sábado, 30 de agosto de 2008

A Má Temática Positivista do Brasil

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Vivemos à base de idéias, de morais, de sociologias, de filosofias e de uma psicologia que pertencem ao século XIX. Somos os nossos próprios bisavós.
BERGIER, Jacques e PAWELS, Louis, O despertar dos mágicos: 31

A razão do positivismo demonstra que o ser humano, se não ordenado, e sob pena de sanções, nada faz que seja útil; tampouco poderá viver em sociedade.
Somos piores que
quadrúpedes e insetos: esses desconhecem prescrições, mas logram convivência pacífica, hamônica no interior de suas comunidades.

A ciência
AO TOMARMOS conhecimento de que não éramos o centro do Universo, a religião sofreu o baque. Reis divinos já não mereciam tanto respeito; sequer o trono. Aos novos aspirantes tal "ciência" vinha a calhar. As ações poderiam ser coloridas por crivo cientifico, portanto, obrigatoriamente aceitas.
Japiassú (Um Desafio à Filosofia: Pensar-se nos Dias de Hoje, : 64). disso reclama:
Mas tudo indica que, nos dias de hoje, é a ciência que se encontra instalada no lugar de Deus. Desde há algum tempo, ela vem se atribuindo o papel de referência absoluta. Impõe-se o positivismo, que gera o cientificismo acreditando que a ciência tudo pode explicar e apresentando o seguinte aspecto político de seu projeto: o recrutamento da ciência a serviço de uma concepção política que a aproxima da religião. Uma vez envolvida, a ciência se curva às ordens da política que tem por missão justificar. Ao fetichizar a ciência e sacralizar a política, o cientificismo termina por ceder o lugar ao tecnologismo que hoje nos invade e se torna a mentalidade hegemônica, muito embora se revele impotente para mobilizar nossos afetos (a serviço de um ideal), a não ser sob as formas mais lúdicas e mais ou menos moralizantes da ciência-ficção.
A sociedade, a massa, também haveria de ser aquela expressão do relógio, em movimento homogêneo, linear, geométrico, euclidiano, cartesiano, exato e hierárquico. Variariam, apenas, intensidades. Todos os fenômenos, no diagnóstico do maior dos cientistas, “deveriam ter também uma explicação racional no sentido da mecânica”. Também uma ordem exata.
O raciocínio quantitativo tornou-se símbolo da ciência e, com tal sucesso que a metodologia newtoniana foi transformada na base conceitual de todas as áreas de atividade intelectual, não só científica, como também política histórica, social e até moral.
GLEISER, M.: 164
Dessarte, trocamos um embuste por outro. Eis o grande dogma, até maior do que o Sagrado, e pelo qual a humanidade foi traída:
A ciência ocidental tornou-se matematizada. A linguagem matemática da ciência, que causa tanto desânimo ao leitor de outras áreas, implantou-se como resultado do conflito entre as visões de mundo eclesiástica e leiga e seu propósito era justamente causar o afastamento do público comum.
SCHWARTZ: 18
Em vez da moralidade cristã balizarem as ações reais, ora tínhamos a presunção científica a prover aberrações:
Seja qual for, de resto, a validade desta tese geral ela é verdadeira para o século XVI. Que tudo abalou, tudo destruiu: a unidade política, religiosa, espiritual da Europa; a certeza da ciência e a da fé; a autoridade da Bíblia e a de Aristóteles; o prestígio da Igreja e o do Estado.
KOYRÉ, 1986: 25
A agonizante filosofia enveredou à fania da exatidão:
A passagem do reino da opinião (doxa) ao domínio do conhecimento científico (episteme) exigia a adoção de uma inteligibilidade racional. E a formulalização matemática estabelecia o limite desta ambição. As ciências humanas nascentes passaram a adotar uma exigência de rigor e de precisão, de busca das estruturas e das normas. Para tanto, adotaram em suas investigações os métodos quantitativos e a linguagem cifrada. A análise estatística passa a ser um dos meios fundamentais de ação dos cientistas humanos. As ciência se converte em uma língua bem feita. Por isso, submete todo o seu domínio à ordem matemática, a língua mais bem feita existente. A perfeição do saber parece ser atingida desde que se reduza os fenômenos a um esquema tipo algébrico. Pouco a pouco, a ordem dos comportamentos e das idéias humanas fica submetida à inteligência matemática.
JAPIASSÚ, Hilton, Nascimento e Morte das Ciências Humanas, p. 97
"Comte considerava a Matemática e a Sociologia as ciências mais importantes. A Matemática pelo caráter universal das leis geométricas e mecânicas e a Sociologia por tratar das indagações que conduzem a evolução histórica da humanidade." (SILVA, 1999:56)
O barro cartesiano, pintado com cores de Platão, e as pioneiras proposições de Rousseau, consagradas por Saint-Simon, que lhe foi mestre, formaram lastro e pano da cama elástica onde tomou impulso o “juspositivismo”, o “direito” da imposição:
Descartes nos diz com toda a clareza, na segunda parte do Discurso do Método, que uma legislação que é obra de um só vale mais do que a que foi elaborada por vários através das transformações da história, pois é mais fácil a um só seguir um plano racional e apartar-se das contingências que constituem os hábitos e os costumes dos habitantes do país.
PERELMAN,
C., p. 363.
Sorman (A Solução Liberal, p. 54) endossa e aponta a gravidade do rumo tomado pelo trem:
A culpa inicial cabe a Descartes. Ele foi o primeiro a negar a sabedoria inconsciente, persuadindo-nos de que só o que era demonstrável, era verdadeiro. Rousseau substituiu-o, imaginando que não havia leis fora das desejadas pelo homem. Finalmente veio Augusto Comte, que instalou de vez a universidade no positivismo, fez as ciências humanas oscilarem para a sociologia e eliminou todo o ensinamento sério da economia.
Nosotros
O tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, um dos golpistas
investido como ministro da Instrução Pública da época da introdução da seita, "reformou o ensino justamente de acordo com os pontos de vista de Comte." (ANDERY, M.,:380)
A "Instrução Pública" tratou de-formar grande contingente de engenheiros, pragmáticos juristas, economistas, políticos, educadores, mercantilistas e gente disposta a se vestir de verde-oliva, mas não o verde da produção. E lá fomos nós, macaquitos amestrados:
Muitos historiadores consideram a influência do positivismo no Brasil como fenômeno único e afirmam, inclusive, que a matemática desempenhou um papel essencial na introdução e divulgação do positivismo no país. O motivo disso é que houve uma instituição que desempenhou um papel decisivo para isso: a Escola Militar do Rio de Janeiro. Lá a ideologia positivista encontrou forte sustentação, e pode, então, atingir a vida social, política, pedagógica, e ideológica brasileira. Os docentes de matemática desempenharam um papel muito importante na propagação das idéias positivistas. Nessa escola a matemática era, inclusive, a disciplina principal. Durante um período de mais de cem anos (1810-1920) a Academia Militar do Rio de Janeiro (e todas suas ramificações - Escola Central, Escola Militar, Escola Politécnica, escolas preparatórias) foi praticamente a única instituição onde os brasileiros podiam adquirir conhecimentos matemáticos sistemáticos de nível superior e obter um diploma debacharel e doutorado em ciências físicas e Matemáticas.
(SILVA, Circe Mary Silva da, A matemática positivista e sua difusão no Brasil. - Vitória, UDEFES, 1999 : 13)
A escola catalizava a "elite" para colocar o "país nos eixos", proporcionando aos engenheiros a primazia, mercê da certeza matemática que lhes envolvia, pressupondo-se competência de gestão, como se fôssemos meras peças de uma máquina brutal:
A noção de que a sociedade poderia ser planejada e gerida por engenheiros estava bem de acordo com a tradição francesa, e teria grande impacto no Brasil. Enquanto na tradição inglesa a engenharia sempre fora uma ocupação menor e sem foros de nobreza, a École Polytechnique foi, desde o início, o lugar onde a elite administrativa francesa era educada. Lá, a educação militar era ministrada juntamente com o treinamento da mente em matemática e física; pensava-se que esta combinação prepararia as melhores mentes cartesianas, prontas para construir pontes, comandar exércitos e dirigir a economia. Esta descrição, e as diferenças entre as tradições anglo-americana e francesa, ainda hoje são válidas.
(SCHATZMAN, Simon, A força do novo: por uma sociologia dos conhecimentos modernos no Brasil. www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_05/rbcs05_03.htm)
Einstein teve a paciência de desembarcar no Brasil. O gênio fez conferências sobre a Teoria da Relatividade justamente no Clube de Engenharia, na Escola Politécnica do Rio de Janeiro e na Academia Brasileira de Ciências. Tudo em vão:
Esses primeiros contatos, porém, não foram intelectualmente proveitosos pois a platéia ainda conhecia pouco as teorias expostas por Einstein, envolvendo física quântica e a própria Teoria da Relatividade, e olhavam com desconfiança e ceticismo tais idéias 'extravagantes' para a época.
LIMA, Márcia Tait, A genialidade não relativa de Einstein, Cienc. Cult. vol.57 no.2. - São Paulo Abr./Jun 2005
Eis quiçá o mais fulgurante instantâneo, capaz de revelar forte motivo à nossa estagnação:
A universidade brasileira ainda não existia, é certo, mas também há consenso em se afirmar que sua emergência foi retardada pela posição dos positivistas comtianos - ortodoxos ou heterodoxos, autoritários ou democráticos - que consideravam que, no clima de opinião vigente, sua instalação apenas aumentaria a confusão existente no país entre as etapas ou estágios de desenvolvimento do pensamento. Mais ainda, o comtismo considerava a ciência como fechada, como já sintetizada. Ambos os argumentos vão de encontro a um conceito liberal de universidade. A presença do comtismo pode ter realmente significado um contrapeso a qualquer iniciativa de convidar Einstein a vir ao Brasil. Um argumento forte é o fato de que a polêmica entre comtianos defensores da mecânica clássica e einstenianos era pública e reconhecida nos jornais.
(LOVISOLO, Hugo, Einstein: Uma viagem, Duas Visitas, em MOREIRA, Ildeu de Castro e VIDEIRA, Antonio Augusto Passos Organizadores, Einstein e o Brasil, p. 242)
Ordem e retrocesso, isso é no que deu a veneração à baioneta.
A evolução da elite política brasileira no sentido de uma tendência abertamente fascista, com o Estado Novo, não poderia ter ocorrido sem trabalho prévio, ao longo de várias décadas, seja do castilhismo, no meio político, seja do positivismo, no meio militar. A base comum que possibilitou o trânsito de uma a outra das posições pode ser apreendida na análise de uma obra que expressa melhor que qualquer outra essa evolução: o Estado Nacional de Francisco Campes (1891/1968).
O pior é que este tal de Augusto Comte, falecido na metade do século retrasado, ainda consegue ditar o futuro, pelo presente:
Pesquisa dá respostas ao atraso do Brasil - O positivismo não foi apenas o primeiro movimento filosófico moderno a influenciar as autoridades brasileiras, já no século passado, mas também conduziu a supervalorização da ciência, a ponto de considerá-la perfeita e acabada, simplesmente pronta a ser ensinada, mas não a ser pesquisada. E desta vez, mais do que nunca, o responsável pelo atraso não é o estrangeiro. Mas deliberadamente local.
(MAKIYAMA, Marina R., O Estado de São Paulo, 21/5/1995: D14.)

A falha de Einstein


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