeceram a partir das elucubrações marxistas, na súplica à união operária.
Como disse Johnson,“o leninismo não era apenas uma heresia; era exatamente a mesma heresia que criara o fascismo.
Temos o direito de esperar que uma revolução socialista levada a cabo por
sindicalistas puros não seria maculada pelas abominações que mancharam
as revoluções burguesas.
(Sorel, G, Greve Geral Política, p. 195)
Ao se aniquilarem os partidos, em troca das formações sindicais e novas organizações de massa, associações recreativas, juvenis, etc., os fascistas montaram um aparelho ideológico de extenso sucesso, para gáudio do artista principal e de seus partners, algo incansavelmente denunciado, especialmente pelos adeptos do marxismo científico, como elemento básico, pedra de toque do execrado Estado. Lênin, escrevendo sobre o Congresso para o Pravda (15 de julho de 1912) há lustro de sua barbaridade, já se regogizava: "O partido do proletariado socialista italiano tomaria o rumo certo."
Recém passados a brutalidade e o massacre oferecidos pela I Guerra, pela Revolução Proletária Soviética de 1917 e por sua prima, decapitada em 1919 na Alemanha, apareceu o gajo pedido por Gramsci, aquilo que os espíritas chamam de carma, o osso duro, a carga pesada que o pacato e alegre povo italiano haveria de suportar por mais de vinte anos: “Mussolini aparece no partido socialista como um verdadeiro chefe. Se tivesse prosseguido, nada o teria diferenciado de um comunista vermelho.” (Faria, Octávio, Machiavel e o Brasil, p. 99)
O interesse do eleitorado operário passava a se apresentar "mais diretamente defendido”, evitado o caminho tradicional por representantes gerais de diferentes extratos, regiões ou partidos. Reunidos em Congresso, os próprios trabalhadores, alinhados nas categorias profissionais, seriam capazes de melhor e mais rapidamente “gerirem” seus próprios interesses:
É perfettamente concepibile che un Consiglio Nazionale delle Corporazioni sostituisca
in toto l’atuale Camera dei Deputati: la Camera dei Deputati e ormai anacronistica
anche nel suo stesso titolo: e un istituto che noi abbiamo trovato e che e estraneo
alla nostra mentalita e alla nostra passione di fascisti.
Mussolini, Benito, Lo Estato Corporativo)
O prof. W. Santos (p. 33) fornece o orçamento:
O preço dessa solução de engenharia utilizando a política social como mediação e amortecedor foi o divórcio prático entre o processo político-partidário e a dinâmica da competição entre empresariado e as classes trabalhadoras que se desenrolava dentro do aparelho do Estado.
Naquela época supunha-se que era o concurso de forças que pautava a natureza:
Há muito estou convencido da importância de aprofundar a teoria
das forças sociais que podemos comparar, em larga medida, às forças
da dinâmica que agem sobre a matéria.”
(
Sorel, G, Greve Geral Política, p. 195.
)
Pela união, pensavam obtê-las:
Na era das chaminés, nenhum empregado isolado tinha um poder significativo em qualquer disputa com a firma. Só uma coletividade de trabalhadores, unidos e ameaçando parar o uso de seus músculos, podia obrigar uma administração recalcitrante a melhorar o salário ou as condições do empregado. Só a ação em grupo podia reduzir ou parar a produção, porque qualquer indivíduo era facilmente intercambiável e, por isso, substituível. Foi esta a base para a formação dos sindicatos de trabalhadores.
(Toffler, Alvin, Powershift: As Mudanças do Poder, Um perfil da sociedade do século XXI pela análise das transformações na natureza do poder, p. 23)
As idéias corporativas tiveram grande aceitação: receberam apoio da Encíclica Papal Quadragésimo Anno, de 1931, influenciaram decisivamente a doutrina do partido nazista alemão e de inúmeros outros movimentos fascistas em diversos países. No Brasil, foi notória a sua influência na década de 30, durante a ditadura de Getúlio Vargas.
( Stewart Jr., Donald, O Que é Liberalismo, p. 24.)
Os movimentos trabalhistas holandês, escandinavo, suíço e americano seguiam os mesmos passos:
Oradores eram convidados de honra nos sindicatos que aconteciam em toda a Europa Ocidental e Estados Unidos. Os movimentos operários russo e eslavo também se inspiraram no alemão, e a segunda Internacional Comunista estava sob a liderança reconhecida do partido alemão. Suas filiações ultrapassavam 1 milhão em 1912; nos sindicatos, dois e meio milhões.
Schwartz, J., O Momento Criativo - Mito e Alienação na Ciência Moderna: 130
Quando viveu Eugene V. Debs (1855-1926), ainda não havia Hitler; só Bismarck. Ele se antecipou ao III Reich propondo, em pleno EUA, a protoformação nazi-socialista, em The Promise of American Life. (Croly, Herbert, The Promise of American Life, 1909, cit. em Johnson, Paul: 13) Na “promessa”, Debs tentava mostrar as vantagens do corporativismo e da intervenção deliberada do Estado, a fim de promover “uma democracia mais altamente socializada”.
Einstein (Escritos da Maturidade: 133) pode reparar os malefícios do maniqueísmo tecnocrático-legislativo, levado à cabo alhures:
O indivíduo tornou-se mais consciente que nunca de sua dependência para com a sociedade.
Não vive essa dependência, contudo, como uma vantagem, um vínculo orgânico, uma força protetora, mas antes como uma ameaça a seus direitos naturais, ou até a sua existência econômica.
Ele apresentara sua notável constatação da Física: E=Mc2. Isso deveria ser o suficiente:
Se os seres humanos houvessem de inspirar-se nos exemplos da Natureza, fazendo deles
normas de conduta, a anarquia, a independência, o individualismo e o princípio do menor esforço passariam a ser os ideais humanos.
(Garbedian, H. G., p. 161.)
Além de determinar que não são forças as regentes do Universo, a fórmula evidencia que a matéria
é apenas energia estática, de modo que o materialismo não tem, sequer, objeto.
(Breve intróito sobre Engels & Marx)
Quem os tem, todavia, e os mantém acentuados, são os oportunistas de plantão,
os quais utilizam incautos como tapetes-mágicos à sua exclusiva obsessão.
Não posso entender como uma sociedade que se diz democrática utilize outros viéses que não sejam os poderes constituídos, neles inclusos o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, para encaminhar suas reivindicações sociais. Evidentemente que as ações daqueles atravessadores não são pautadas pela defesa dos desvalidos contribuintes, tampouco pela busca de um ideal de justiça.
Já tem gente até demais alistada neste exército.
Aas entidades de classe sempre foram e permanecem antros de corrupção
e enriquecimento sem causa, e não conheço exceção.
Como as informações assumem a velocidade em tempo real, até na realeza
o pérfido sistema declina, já há dez anos:
Um contrato de emprego não deve ser diferente de um contrato para comprar casa, comida ou mesmo de casamento. Em meu país liberamos o mercado e isso foi uma forma de libertarmos o trabalho. O herói da revolução na Nova Zelândia é o mercado de trabalho flexível. Nesse caminho a política econômica é reduzir os benefícios para não-ocupados. Tem de valer a pena conseguir um trabalho. Abolimos o monopólio que tinham os sindicatos, de forma que hoje a adesão é voluntária. Hoje, apenas um quarto da força de trabalho da Nova Zelândia é sindicalizado.
(Richardson, Ruth, Palestra no Forum da Liberdade, Porto Alegre, 18/3/ 1997 - Forum defende novas leis de trabalho. Ela ainda viu “muito desemprego escondido no Brasil” e referiu-se às falhas estatísticas.)
Na ocasião empresários não receavam vir a público requerer a extinção, pura e simples, desses labirintos:
Jorge prega a extinção da Justica do Trabalho e a realização de contratos individuais entre empresas e empregados. 'Hoje o trabalho virou uma indústria', lamenta. 'Na Europa há uma crise de desemprego, tendo como causas a força dos sindicatos e o Estado com leis extremamente protecionistas'.
(Moraes, Jorge, Presidente da Federação dos Jovens Empresários de Porto Alegre. - Jornal do Comércio, Porto Alegre, 9/4/1997.
)
Paulinho, ex-presidente de uma dessas arapucas, elegeu-se de puta do; daí à corrupção foi só estender as mãos. O desvio formulado no BNDES até hoje esta sendo contabilizado. Nesse interim, exato hoje, S.Exa. presta depoimento perante seus pares, ou seja, partidários, ou seja, ainda, os que vão repartir a pizza, à noite.
Sua defesa dá mostra da pretensão:
Nos anos 50, os conservadores, os inimigos do povo e dos trabalhadores, tentaram manchar a honra do grande Getúlio Vargas, levando-o ao suicídio. Em 1964, golpearam o presidente João Goulart e o grande líder Leonel Brizola, que passou a vida inteira, até a morte, perseguida por essas forças, disse. Agora é comigo. Por que? Porque querem tirar o protagonismo do movimento sindical no cenário político nacional.
Somos tão malvados quanto os americanos, que também levaram Hitler ao suicídio.
Por uma questão de profilaxia, e de carência de papel, queremos meeeesmo "tirar o
protagonismo do movimento sindical do cenário político nacional." Quem não quer é a gente de sua laia, os conservadores que ambicionam conservar os privilégios que auferem às custas do trabalho alheio, a lã do rebanho que conduzem, somada a abigeatos, na passagem:
O escândalo sexual que atingiu a montadora alemã Volkswagen, que teria pago com
dinheiro da empresa orgias para corromper executivos e sindicalistas, respingou hoje
no ministro Luiz Marinho (Trabalho).
Folha de São Paulo, 20/10/2005
Dos partidos políticos
Vivemos sobre uma civilização.A cada escavação do metro ou abertura
de poços descobrimos uma relíquia. A antigüidade nos enriquece, mas
em certo sentido nos impede de viver.

Vassalis Vassalico ( Co-autor do filme "Z". - O Estado de São Paulo, 9/12/1995.)
Parece não haver dúvidas quanto a gênese e os objetivos em nada democráticos das corporações classistas, mas pode-se rotular os partidos, estas greis fundamentais em todos países democráticos, de sujeitos estranhos à democracia?
Não tenho receio em afirmar tal heresia, e sustentarei não só com teses e hipóteses, senão que com a história e com os fatos atuais, no Brasil e alhures. Aqui ou na Conchinchina, os partidos politicos são antíteses da democracia, ainda mais quando estendem suas cabeças-de-ponte aos sindicatos, através de benesses a pelêgos. Outras tantas, como o finado Solidariedade polonês ou seus clones tupiniquins, se desenvolvem à sombra da própria democracia que combatem:
Do relato de sua concepção e articulações iniciais, o livro é enfático ao mostrar
como a ampliação do campo da ação sindical forjada na moderna região industrial
do ABCD paulista, traduzido no movimento do "novo sindicalismo", marcava um
novo nexo com a política e trilhava o caminho do sindicato ao partido.

(RACHEL MENEGUELLO, Não se vêem mais novidades como antigamente. - Folha de
São Paulo,
15/6/2001 - comentário à cerca de Singer, André, Folha Explica O PT.)
-
Ex-prefeito de São Bernardo (Grande São Paulo) por três vezes e um dos fundadores do PT,
o advogado Maurício Soares volta nesta quarta-feira para os quadros petistas após romper
com o comando do PSB na cidade. Agora oficializa seu apoio para o ex-ministro Luiz Marinho
(Previdência), que disputa a prefeitura pelo PT.
(Folha de São Paulo, 13/8/2008)
É inviável, portanto incorreto, legitimar um Direito emanado do todo, porque dele nada emana:
"Creio que, de um modo geral, todos reconhecem que há uma diferença radical entre proposições universais e particulares. Somente estas últimas têm importância existencial; as outras são hipotéticas ou condicionais." (John Dewey, cit. Shook: 203)
“A justiça, a moral, o direito, a liberdade só se realizam na medida em que se realizam singularmente nos indivíduos.” (Rosselli: 121)
Não só por isso, mas principalmente por isso, caíram todas as ditaduras, do Império Romano ao Bolchevique. Resta alertar:
"As corporações centralizadas e autoritárias têm fracassado pela mesma razão que levou ao fracasso os estados centralizados e autoritários: elas não conseguem lidar com os requisitos informacionais do mundo cada vez mais complexo que habitam." (Fukuyama, F., 2002: 205)
Como os par(t)idos merecem um raid ainda mais prolongado, escolho o treze como Dia D.
Até amanhã.

Nenhum comentário:

Postar um comentário